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I. OS JOVENS, O CONSUMO E A IDENTIDADE:

3. O vestuário e o calçado, as marcas e a publicidade.

3.3. A marca enquanto activo simbólico

Apesar de as marcas sempre terem tido um importante papel no comércio, é somente no século XX que se tornam centrais na dinâmica comercial, detendo, com o crescimento do mercado, um poder emergente. A evolução do conceito de marca surge associada ao desenvolvimento do marketing, ao longo dos anos 1950, o qual procurava conhecer melhor as formas de influenciar os consumidores. É a partir dessa década que se descobre o potencial das marcas como forma de apelar ao consumo, atribuindo-lhes características intangíveis, valores, sentimentos e afectos. Actualmente, as marcas ocupam um lugar privilegiado no mercado, sendo encaradas como um activo empresarial (Aaker, 1991; Ruão, 2003; Leão et al., 2011). Na opinião de Kapferer (2000), estas são o principal capital das empresas, que acabam por reconhecer que o verdadeiro valor residia no seu exterior: na mente dos consumidores.

De acordo com o autor, torna-se imperativo operar uma distinção entre dois conceitos: “(...) o produto é aquilo que a empresa fabrica, a marca é aquilo que o cliente compra” (Kapferer, 2000: 8). Sendo os pertences perenes, as marcas são intemporais, ultrapassando a materialidade dos produtos, ao construirem núcleos de valor acrescentado, injectando-lhes um carácter simbólico. Daí que as empresas valham pelas suas marcas. Assim, a marca, única e irrepetível, identifica e diferencia a oferenda; traduz a unicidade da oferta; atribui uma identidade ao bem e potencia a criação de laços de pertença com os consumidores (Brochand et al., 1999; Kapferer, 2000; Pina, 2006; Veríssimo, 2008). Na já referida investigação, Pina (2006) detectara, relativamente ao consumo de marcas, uma sobreposição do valor-símbolo ao valor-função, particularmente visível nas marcas de eleição, as apelidadas de love brands, cúmplices dos seus portadores, e com as quais se estabelecem vínculos psicológicos emotivos: “As relações que os indivíduos mantêm com as marcas de consumo da sua preferência não são apenas funcionais, no sentido utilitário ou comercial, mas são sobretudo de natureza emocional e simbolicamente significantes” (Pina, 2006: 96).

Ruiz (2005) assegura que tanto a competitividade empresarial, como a maior exigência dos consumidores, têm induzido a uma procura crescente de relações mais pessoais entre marcas e clientes, os quais detêm cada vez mais poder80: “El objetivo de esta estrategia (...) es teñir de afecto, de sensaciones emocionales positivas, la relación con la empresa y muy especialmente con sus marcas” (Ruiz, 2005: 259). O autor realça a existência de estudos

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Este poder poderá manifestar-se, por exemplo, através das associações de defesa dos consumidores (Ruiz, 2005).

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recentes que frisam a importância das designadas comunidades de marca81, que são grupos sociais, cujos membros partilham a lealdade a uma determinada marca. Este vínculo engloba o envolvimento com os valores e as atitudes encarnados pela marca. Mas não só: “Esta implicación une a los usuarios no sólo con la marca, sino también entre sí, según lazos de una solidaridad propia de quienes se reconocen como semejantes. Es el caso de los grupos de ‘moteros’ de Harley-Davidson, de amantes de Macintosh (...)” (Ruiz, 2005: 259). O autor

explica porquê, dando, para o efeito, um exemplo concreto: “Los usuarios de Harley- -Davidson viven su motocicleta como un estilo de vida más que como un simple medio de

transporte (Ruiz, 2005: 259-260). Daí que “Cambiar de marca supondría algo así como una traición a un estilo de vida compartido” (Ruiz, 2005: 260).

Ruiz (2005) identifica algumas acções que as marcas poderão desencadear, visando a facilitação e o apoio à formação destas comunidades, tendo sempre presente que são estruturas que deverão comunicar e interagir com os consumidores: marketing social (associar a marca a uma causa): “(...) como el patrocinio de actividades ecológicas, de asociaciones de discapacitados, de enfermos incurables o para la acogida de niños sin hogar (...)” (Ruiz, 2005: 267); organização de eventos para os clientes, que, ao participarem nestas actividades, poderão nutrir sentimentos de dívida e de agradecimento para com a marca, o que acabará por reforçar a relação entre ambos, para além de outros benefícios: “En primer lugar, personaliza la relación entre la empresa y el consumidor. El trato con los empleados de la compañía a lo largo de los días que dura el evento humaniza su imagen: la empresa deja de ser un logotipo y un anuncio (...)” (Ruiz, 2005: 268) e a comunicação on-line, a qual oferece inúmeras vantagens:

“(...) facilita un espacio de intercambio de intereses abierto simultáneamente a una gran cantidad de personas; permite el protagonismo de muchas más personas que la interacción cara a cara; proporciona la ocasión de establecer relaciones sociales nuevas con personas distintas del propio círculo habitual; y, si está bien organizada, transmite la sensación de ser un lugar donde se respetan reglas y códigos de conducta” (Ruiz, 2005: 269).

As marcas, enquanto entidades significantes e representações colectivas, comunicam. Os consumidores expressam-se de uma forma não verbal, tendo em conta a simbologia intangível das mesmas. É nesse significado que transportam que reside o seu poder. De facto, é frequente imprimirem-se significados sociais nas marcas, com o intuito de conduzir à

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Apesar de estas comunidades se poderem formar em torno de qualquer produto, é mais provável que surjam associadas a bens que se consumam na esfera pública e a marcas com uma imagem forte no mercado e uma história longa no tempo (Ruiz, 2005).

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respectiva adquirição (Arthur et al., 2006; Galhardo, 2006; Pina, 2006; O’Guinn, 2007), pelo que há uma necessidade de “(…) criar uma imagem de marca que se ajuste às imagens que os consumidores querem veicular com a sua posse, uma vez que o consumo se tornou uma das dimensões mais importantes para a construção do Self social das pessoas” (Pereira e Veríssimo, 2004: 29). É nesse sentido que as marcas são entendidas como um recurso simbólico. Já em 1973, Guiraud afirmava que as marcas adquiriram “(…) une valeur sémiologique très importante dans la commercialisation moderne” (Guiraud, 1973: 102), dado que “Le commerce vend des symboles“ (Guiraud, 1973: 120). Portanto, as marcas devem ser encaradas como negociantes de significações e não como produtoras de produtos (Naomi Klein, citada por Veríssimo, 2008; Leão et al., 2011), os quais “Nunca mais seriam simplesmente fatos de treino, automóveis ou gelados. Eram comunicadores. Tinham valores, identidade e proeminência incorporados. Agora eram Nike, Mercedes e Haagen-Dazs” (Robinson, 1999: 50).

Aliás, já tínhamos visto, no sub-capítulo 2.5 da presente tese, na página 43, que os bens possuem uma dimensão simbólica. Ora, o desenvolvimento de todo esse processo foi obtido graças às marcas: “No es lo mismo llevar unas gafas para proteger los ojos de la luz que llevar unas gafas de sol diseñadas por Gucci. Con éstas el usuario no sólo resguarda sus ojos: también muestra a los demás y a sí mismo una imagen cargada de significado” (Ruiz, 2005: 266); “As malas nunca mais serviriam para transportar a bagagem, seriam cobertas com as iniciais do seu desenhador para que o mundo inteiro visse como éramos bem sucedidos e, pelo menos em teoria, nos tratasse em conformidade” (Robinson, 1999: 48). É devido ao activo simbólico das marcas que estas intervêm no processo identitário dos indivíduos, tal como sugerem Ruiz (2005), Belk (2008) e Cruz (2009). Dittmar (2008) e Schembri et al. (2010) fornecem dois exemplos específicos: “The thought “My Rolex watch means that I am a successful person” could be an example within consumer culture, a Rolex watch is seen as a symbol of wealth and success (…)” (Dittmar, 2008: 18);

“The family man who bought a Ford, but drove a BMW during business hours, illustrates the symbolic interrelationship between the object and the sign. While the BMW portrayed him as successful and wealthy, the Ford was an affordable family car. This shows that he deliberately used the BMW as a symbol of success, whereas the Ford was symbolic of his family orientation” (Schembri et al, 2010: 631-632).

A construção identitária não apresenta extrema importância somente para os indivíduos, mas também para as marcas, conforme realça Aaker (1996), assinalando similitudes: providenciam uma direcção, um propósito e um sentido. A identidade de uma marca é um

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conceito de emissão, composto por “(...) aquilo que, através da multiplicidade dos sinais, das mensagens, dos produtos, surge como oriundo de um único emissor” (Kapferer, 2000: 30) e representa a forma como os estrategas pretendem que a marca seja percebida. Já por sua vez, a imagem da marca82 é um conceito de recepção, pois abrange um conjunto de percepções, sendo o resultado de uma leitura, de um processo de descodificação, de um mecanismo de extracção de significações e representa a forma como a marca é, de facto, percepcionada (Kapferer, 2000).

Aliás, segundo Smothers (1993), é recorrente equiparar as marcas às pessoas, sendo uma analogia amplamente utilizada, pelo facto de ambas deterem uma identidade e uma imagem. Para Cruz, as marcas são “(...) verdadeiros híbridos sociais, quase objectos e quase sujeitos (...)” (Cruz, 2009: 19). Smothers (1993) argumenta existirem marcas e produtos que, inclusive, possuem carisma, entendido como a capacidade de gerar motivação e envolvimento, para além do expectável, por mais corriqueiros que possam ser os objectos em causa. Woodside et al. (2008) referem que há marcas que são encaradas como ícones arquétipos.

Todos estes factores fazem com que Schembri et al. (2010), tal como nós, reconheçam que o consumo de marcas é um “(...) phenomenon worthy of investigation (...)” (Schembri et al., 2010: 623). Nesta dinâmica simbólica, a publicidade apresenta uma importância incontornável: “These symbolic meanings are highly profiled in advertising, a central element of consumer culture (...)” (Ashikali e Dittmar, 2012: 515).

Urge, pois, e tendo em conta a ligação existente entre o cariz simbólico das marcas e o discurso publicitário, tecer algumas considerações sobre a publicidade na contemporaneidade.

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Para além da imagem da marca, que permite avaliar como esta é conhecida, um outro vector principal intervém no processo de selecção de marcas: a notoriedade (mede o nível de recordação da marca, possibilitando concluir se esta é, ou não, conhecida) (Brochand et al., 1999).

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