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OS ARRANJOS: MODO DE FUNCIONAMENTO DO HIP-HOP, SEUS

OS CAMINHOS DA PESQ UISA

4 OS ARRANJOS: MODO DE FUNCIONAMENTO DO HIP-HOP, SEUS

IMPASSES,

SEUS

PERIGOS, SUAS ESTRATÉGIAS E SUAS

AFIRMAÇÕES

4.1 OS ENCONTROS COM O MOVIMENTO HIP-HOP

Nas andanças com os grupos de Hip-hop capixaba, para buscar os caminhos que pudessem levar-nos a construir alguma noção do território que nos dispúnhamos mapear, conhecemos diversos hiphoppers. Nos primeiros momentos dessa busca, lá estavam o Nelson, o Adikto, o Renegrado Jorge, o Sagaz, a Pandora, o GL Preto, o Dudu e o Cyborg.

Estivemos no Pavilhão de Carapina, na Serra, onde acontecia o Serra Adolescente Mix Cidadão 2007,32 no mutirão de grafite que aconteceu na Escola Juscelino Kubitschek, no bairro Maria Ortiz, em Vitória, em uma aula de break no Ginásio localizado na praça central do Bairro Feu Rosa, na Serra, e em uma “Festa para Celebrar o Hip-hop capixaba”,33 em um dos mais belos cenários de Vitória, a Praia da Castanheira, no bairro Jesus de Nazareth.

Subimos o morro que se afunilava e descemos por uma escadaria, espremida entre muros de casas, todos com algum tipo de expressão artística: mosaicos, pinturas. O beco ia-se estreitando. Mais abaixo, começamos a encontrar os hiphoppers, garotos, garotas. No final da escadaria, deparamo-nos com um píer de madeira que

32 Evento que reunia os adolescentes do Programa Adolescente Cidadão (PAC) da Prefeitura da Serra.

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circundava um casarão, que poderíamos chamar de prédio. Aquele espaço era o Restaurante do Bigode. Aquele píer onde os jovens estavam, bebendo, fumando e namorando, criava uma cena espetacular. Mais uma vez nos sentíamos estrangeira de uma viagem vivida, há quanto tempo? Mas que ainda estava viva e agora vibrava,34 tentando conexões com aquelas outras vidas.

A noite estava belíssima! Uma grande lua cheia prateava o mar, que debruçava suas águas na areia, sombreada pela enorme castanheira. Era um espaço pequeno, ladeado de casebres, entre as casas e o mar, uma pequena faixa de areia e uma passarela. Naquele pequeno espaço, muitos jovens, na sua grande maioria, negros.

O espaço onde estava acontecendo a festa era muito interessante: um quarto de alvenaria, de onde uma moça muito magra e muito branca servia, por detrás de uma mesa improvisada, algumas batidas e também cerveja. Umas garrafas de bebidas, dentro daquele quarto, vários computadores, misturados com algumas vasilhas, papéis, fios de eletricidade, uma diversidade de coisas. Ao redor daquele quarto, uma armação de madeiras. Sim, pedaços de madeira faziam aquele espaço/palco, inclusive o teto. O telhado eram pedaços de madeira organizados como telhas. Ali era um estaleiro. Na parte mais profunda e alta ficava o palco, com suas caixas de som e a parafernália do DJ, as pic-ups e os discos de vinil. Por detrás do palco, estendidos, grandes panos brancos formavam uma parede; sobre os panos brancos, a Bandeira do Brasil.

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Corpo vibrátil, segundo (ROLNIK, 2003), é o corpo que luta para fugir do estado de vertigem permanente, do estado de exasperação que os modos de vida vigentes nos impõem. É necessário que esse corpo exercite forças de criação, formas de afirmação da potência da vida, resistência às forças hegemônicas, dando passagem a outras sensações que são presenças vivas no corpo das forças da alteridade.

O espaço era surreal, agradava-nos muito estar ali. Aquelas pessoas dançando ao som das batidas fortes do Hip-hop, aquele local, aquele visual do mar e da ponte... Parecia que a cidade ficava muito longe, no entanto estávamos dentro da Ilha, ao lado da Prefeitura de Vitória. Localizamos uns bancos de madeira; tudo era reaproveitamento de madeira, que criava um ambiente de cenário teatral.

Procuramos o rapper GL Preto, que nos passou o nome das pessoas que deveríamos entrevistar. Aguardamos o show, depois fizemos as entrevistas. Fomos embora, já passava das 2 horas da manhã. A noite continuava bela, a festa acontecia com muita tranquilidade, os hiphoppers, os manos e as minas se divertiam ao som do DJ, sob palavras de ordem do MC e a benção da lua, que, naquela noite, se fazia majestosa.

Se nos EUA esse movimento se encontra tomado/capturado pela indústria cultural de massa, os hiphoppers do Espírito Santo afirmam que aqui ainda buscam escapar à captura da produção cultural de massa. Seus CDs são artesanais, circulam de forma alternativa em eventos que organizam ou de que participam, como, por exemplo, o CD “Fé, luta e diversão”, do grupo In-Versão Brasileira, que foi vendido na “Festa para Celebrar o Hip-hop Capixaba” por R$5,00. Segundo informação dos

hiphoppers entrevistados, o disco foi gravado em Semi Metallic Disc (SMD). Seu

formato de mídia, desenvolvido no Brasil, está sendo usado para combater a pirataria fonográfica, já que o SMD custa 30% menos que o CD convencional.

No que se refere aos veículos de comunicação, os grupos de Hip-hop da Grande Vitória, Espírito Santo, produzem, desde 1997, um programa cultural aos domingos, no horário das 18 às 21 horas, veiculado pela Rádio Universitária da UFES. A conquista do horário / espaço nessa rádio é narrada pelo MC, produtor musical,

atualmente apresentador do programa Universo Hip-hop, L Brau. Em seu depoimento, podemos perceber que a criação do espaço significou novos aprendizados: aprender a produzir o programa e operar equipamentos, selecionar o material a ser veiculado, entre tantos outros saberes construídos nesse processo.

“Na verdade, o programa teve o espaço cedido pelo Bacana (ele foi a ponte entre a rádio e a possibilidade de criar o programa; também foi ele que criou o nome do programa, ‘Universo Hip-hop’. O Bacana é o fundador da banda ‘Universo Reciclado’. Ele arrumou um buraco na programação, chamou o Renegrado Jorge que me procurou, e então coube a mim recolher o material discográfico do Hip-hop; comprei a maioria dos discos de vinil e começamos a produzir o programa. Nesta época, o programa era na quinta- feira, no horário das 12 às 3 horas da madrugada. Depois passou para a sexta-feira e depois para o domingo, permanecendo até hoje. Antigamente, quando era realizado na quinta, era gravado; depois passou a ser ao vivo, com a ajuda do Leo Kbongue, que era um dos apresentadores do programa aqui da rádio Brasil Jamaica. Ele nos ajudou muito na parte de produção e operação dos equipamentos da rádio; nós ainda não tínhamos experiência, sendo ele um grande braço a nos ajudar. A rádio tem ajudado muito o movimento Hip-hop, pois o programa ‘Universo Hip-hop’ já está no ar há doze anos. A universidade nos dá uma liberdade que outras rádios não dão; a rádio nos dá liberdade de acesso e expressão. Apesar do rap ser de protesto, de denúncia, a rádio universitária nunca nos impediu, nunca se envolveu, dando sempre liberdade de expressão. O programa promoveu a cena do Hip-hop no Estado, pois muitos começaram após o programa ‘Universo Hip-hop’. Aqui, divulgamos os grupos, tocando as suas músicas, falando dos grupos. Este é um dos veículo de comunicação mais importante da cultura aqui no Estado. Pelo que entendemos, o programa tem muita audiência. Os presidiários escutam nosso programa e já teve caso de sermos procurados por ex-detentos para conversar sobre o Movimento Hip- hop, saber sobre o movimento e como fazer para ir aos eventos. Vários outros programas abrem espaços para nós, nos chamando para participar dos programas deles, como Namy Chequer, do programa ‘Ponto de Vista’ nos pede para dar entrevistas sobre a cultura Hip-hop.” (L BRAU,