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Capítulo II Uma análise sociológica sobre a escola, as juventudes e suas relações

2.3 Juventude e escola: um encontro de culturas

Vivencia-se atualmente uma guerra formada por um choque de culturas, onde de acordo com Dayrell (2007) a cultura escolar (reproduzida pelos sujeitos que a tem como profissão) indica que a culpa do seu atual declínio é do seu público-alvo, os alunos; e os jovens, que assumem o papel de alunos no ambiente escolar, devolvem o julgamento afirmando que a escola já não se adequa mais a eles, gerando a desmotivação latente que pulsa atualmente em ambos os atores que compõem a escola.

Os avanços tecnológicos alcançados nos últimos tempos não foram suficientes para desenvolver a educação, e seguimos vendo níveis talvez até maiores de fracasso escolar, evasão e baixa aprendizagem, entre outros sintomas que configuram o atrito vivido contemporaneamente entre a escola e os jovens. Pelo lado dos profissionais da educação é exposta a idéia de que o problema está originado na própria juventude, caracterizada cada vez mais como egocêntrica, hedonista e abnegada da educação escolar. Enquanto para os jovens a escola está se tornando um espaço estranho, bem afastada de suas culturas e qualidades juvenis. Juntando esses dois lados o que é possível encontrar no cotidiano escolar são choques, tensões e constrangimentos, fruto de uma falta de harmonia entre a escola e seus sujeitos,

e assim “assistimos a uma crise da escola na sua relação com a juventude, com professores e jovens se perguntando a que ela se propõe” (Dayrell, 2007, p.1106).

É necessário antes de tudo não realizar uma análise linear sobre esse tema, pois a relação da juventude com a escola não é explicada apenas olhando para esses dois lados, o problema não está somente nos jovens nem exclusivamente na escola, mas pode ser refletido que as tensões vividas atualmente no ambiente escolar são expressões de mutações profundas que vêm ocorrendo na sociedade ocidental, que afetam diretamente as instituições e os processos de socialização das novas gerações, interferindo na produção social dos indivíduos, nos seus tempos e espaços (Dayrell, 2007).

Sobre tais mutações, a pesquisadora francesa Jacquinot-Delaunay (2007, pp. 78-79) afirmou em entrevista:

Essas mudanças intervêm também na vida dos jovens e é necessário considerá-las nas famílias e na escola. A cultura das crianças foi modificada nos últimos vinte, trinta anos na família, na escola, na comunidade e na cultura de seus grupos e pares. Suas experiências na construção de identidades, como gênero masculino ou feminino, como cidadão em relação a essa ou aquela etnia, como pessoa que tem agora seus direitos reconhecidos, ou como membro de famílias cada vez mais monoparentais ou recompostas, não podem deixar de ter conseqüências sobre os comportamentos dos alunos. Os meios de comunicação não são estranhos a todas essas mudanças, ao contrário, participam delas. Os jovens hoje são frequentemente considerados desconhecidos ou até mesmo bárbaros pelos adultos: eles têm uma outra linguagem e outros hábitos. Os

professores, como os pais, sabem disso, mas não como lidar com isso.

Partindo do pressuposto que as gerações mais experientes possuem maior embasamento para solucionar desafios e problemas, não é possível esperar que os jovens se moldem à escola, mas sim a escola que necessita conhecer os novos modos de ser, pensar, e agir dos jovens contemporâneos. O estudante pós-moderno possui necessidades diferentes daquelas que seus pais tiveram, ele precisa de novas capacidades e formas de aquisição do conhecimento e subjetivação com as quais a escola não está preparada para lidar.

As escolas atuais apresentam fortes marcas de um contexto sociocultural ultrapassado, se afastando cada vez mais das condições juvenis existentes na contemporaneidade. Além disso, as reformas que vêm sendo promovidas de forma tímida e isolada não estão promovendo a tão esperada mudança. A escola está mudando sem se reinventar, continuando a ser a mesma, enquanto os modos juvenis de ser vêm se modificando com uma velocidade surpreendente, o que colabora para a perpetuação das tensões e conflitos observados no ambiente escolar (Mattos, 2013).

Canário (2005) levanta a hipótese de que a desafeição dos alunos pela escola pode ter raízes nas próprias características da escola, que de forma paradoxal tem sofrido críticas constantes e fortes justamente dos mais instruídos, que são teoricamente os mais escolarizados, mais próximos da cultura escolar e mais conscientes de seus benefícios. Não é raro ver alguns autores criticarem vorazmente os aspectos da escola em que um dia estudou.

O modelo de educação vigente não foi pensado para que o aluno estude movido pelo desejo ou pelo prazer. Nossas escolas ainda estão muito ligadas à lógica moderna da disciplina e do adiamento da satisfação, o que intensifica o choque existente na relação entre a escola da modernidade sólida e as juventudes que vivem em tempos e ambientes líquidos. Por isso é necessário pensar de forma urgente em mudanças que tornem o ambiente escolar mais harmônico com as culturas juvenis contemporâneas, não para simplesmente adequar as escolas ao cenário atual, mas para propiciar o diálogo com as atuais juventudes. Desta forma, talvez seja possível ajudar esses jovens a reconhecerem a importância do pensar em longo prazo e de ser, em alguns momentos, um pouco mais “sólidos” (Mattos, 2013).

Green e Bigum (2011) asseguram que as escolas estão sendo habitadas por uma geração bastante diferente do que os professores esperam, os estudantes pós-modernos possuem novas necessidades e novas capacidades. Em contraponto as escolas também são bem opostas às expectativas dos estudantes.

O padrão de educação que as escolas apresentam está mais próximo do século XIX do que do século atual, no entanto os alunos que frequentam essas escolas, evidentemente, são mais do século XXI do que do século XIX, mostrando que há claramente um desencontro entre as duas culturas (Costa & do Ó, 2007). Aliado a tudo isso a escola também vivencia um ruir dos seus muros, tornando-se mais permeável ao contexto social e suas influências. Como exemplo é possível mencionar a concorrência cada vez maior da informação difundida pelos meios eletrônicos; a convivência crescente com problemas sociais externos; e também a maior participação dos pais na avaliação dos professores e da escola, incentivados pelo ideal de escola democrática que permeia nossas escolas atualmente (Dayrell, 2007).

Canário (2005) sintetiza afirmando que a escola vive uma incoerência, por um lado essa incoerência é externa na medida em que a escola foi historicamente produzida de acordo com um mundo que já deixou de existir, mas ela aparentemente permanece imutável; e essa incoerência também é interna no sentido em que o seu funcionamento não é compatível com a diversidade de públicos que ela passou a atender após a sua massificação, nem com as “missões impossíveis” que lhe são impostas.

Para Prensky (2001), os alunos de hoje são incompatíveis com o modelo educacional vigente devido à tecnologia digital que se difundiu rapidamente e que essa geração foi exposta praticamente desde que nasceu. Ele afirma que há no interior das escolas uma espécie de incompatibilidade intergeracional entre os educandos e os educadores, onde as competências desenvolvidas pelos atuais educandos não são aproveitadas pela escola como deveriam, e de forma contrária são frequentemente consideradas de menor importância e até mesmo estranhas.

Uma escola que tem como único atrativo um diploma (que nem é possível prever se será muito útil no futuro e lembrando que estamos falando de uma geração não muito apegada ao porvir) é bem fácil de haver desinteresse, fracassos e não raro a evasão do seu alunado. Por evasão podemos entender quando o aluno digamos que chega ao seu limite de “suportar” a escola e acaba desistindo dela, abandonando-a. Canavarro (2007) assegura que tal fenômeno apenas é concretizado no momento da saída do estudante, mas esse abandono já começa a ocorrer bem antes, é algo anunciado, talvez desde sua chegada ao espaço escolar.

Rumberger (2004), um dos mais importantes pesquisadores desse tema nos Estados Unidos, denota que o entendimento das causas da evasão é uma necessidade para encontrar soluções para esse problema. Entretanto, as possíveis causas da evasão são bastante difíceis de serem identificadas pois, de modo semelhante a outros processos vinculados ao desempenho escolar, a evasão é influenciada por uma gama de fatores que se relacionam tanto ao estudante, como à sua família, à escola, e até mesmo à comunidade em que vive.

Os estudos da área se dividem entre os que citam fatores externos à escola como responsáveis pelo desinteresse e posterior abandono de seus alunos, e os que culpam a própria escola pela ocorrência desse fato, que não é característico de uma região específica, mas que pode ser verifificado em diversos países dos mais aos menos desenvolvidos. Entre os estudos brasileiros que citam fatores externos à escola os motivos se concentram majoritariamente nas circunstâncias familiares do estudante, envolvendo fatores como nível de escolaridade dos pais, renda familiar e estrutura da família (Dore & Lüscher, 2011). O sociólogo francês Bourdieu (1998), que fez muitos estudos em seu país, corrobora a afirmação anterior e também explicita fatores internos, citando que a escola da forma como existe tem servido de instrumento de dominação, reprodução e manutenção dos interesses da classe burguesa, e além disso a escola não leva em consideração o capital cultural de cada aluno individualmente, mas seus currículos e padrões vigentes estão mais próximos apenas das culturas vivenciadas pelas classes média e alta, dificultando o sucesso escolar dos estudantes pertencentes a outras classes. O brasileiro

Paulo Freire (1981, p. 73) reflete ainda que “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de forma crítica”.

Considerando que a escola pode influenciar diretamente para modificar esses fatores internos, e que pode também (amparada em seu diversificado corpo de funcionários docentes e não docentes) interferir positivamente de forma a amenizar os impactos dos fatores externos, a utilização de estratégias que fortaleçam o vínculo escolar dos estudantes são alternativas úteis a serem utilizadas no contexto escolar e que podem trazer bons resultados para a escola contemporânea, a qual necessita muito mais de diálogos do que de embates.