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CAPÍTULO 2: Estabelecimento de uma metodologia baseada na tecnologia

4. Knockout gênico em M perniciosa: histórico e estratégia para

Dada a primordial importância das linhagens knockout na caracterização funcional de genes em M. perniciosa, substanciais esforços foram empregados por diferentes grupos no sentido de estabelecer metodologias para a manipulação genética de M. perniciosa. O primeiro passo nesse sentido foi dado por Lima e colaboradores (2003), que reportaram a obtenção bem-sucedida de linhagens transformantes do fungo (linhagens nas quais o gene de resistência à higromicina foi introduzido) através do tratamento de protoplastos com polietilenoglicol e cloreto de cálcio (PEG/CaCl2). Posteriormente, Lopes e colaboradores (2008) demonstraram

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enzimas de restrição durante o procedimento de transformação (REMI – Restriction

Enzyme Mediated Integration). Em conjunto, esses trabalhos forneceram

metodologias úteis para a introdução de DNA exógeno nas células de M. perniciosa e isolamento das linhagens transformantes, provendo as matérias-primas essenciais para a criação de ferramentas de manipulação genética deste fitopatógeno. Notavelmente, tais avanços permitiram a aplicação pioneira de uma ferramenta de manipulação genética em M. perniciosa por Caribé e colaboradores, que reportaram em 2009 o silenciamento de dois genes do fungo por meio de interferência por RNA (RNAi). Entretanto, este sistema mostrou-se viável apenas para o micélio necrotrófico cultivado in vitro, não permitindo o estudo da função gênica em condições associadas à patogenicidade de M. perniciosa.

Em nosso laboratório, a manipulação genética de M. perniciosa tem sido alvo de trabalho desde o começo do projeto vassoura de bruxa, iniciado em 2000. As primeiras tentativas se basearam na transformação de micélio mediada por

Agrobacterium tumefasciens. Linhagens transformantes foram obtidas, mas se

mostraram altamente instáveis (perda espontânea da marca de resistência recebida durante a transformação), inviabilizando a sua utilização. A eletroporação de protoplastos e transformação em presença de PEG/CaCl2 foram então usadas e

permitiram a geração de transformantes estáveis. Uma vez estabelecidas em nosso laboratório as metodologias de transformação, abordagens para estudos funcionais

in vivo tornaram-se passíveis de padronização para aplicação em M. perniciosa. O

primeiro desses recursos experimentais a ser estabelecido foi a análise da localização subcelular de proteínas através da fusão delas com o marcador fluorescente GFP (Green Fluorescent Protein). No sentido de validar tal ferramenta para o estudo de proteínas do fungo, durante seu doutoramento em Genética e Biologia Molecular, o Dr. Joan Grande Barau fusionou GFP à proteína MpATG8, a qual está envolvida no processo de autofagia e se localiza em vacúolos em condições de starvation nutricional. Como esperado, o acúmulo de GFP foi observado em compartimentos subcelulares quando a linhagem transformante foi submetida à starvation (Barau et al. 2015) (Figura 29), demonstrando ser factível o estudo da distribuição espacial de proteínas no interior das células de M. perniciosa.

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Figura 29: Análise microscópica de hifas de linhagens transformantes de M. perniciosa expressando a fusão MpATG8-GFP. (a) Padrão de distribuição da proteína ATG8 em hifa sob condição normal de disponibilidade de nutrientes. É evidente a ampla dispersão da fusão ATG8-GFP no interior da célula de M.

perniciosa em tal situação. (b) Hifa submetida à starvation de nutrientes. É possível observar a forte

concentração da fusão ATG8-GFP em compartimentos no interior das células, o que é característico do processo de autofagia. Figura: Dr. Joan Grande Barau.

Além disso, o domínio das técnicas de transformação possibilitou esforços para a obtenção de linhagens knockout de M. perniciosa. Essencialmente, estratégias baseadas na recombinação homóloga entre sequências-alvo no genoma e cassetes de deleção foram empregadas nas tentativas de produção de mutantes em nosso laboratório. Possivelmente devido à baixa frequência de recombinação homóloga observada em basidiomicetos (Weld et al., 2006), a deleção dos genes- alvo não foi alcançada nas tentativas realizadas. Tal barreira técnica representa o principal entrave para a obtenção de linhagens mutantes do fungo através das metodologias convencionais e cria a necessidade de serem utilizadas ferramentas alternativas para a geração de knockouts de M. perniciosa. Nesse contexto, a tecnologia CRISPR/Cas, que surgiu recentemente como recurso molecular para manipulação de genomas, se mostra altamente conveniente e promissora para a aplicação em M. perniciosa. Primeiramente, tal ferramenta permite a inativação gênica de maneira independente de mecanismos de recombinação homóloga, o que aumenta enormemente a sua eficiência em comparação às metodologias convencionais. Ainda, os componentes efetores dos sistemas CRISPR/Cas têm mostrado alta especificidade e utilidade para a manipulação genética em uma ampla gama de organismos, demonstrando que eles constituem de fato ferramentas moleculares robustas e versáteis para edição de genomas. Também, diferente das ZFNs e TALENs, a tecnologia CRISPR/Cas possibilita a alteração do gene alvo de inativação de maneira bastante simples, sendo necessária apenas a modificação da sequência do RNA guia para alterar a especificidade da endonuclease Cas9. Frente

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a isso, propomos neste projeto a aplicação da tecnologia CRISPR/Cas9 para a geração de um protocolo de knockout gênico em M. perniciosa.

Estrategicamente, o gene Mp-aox foi selecionado como primeiro alvo para estabelecimento da metodologia de knockout gênico em M. perniciosa. Tal gene codifica uma oxidase alternativa (Mp-AOX), proteína mitocondrial do fungo que, conforme proposto por Thomazella e colaboradores (2012), pode desempenhar um papel essencial na sobrevivência de M. perniciosa durante a fase biotrófica da doença. Notavelmente, a Mp-AOX confere ao fungo resistência à azoxistrobina, um fungicida da classe das estrobilurinas que atua como inibidor da cadeia respiratória principal (Thomazella et al., 2012). Esse fenótipo de resistência à droga, que se espera ser abolido em linhagens ΔMp-aox, fornecerá a possibilidade de validação fenotípica in vitro das linhagens mutantes obtidas, facilitando enormemente tal etapa de validação. Também, um procedimento para detecção específica da atividade da oxidase alternativa em mitocôndrias isoladas do fungo já foi estabelecido por nosso grupo e será empregado na etapa de validação dos knockouts. Ademais, uma vez que dispomos de um anticorpo monoclonal que reconhece a Mp-AOX, será possível averiguar através de Western blot se tal proteína está presente ou não em extratos proteicos das linhagens transformantes. Conjuntamente, todos esses recursos disponíveis para a seleção de linhagens ΔMp-aox viabilizam um screening bastante robusto e refinado dos transformantes, o que torna o gene Mp-aox um alvo altamente conveniente para este projeto. Adicionalmente, a proteína Mp-AOX tem sido considerada um potencial alvo para o desenvolvimento de drogas para o combate à vassoura de bruxa, sendo de grande interesse o aprofundamento de sua caracterização funcional.

OBJETIVOS

Objetivo geral

O presente projeto tem como objetivo o estabelecimento de uma metodologia para a obtenção de linhagens knockout de M. perniciosa utilizando como ferramenta os componentes efetores do sistema CRISPR/Cas9.

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Objetivos específicos

1. Planejamento e design in silico dos cassetes de expressão da endonuclease Cas9, do RNA guia (gRNA) e do gene de resistência à higromicina (Hygromycin

Phosphotransferase – Hph), que será utilizado como marcador de seleção;

2. Construção de um vetor de destino (mpDestCRISPR/Cas9), o qual conterá os cassetes Cas9, Hph e sítios para inserção de cassetes gRNA específicos para genes alvos de inativação;

3. Avaliação da sensibilidade natural de M. perniciosa à higromicina e determinação da concentração a ser utilizada para seleção de protoplastos transformantes;

4. Preparação do vetor contendo o gRNA específico para inativação do gene Mp-aox e transformação do fungo;

5. Genotipagem para seleção de transformantes e análise fenotípica das linhagens

ΔMp-aox.

MATERIAIS E MÉTODOS

1. Material biológico

O isolado BP10 de M. perniciosa foi utilizado no teste de sensibilidade à higromicina. A subclonagem de constructos foi realizada com as cepas DH5α e ccdB SURVIVAL 2 T1R de Escherichia coli.

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