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O funcionamento cognitivo em jovens pouco letrados: o problema do

3 ADOLESCÊNCIA, LINGUAGEM, ESCOLA E LETRAMENTO NA

3.3 A ADOLESCÊNCIA NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL DO

3.3.1 O funcionamento cognitivo em jovens pouco letrados: o problema do

A partir dos pressupostos discutidos até aqui, podemos pensar que, em uma sociedade na qual a cultura letrada e a tecnologia regem a própria forma de aprender e de pensar de seu grupo, o indivíduo que não domina a linguagem escrita estará em uma situação muito delicada do ponto de vista de sua inserção nas diversas atividades culturais valorizadas por esse grupo, assim como do ponto de vista de seu desenvolvimento cognitivo e comunicativo, dessa forma, influindo na própria constituição de sua subjetividade, na forma como conseguirá se projetar para o futuro, o seu projeto de vida, de trabalho, de participação como cidadão nesse contexto sociocultural.

Isso nos remete ao nosso objeto de estudo (adolescentes em situação de analfabetismo funcional e de defasagem idade-ciclo): se a escola é o lugar social onde o contato com o sistema de escrita e com a ciência, enquanto modalidade de construção de conhecimento dá-se de forma sistemática e intensa; se é nessa instituição que se potencializa o desenvolvimento de formas complexas de pensamento e abstração; e se é a adolescência o período em que se dá o desenvolvimento dos conceitos científicos e a atividade mental com suas funções psicológicas superiores, temos que questionar sobre os sérios impactos da situação de analfabetismo funcional a esses adolescentes. Isso porque, depois de terem cursado vários anos de escolaridade não conseguem ler e escrever com competência e não conseguem construir conhecimentos mais significativos a partir da mediação da linguagem escrita.

Investigações contemporâneas (como a de COLE; SCRIBNER, 1974, e de OLIVEIRA, 1989) indicam que o pensamento de adultos pouco escolarizados parece ser mais atrelado à experiência concreta. As tarefas cognitivas como classificação, raciocínio e solução de problemas seriam de difícil realização para esses indivíduos. Nesse sentido, a capacidade de elaboração cognitiva descontextualizada estaria aparentemente menos presente no desempenho típico dos membros dos grupos pouco letrados.

Oliveira (1989) apresenta alguns dados obtidos em sua pesquisa com adultos pouco escolarizados que frequentaram cursos supletivos na cidade de São Paulo. Em atividades que os alunos deveriam seguir instruções explícitas dadas pela professora, os alunos observados demonstravam grande dificuldade para tanto: quando uma tarefa mais complexa era proposta, eles pareciam não tomar as explicações iniciais da professora como um “guia” de forma a dirigir sua ação por um plano intencionalmente elaborado a partir desse guia. Ao contrário, realizavam fragmentos superpostos da tarefa, cada um, dirigido por uma ordem simples isolada. Com isso, revelando não entender a instrução feita pela professora, e, sempre, perguntando qual seria o próximo passo, após a primeira tarefa realizada.

Oliveira (2009) aponta que esses grupos urbanos pouco letrados acabam vivendo uma condição de exclusão de determinados aspectos culturais da sociedade, o que pode ter consequências para o seu funcionamento cognitivo. Essa reflexão foi também colocada no capítulo 2 deste trabalho, onde se assinalou um panorama com estatísticas sombrias sobre o analfabetismo funcional em jovens de 15 a 25 anos, nas principais capitais brasileiras, entre as quais Belo Horizonte se inclui.

Ao depararmo-nos com os sujeitos por trás de tais estatísticas, detectamos que, conquanto as diferenças de projetos pedagógicos, dos parcos investimentos do governo em educação e dos questionamentos acerca da boa ou má qualidade da escola pública brasileira, há crianças, adolescentes e jovens que alcançam bons resultados em seu processo escolar, todavia há também um número muito significativo de sujeitos que fracassa. São inúmeros os adolescentes e jovens que apresentam grandes dificuldades no aprofundamento dos estudos e na busca de crescimento profissional, conquistas esperadas, em tese, como consequência de sua inserção na cultura letrada.

É o caso dos adolescentes estudados nesta investigação. Na introdução deste estudo, apontamos nosso problema de pesquisa ao identificar um número relativamente considerável de jovens entre 15 a 18 anos que, ano a ano, chegam ao final do ensino fundamental, depois de anos de escolarização, em situação de defasagem idade-ciclo e sem conseguir concluir o 3º ciclo com êxito. A grande maioria deles é então matriculada no Programa de Aceleração de Estudos Floração, ou mesmo na educação de jovens e adultos, e apresenta muitas dificuldades no que diz respeito ao letramento e ao numeramento (ou letramento matemático). Ou seja, apresentam também grandes dificuldades no que se refere às práticas de leitura e escrita e na resolução de problemas envolvendo o raciocínio lógico, o que acaba por comprometer a aprendizagem dos conteúdos nas diferentes disciplinas.

Com a contribuição de Vygotsky e os autores do enfoque histórico-cultural, é possível perceber que muitos desses adolescentes apresentam um funcionamento psíquico típico dos jovens pouco letrados, descritos anteriormente. Seu desenvolvimento cognitivo fica comprometido, assim como o controle das atividades intelectuais e tarefas que exigem maior complexidade, abstração e descontextualização do pensamento. Nesse sentido, o processo de escolarização para esses não significa, afinal, sua ascensão social, sendo que a educação não funciona como prática de libertação, como vemos no próprio ideal de Vygotsky e seus colaboradores, ou na utopia de Paulo Freire.

Este enfoque nos convida a refletir sobre a importância de pensar em como os projetos pedagógicos podem estar mais ou menos dirigidos ao desenvolvimento desse tipo de pensamento conceitual, descontextualizado, para a formação do sujeito do conhecimento, apontando também para a necessidade de pensarmos na heterogeneidade do psiquismo humano e na maneira singular que cada sujeito irá aprender e desenvolver-se. No entanto ele não aprofunda de maneira sistemática ao estudo de como o indivíduo internaliza, interpreta e responde às condições sociais e culturais historicamente impostas a ele.

3.4 DOS ALCANCES DO ENFOQUE-HISTÓRICO CULTURAL FRENTE AO