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I. OS JOVENS, O CONSUMO E A IDENTIDADE:

3. O vestuário e o calçado, as marcas e a publicidade.

4.1. O modelo de análise

Tal como já mencionado no capítulo introdutório, a presente investigação tem como objectivo central compreender qual o lugar que o consumo de marcas de vestuário e de calçado ocupará na construção identitária juvenil. Procuramos aferir, igualmente, se existem variabilidades e intensidades desiguais nas práticas e nas representações de consumo e qual o peso da classe social de origem e do género nessas dinâmicas de consumo. É que, tendo em conta o objecto e o objectivo do presente estudo, classe e género apresentam-se como as variáveis independentes mais pertinentes, tal como indicia a revisão bibliográfica efectuada. É importante avaliar o impacto do género, pois estudos anteriores apontam diferenças na forma como os rapazes e as raparigas encaram a aparência, o consumo, as marcas, o vestuário e o calçado (Campbell, 1997; Gomes, 2003; Santos, 2004; Cardoso, 2005a; Leite, 2008) e é igualmente relevante conhecer a filiação social dos participantes, isto é, a respectiva pertença de classe, dada a influência que exerce sobre a identidade, o consumo de bens e de marcas e o sistema de valores ao qual os jovens aderem (Schmidt, 1989; Fonseca, 2007; Cruz, 2009; Silva, 2009; Ribeiro, 2008, 2010). De resto, o consumo tem sido, desde os primórdios da sua abordagem pela sociologia, parte integrante da análise das classes sociais. (Ribeiro, 2010).

Para a análise das origens de classe dos estudantes, utilizaram-se indicadores socio- -profissionais96 e socio-educacionais97, ambos fundamentais nas análises de classes98

(Machado et al., 2003). Costa et al. (2000) ressaltam a imbricação destas duas dimensões,

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Os indicadores socio-profissionais são a profissão actual ou a última e a situação na profissão: trabalhador por conta de outrem, trabalhador por conta própria ou empregador/patrão (Machado et al., 2003). Também Costa (2008), na sua tese de doutoramento, recorreu a esta tipologia (patrões, trabalhadores por conta própria e trabalhadores por conta de outrem).

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Os indicadores socio-educacionais são os capitais escolares da família de origem, segundo um critério de dominância: grau de ensino mais elevado do pai e da mãe dos inquiridos (Machado et al., 2003).

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Na formação das relações de classe intervêm a constituição de lugares de classe (socio- profissionais) e de classes de agentes (socio-educacionais) (Costa et al., 2000).

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consideradas altamente estruturantes das relações de classe actuais. Recorremos à tipologia multidimensional ACM99, socorrendo-nos das duas matrizes: uma com o algoritmo de construção das categorias individuais de classe, a partir das variáveis ‘profissão’ e ‘situação na profissão’, sendo a partir dessa combinação que resulta uma matriz de sete lugares de classe e fracções de classe; outra com o algoritmo de construção das categorias de classe para os grupos domésticos100 (Machado et al., 2003).

Por outro lado, pretendemos complementar a investigação, verificando qual o eventual realce que a publicidade poderá assumir na escolha das marcas de vestuário e de calçado, uma vez que algumas pesquisas indicam que a juventude é particularmente susceptível ao discurso publicitário, nomeadamente enquanto fonte informativa para as práticas de consumo, podendo ser determinante na aquisição de vestuário, para além de imprimir significados sociais nas marcas, atribuindo-lhes um carácter simbólico, com o intuito de conduzir à respectiva compra (Cardoso et al., 2005c; Pereira et al., 2005; Perse, 2006; Bonifield e Cole, 2007; O’Guinn, 2007). A identidade, o consumo e a publicidade encontram-se associados (Crymble, 2012).

Verifiquemos a esquematização do nosso modelo de análise (Figura 1.4.):

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A sigla resulta das iniciais de (João Ferreira de) Almeida, (António Firmino da) Costa e (Fernando Luís) Machado, os investigadores principais deste modelo de operacionalização da estrutura de classes para a sociedade portuguesa (Roldão, 2008).

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Figura 1.4. O modelo de análise

X Y V.I. V.I. V.D. V.D. Z V.D.

X Hipóteses que relacionam o género e o consumo (práticas e representações); Y hipóteses que relacionam a origem social e o consumo (práticas e representações);

Z hipóteses que relacionam o consumo, face às marcas de vestuário e de calçado, com a construção identitária juvenil.

Origem social

Classe social de origem

Género

Feminino / Masculino

O consumo juvenil

face às marcas

de vestuário e de calçado:

 práticas

(comportamentos, aquisições, padrões de compra);

 representações

(valorização, importância).

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4.1.1. Levantamento das hipóteses de investigação

Com base neste modelo de análise, colocámos as seguintes hipóteses, decorrentes da perspectiva teórica atrás descrita:

Quadro 1.4. Hipóteses de investigação

No que concerne à primeira hipótese, esta vai ser explorada em torno de dois conceitos centrais da nossa investigação: o consumo (de marcas de vestuário e de calçado) e a identidade. Tal como verificámos no segundo e terceiro capítulos, são inúmeros os autores que referem que o consumo de marcas de vestuário e de calçado ocupam um lugar nevrálgico na construção identitária juvenil, tal como Galhardo (2006); Chan (2008) ou Campos (2010). Assim, agregámos as perguntas do inquérito por questionário que nos permitiam analisar esta primeira dimensão: qual o peso destas marcas na auto-definição do indivíduo, na exibição da sua individualidade e na formação da imagem detida pelo sujeito junto dos outros, mas também num processo de (re)construção identitária, ajudando o indivíduo a tornar-se na

Hipótese Tipo de hipótese

Hipótese 1: Existe uma relação entre o consumo de marcas de vestuário e de calçado e a construção identitária juvenil;

Hipótese central;

Hipótese 2: Existe uma relação entre a origem social e o

consumo de marcas de vestuário e de calçado; Sub-hipótese relacional; Hipótese 3: Existe uma relação entre o género e o

consumo de marcas de vestuário e de calçado; Sub-hipótese relacional; Hipótese 4: Existe uma propensão juvenil para o

consumo; Sub-hipótese descritiva;

Hipótese 5: O vestuário e o calçado são a despesa onde

os jovens gastam mais dinheiro; Sub-hipótese descritiva; Hipótese 6: As marcas de vestuário e de calçado são

importantes na vida quotidiana dos indivíduos; Sub-hipótese descritiva; Hipótese 7: A publicidade influencia as escolhas juvenis,

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pessoa que pretende ser. A literatura abordada ao longo da presente investigação faz referência a este duplo uso. Se os sujeitos preferem os bens com os quais se identificam, optam, igualmente, por objectos que lhes possibilitem alcançar a identidade almejada. Ora, o vestuário e o calçado constituem um dos elementos centrais a ter em conta nos juízos de valor que o indivíduo opera sobre si próprio e nos que lhe são atribuídos. Os outros desempenham uma função relevante nesta problemática, uma vez que o que a pessoa consome não é independente do contexto em que se dão as relações estabelecidas com os que a rodeiam, principalmente a juventude, a qual se apresenta como particularmente sensível à conciliação da auto-imagem com as hetero-imagens. É na adolescência que o sujeito se dedica à experimentação de papéis, descobrindo quem é e quem desejaria ser.

Quanto às hipóteses relacionais, estas vão ser medidas, como vimos, a partir da classe social de origem e do género da população em estudo. As duas hipóteses decorrem da teoria que dá conta da existência de uma diferença na forma como os rapazes e as raparigas encaram as dinâmicas de consumo, assim como os indivíduos oriundos de diferentes classes sociais, tal como referido anteriormente. É com base nestas duas componentes que exploramos a diversidade na maneira como os jovens vivenciam estas questões. No que diz respeito, especificamente ao vestuário e ao calçado, a valorização da indumentária, tendo em conta a classe social dos indivíduos, não é uma temática consensual. Diversos estudos chegam a conclusões completamente díspares. Se algumas pesquisas relatam o predomínio da vestimenta junto dos sujeitos pertencentes às classes menos bem posicionadas na estrutura social, outras investigações verificam que a importância atribuída ao vestuário aumenta nas classes sociais melhores posicionadas na escala hierárquica, porém, também existem estudos que não detectaram qualquer diferenciação, concluindo tratar-se de uma relevância transversal a diversos estratos sociais. Já no que toca a uma suposta predilecção feminina por este sector, tal suposição gera uma maior concordância, tal como temos vindo a dar conta, através do enquadramento teórico. Segundo Deutsch e Theodorou (2010), as práticas de consumo podem ser usadas para marcar uma identidade de género, enquanto, simultaneamente, podem ser utilizadas como uma ferramenta para mascarar, marcar e ultrapassar as delimitações classistas, com o intuito de aceder a um estatuto e poder superiores.

Por último, surgem as hipóteses descritivas. Para a operacionalização do consumo, partimos de duas dimensões, as representações e as práticas de consumo, as quais serão aferidas a partir de um conjunto de indicadores incluídos no inquérito por questionário. As representações de consumo juvenis presentes na nossa investigação incidem, sobretudo, sobre a importância das marcas de vestuário e de calçado e da publicidade. Esta dimensão abarca a

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eventual preponderância detida pela marca na vida quotidiana dos indivíduos, ao permitir, por um lado, obter auto-confiança, admiração/respeito e, por outro, contribuir para a inclusão e a exclusão dos sujeitos. Estão em causa as sensações que as marcas poderão despoletar não só no próprio utilizador, mas também nas restantes pessoas que o rodeiam. A revisão bibliográfica da literatura, realizada ao longo dos capítulos dois e três, permitiu perceber estas dinâmicas, decorrentes em contexto juvenil, e que demonstram ser de extrema relevância: a aprovação pelos outros e o sentimento de pertença apresentam-se como centrais para a juventude. A posse de bens e de marcas conhecidas têm implicações ao nível da auto- avaliação e da auto-estima dos indivíduos, sendo importantes, enquanto referencial identitário, mediante a imagem que se quer passar aos outros. Incluímos ainda questões que possibilitam medir a relevância da marca nos processos de consumo juvenis. Por outro lado, procuramos saber se a publicidade influencia, ou não, as escolhas juvenis, neste sector. Para o efeito, almejamos conhecer se é frequente estarem atentos aos anúncios publicitários de marcas de vestuário e de calçado; se a publicidade os auxilia a saber as marcas que estão na moda; se os ajuda a escolher as marcas adquiridas e se é considerada um factor influenciador num processo de decisão de compra. Desta forma, percebemos qual o papel desempenhado pela publicidade no processo aquisitivo de vestuário e de calçado.

No que às práticas de consumo diz respeito, com a inclusão das perguntas que abordam esta dimensão seremos capazes de verificar a eventual existência de uma propensão dos jovens para o consumo, inclusive nos mercados da contrafacção, e de caracterizar os padrões de consumo de vestuário e de calçado, relativamente à respectiva peridiocidade; motivação; gastos; factores influenciadores; fidelidade à marca; as marcas de que mais gostam e a capacidade para listar marcas. As pesquisas já efectuadas, e destacadas no decorrer do presente trabalho, demonstram que a felicidade e o hedonismo encontram-se associados ao consumo; o recorrente acesso ao mercado da contrafacção; a prevalência da aquisição mensal; o destaque dado às roupas na despesa juvenil; a influência da publicidade, da marca, dos amigos, da qualidade e do preço na compra de vestuário e de calçado; o conhecimento e o interesse por este mercado e a preferência pelas marcas desportivas. Quanto ao vector fidelidade, optámos por incluir esta vertente por pretendermos descortinar se a importância atribuída a estas marcas se reflectirá na fidelidade estabelecida com as mesmas ou se serão processos autónomos. É possível estabelecerem-se relações de pertença, de cumplicidade e laços emocionais e psicológicos com as marcas.

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