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OS CAMINHOS DA PESQ UISA

3 JUVENTUDE: NOVOS CONTROLES EM CENA

3.4 JUVENTUDE E RISCO SOCIAL

“O desafio é sobreviver: Sobreviver à polícia, Sobreviver ao seu irmão, Sobreviver ao subemprego, Ao desemprego,

Ao crime e ao castigo,

Sobreviver às caixas de surpresa, Projetos, programas, ONGs e sonsos. Cadeias!

As formações e deformações, Pesquisas e formulações, Somos apenas especulações E dados estatísticos.

Números,

Para políticas e funerais indigentes. Sobreviver aos valores e moral burguesa Sobreviver ao mercado:

Ter para ser E não ser para ser. Somos ativos e subjetivos,

Alguém, gente.

Fortes, combativos, combatentes, revolucionários. PRESENTE. Como sobreviver?

Saúde, cultura e educação. Está tudo privatizado. O capitalismo não contente Agora quer privatizar

A soberania de nossa gente.”

(PANDORA)

O hip-hop tem sido utilizado por diferentes políticas governamentais para instituir ações voltadas à minimização da situação de risco social, por meio de oficinas de grafite, de dança, entre outras atividades, visando à reintegração de jovens considerados como excluídos sociais. Não é demais ressaltar que essa noção de risco social é controversa e tem sido utilizada para justificar políticas governamentais que visem à redução dos perigos de envolvimento dos jovens mais pobres com o crime, o tráfico e o consumo de drogas, entre outros. Considerando que os jovens moradores das periferias caracterizam-se por uma espécie de “vulnerabilidade social” em função de sua convivência próxima com ameaças e/ou ações de violência, programas e políticas governamentais pautam-se, muitas vezes, em concepções estereotipadas em referência à juventude e à pobreza. Nesse caminho, a condição de ser jovem é, por vezes, reduzida a uma suposta natureza transgressora que deve ser controlada em nome da paz na cidade.

Ao associar as noções de juventude e de risco social, colocam-se na penumbra as experiências desses sujeitos, seus modos de vida inventados no cotidiano, suas formas de expressão. O que ganha relevo é o caráter salvacionista de muitos dos projetos (governamentais e/ou comunitários), acreditando-se que, por meio da expressão cultural, da inserção do jovem em movimentos culturais, como o hip-hop, será possível “mudar a vida dos sujeitos”, resgatando-os de uma suposta periculosidade. Mas que vida é essa que se pretende alterada? Quais modelos de

vida são almejados? Quais contágios se busca evitar? Quais efeitos a conexão pobreza e risco social tem produzido?

Na acepção comum, risco social diz respeito à probabilidade de fatalidades acontecerem com determinado grupo, em função de acidentes aos quais pode estar exposto, e abarca ainda situações de incerteza ou perigo. Alguns elementos, tais como condição social, desemprego, “disfuncionalidade” familiar, proximidade com práticas consideradas ilícitas e/ou violentas, têm sido utilizados como indicadores para determinar o grau de risco social de um determinado grupo ou parcela da sociedade. Ou seja, ser considerado como pertencente a um grupo de risco significa compreender o sujeito em uma condição de perigo ou ameaça a si mesmo, a outrem ou à própria sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD), embora não defina detalhadamente o que compõe uma situação de risco, indica que práticas de negligência, abandono, violência, exploração se constituem como situações que expressam uma situação de risco e que demandam políticas públicas voltadas à proteção desses sujeitos.

Segundo Spink e Spink (2001, p. 1.281), a noção de risco pode ser compreendida como um fenômeno da modernidade tardia que se compõe como uma forma de governo das populações, em que “[...] passamos do foco na gestão da vida para o foco na gestão do risco.” O que parece estar em jogo são mecanismos sutis de controle que, entre outros dispositivos, atuam por meio da desqualificação dos modos de vida dos sujeitos mais pobres da população brasileira e da infantilização e tutela da juventude, disciplinando tais grupos com base em modelos universalizantes em relação ao que seria uma boa família, uma vida estruturada e saudável, um trabalho decente e seguro, um cidadão honrado e responsável. Nessas

circunstâncias, talvez seja pertinente indagar: Por que a juventude tem sido considerada uma condição de risco? Risco de quê, de quem e para quem?

A noção de risco tem-se constituído como uma forma de governo do outro, de prevenção de desvios, de moralização dos modos de vida que escapam às regras instituídas, de normalização das condutas. Com Figa (1998, p. 90), podemos entender que os grupos de risco são compostos “[...] daqueles que escapam do quotidiano, do comum, do normal [...], daqueles que fogem da acolhida institucional, que se atrevem a ser diferentes, a sobreviver na diferença”. Assim, poderíamos dizer que a juventude passa a ser vista como uma ameaça, um perigo, por sua “condição” de indeterminação, por ser um momento da vida considerado (de forma naturalizada) como marcado pela incerteza, pelo imponderável. Nesse caminho, controlar os riscos pode significar controlar o que é aleatório. Se a juventude pode ser pensada mais como processo do que como uma suposta natureza e etapa da vida, seu caráter contingencial e, portanto, imprevisível, desafia, permanentemente, os mecanismos de controle e de ordenação da vida. Aí, de fato, os jovens em situação de risco social podem ser uma ameaça à perpetuação de uma lógica hegemônica que os exclui, incluindo-os na noção de perigo iminente (FOUCAULT, 1999). Sua potência de estranhar os modos de vida naturalizados é ameaça que demanda controles os mais diversos. Guareschi e outros contribuem para esse debate, afirmando:

O conceito de risco articula-se a marcadores, tais como comportamento e populações específicas. Essa estratégia individualiza certa condição de saúde/doença e a coloca na esteira de ações em termos de segurança e moralidade, ou seja, envolve formas de governabilidade das populações por meio de biopolíticas centradas em marcadores identitários (GUARESCHI et al., 2007).