• Nenhum resultado encontrado

I. OS JOVENS, O CONSUMO E A IDENTIDADE:

2.8. A juventude: o que é ser jovem?

Não é consensual a delimitação da fase juvenil dos indivíduos50 (Roberts, 1985; Sampaio, 2002; Sampaio et al., 2000/2001). Todavia, segundo Campos (2010), a idade serve apenas para ordenar a realidade, dado que o critério etário é insuficiente para a classificação da juventude como uma categoria social. Machado e Almeida (1996) concordam, afirmando ser mais correcto que a noção de jovem recubra uma pluralidade de circunstâncias sociais específicas que decorrem, por um lado, das condições herdadas da família de origem, e, por outro, das trajectórias societais dos próprios indivíduos, em detrimento de uma delimitação puramente etária. Pais (2009) corrobora esta perspectiva, argumentando que estudos recentes sobre os ciclos de vida dos sujeitos “(...) têm mostrado um claro esbatimento das fronteiras que separam as diferentes gerações, de tal modo que já há referências a gerações de fronteira ou gerações sanduíche, como é o caso da que é constituída por jovens adultos51” (Pais, 2009: 372). Como consequência, “(...) hoje pode ser-se jovem aos 29 anos ou mais” (Pais, 2009: 373).

Diversas são as definições que se centram em torno da juventude, percepcionada como: - uma etapa que se inicia com a puberdade e termina na idade adulta (Roberts, 1985; Sampaio et al., 2000/2001; Sampaio, 2002);

- uma condição social transitória que decorre entre o final da dependência da adolescência e o acesso à autonomia da fase adulta, correspondendo ao intervalo que separa a maturidade física da societal (Cruz et al., 1984; Conde, 1990; Lury, 1996; Illeris, 2003; Chan, 2008);

- um processo de passagem definido, maioritariamente, em relação a uma dupla inserção social: profissional (término da escolaridade) e conjugal (autonomia económica e residencial face à família). Aliás, o emprego, a família e a escola são três domínios que, supostamente, balizam a entrada na vida adulta, em que a combinação de três tipologias permitem descortinar esta transição: familiar, residencial e ocupacional (Schmidt, 1989; Guerreiro, 1998; Ferreira, 2003b). Lahire (2006) defende que o período da adolescência só pode ser compreendido no cruzamento de três tipos de coações específicas: da escola, dos pais e dos grupos de pares, afirmando: “A “juventude”, portanto, não é apenas uma palavra, mas uma condição de existência e de coexistência sob uma tripla imposição (…)” (Lahire, 2006: 425).

50

Isambert-Jamat (1966) defende que, do ponto de vista sociológico, trata-se de um ‘período de vida’ e não de uma ‘fase de desenvolvimento’.

65

Importa frisar que a obtenção da maioridade depende do reconhecimento social, que, por sua vez, se encontra sujeito ao cumprimento de alguns critérios de validação, tais como, o matrimónio, a maternidade/paternidade, um emprego remunerado e uma vida independente e estável52 (Blatterer, 2010). Ora, assiste-se a uma cada vez mais prolongada transição para a idade adulta, fenómeno observado praticamente em todas as sociedades europeias, reflexo do maior tempo dedicado à escolaridade (nomeadamente a apetência pelo ensino superior), que gera um tardio ingresso na esfera laboral53, e do casamento e maternidade/paternidade tardios. Como consequência, existe um adiamento da entrada na vida activa (Cavalli, 1999; Schwartz et al., 2005; Santos 2007; Ribeiro, 2010).

Estes factores conduzem a que os jovens permaneçam mais tempo dentro do agregado familiar, o que torna a situação juvenil paradoxal: por um lado, a juventude é cada vez mais dependente dos pais, economica e socialmente, enquanto, por outro, atingem, precocemente, a maturidade sexual (Boëthius, 1995a; Ribeiro, 2010). Para esta tendência também há que ter em conta o enfraquecimento da autoridade parental e a autonomia usufruída no seio familiar: “The democratisation of parent-child relationship has had the effect of reducing the conflict among generations and has therefore reduced the need to find one’s own autonomy by getting out of the family” (Cavalli, 1996: 182), para além da liberdade e da ausência de responsabilidades que são associadas à juventude: “The value placed on youth as the ‘golden age’ in life, the image of youth as a phase of freedom without responsibilities, the idea that to become adult means ‘to settle down’, all this makes it less attractive for young people to enter adulthood” (Cavalli, 1996: 181). Todos estes elementos contribuem para o protelamento da fase juvenil no ciclo de vida dos indivíduos (Cavalli, 1999; Schwartz et al., 2005; Santos, 2007), emergindo, por isso, um novo e distinto período que se situa entre a adolescência e a fase adulta, denominado: “(...) emerging adulthood (..)” (Schwartz et al., 2005: 202);

- a época mais sociável da vida do indivíduo. De facto, a convivialidade apresenta extrema importância para a juventude, surgindo como o epicentro na organização da sua vida social. Eventualmente por esse motivo, Lund (2009), cujo estudo pretendia explorar o conceito de auto-consciência em jovens, cuja timidez era considerada um problema emocional e

52

Já nas sociedades primitivas, a passagem da infância para a fase adulta fazia-se num ritmo diferente, pois quando a criança atingia a puberdade tinha de passar por rituais de iniciação, cujo objectivo era mostrar que o indivíduo possuía maturidade suficiente para assumir as responsabilidades da vida adulta (Santos, 2007).

53

O trabalho infantil e adolescente, tão frequente nas sociedades rurais, continua presente nas regiões menos desenvolvidas, mas trata-se de um fenómeno cada vez mais marginal (Cavalli, 1996).

66

comportamental na escola, indica que os participantes da sua pesquisa, que adoptavam comportamentos como: “(...) ‘looking down’ and ‘walking away’ (...)” (Lund, 2009: 393), se auto-percepcionarem como pessoas inadequadas (Lund, 2009).

Apesar de a relevância da amizade não se confinar à juventude, esta aparenta atingir o seu apogeu durante esse período (Coleman, 1961; Bidart, 1988; Conde, 1990; Miles, 2000; Neuenschwander, 2002; Pais e Blass, 2004; Buhrmester e Chong, 2009). A valorização máxima do convívio com os amigos ocorre antes dos 18 anos, assegura Gomes (2003), enquanto Dias e Lopes (1996) e Lopes (1996) especificam: a amizade ganha relevo particularmente na população estudantil entre os 14 e os 16 anos54 (Dias e Lopes, 1996; Lopes, 1996). Evidenciam-se os contactos extra-familiares, constatando-se, ainda, um distanciamento parental. Aliás, os jovens procuram formar uma identidade distinta dos seus pai. A tensão entre o estatuto de dependência e o desejo de independência caracteriza a juventude (Boëthius, 1995b; Lahire, 2006; Padilla-Walker, 2006). Esta ambivalência tem repercussões nas orientações e dilemas juvenis que estão na base do desenvolvimento de uma identidade conformista ou desviante55 (Ferreira, 2000);

- um período de adaptação, transição e mudança, em que ocorrem transformações sexuais, cognitivas e sociais, modificações que marcam quatro esferas do desenvolvimento do indivíduo: o corpo, o pensamento, a vida social e a representação de si (construção identitária). É devido a estas mutações que se considera tratar-se de uma etapa, de alguma forma, instável, inquieta e conturbada (Bandura, 1971; Reimer, 1995b; Feixa, 1999; Sousa, 2000; Neuenschwander, 2002), daí a expressão utilizada, e reforçada pelos media, para caracterizar a adolescência: storm and stress (Claes, 1985; Roberts, 1985). É que qualquer mudança implica “(...) an excursion into the unknown. It implies a commitment to future events that are not entirely predictable and to their consequences, and inevitably provokes doubt and anxiety” (Lyth, 2005: 172);

- um estádio em que o indivíduo se encontra em construção, em que se opera a maturação pessoal e a consolidação dos parâmetros de filosofia de vida e as atitudes e motivações são determinadas por vectores como a auto-estima e a aceitação social. Revela-se uma necessidade psicosocial de pertença e de aprovação pelos outros (Pinto, 1995; Wilson e MacGillivray: 1998; Santos, 2004);

54

Após este período, a preponderância da sociabilidade decresce. É que, à medida que o indivíduo vai adquirindo características da condição de adulto (como o casamento ou o trabalho), os amigos vão perdendo o lugar privilegiado de outrora (Bidart, 1988; Ferreira, 1993; Pais, 1996b);

55

67

- uma fase marcada pela agitação, pela irreverência, pelo inconformismo e, por esse motivo, vulnerável ao desvio, daí que os jovens sejam encarados como indivíduos irresponsáveis, rebeldes, imprevisíveis e egocêntricos, mas também modernos, fortes e vivazes (Ferreira, 2000; Blatterer, 2010).

Apesar de todos estes traços comuns serem associados à juventude, não existe uma, mas muitas juventudes, com dinâmicas flutuantes, flexíveis e diversificadas, consoante os vários cenários de interacção. Múltiplos contextos sociais potenciam a desigualdade da experiência de ser jovem, envolvendo processos societais e culturais que podem ser, inclusive, contrastantes. A dissimilitude impera (Nunes, 1968; Pais, 1990a, 1990b; Machado e Almeida, 1996; Nunes, 2007; Esteves e Abramovay, 2008; Campos, 2010). Lopes (1995, 1996) afirma que acreditar na homogeneidade da condição juvenil é ilusório. Ainda que salvaguarde a existência de práticas generalizadas e transversais à juventude, o autor salienta que "(...) essas semelhanças apenas existem à superfície (...)” (Lopes, 1996: 44), acrescentando: “(...) o interessante de uma análise sociológica consistirá, precisamente, em analisar a génese e o ‘funcionamento’ dessa constelação de diferenças que tais práticas ocultam" (Lopes, 1996: 44). Lopes conclui: “ (...) mesmo tendo em conta (...) a existência de terrenos comuns (...) nada parece ser suficiente para a formação (...) de uma identidade colectiva (...)” (Lopes, 1996: 178).

68