Cronologia da língua portuguesa
LÍNGUAS EM CONTATO: PIDGINS E CRIOULOS
PIMENTA-BUENO, Mariza do Nascimento Silva. Apostila de Introdução à Linguística.
1. Pidgins: são códigos restritos, que não possuem falantes nativos e que resultam da simplificação e mistura de elementos linguísticos de duas ou mais línguas, uma das quais, em geral, de base europeia. Os pidgins surgem em situações de transação social e econômica (comercial) entre pelo menos dois grupos falantes de línguas diferentes, por um processo de restrição e simplificação da língua de um dos grupos envolvidos, geralmente a do grupo que está em uma posição de superioridade social. Dá-se a esse processo de restrição e simplificação linguística o nome de pidginização.
Os pidgins constituem línguas rudimentares e, por assim dizer, marginais, com poucos itens lexicais e regras gramaticais muito simples. Como uma consequência direta disso, requerem um tempo bastante curto de aprendizagem (cerca de 6 meses).
Alguns exemplos de pidgins são os seguintes:
o West African Pidgin English (língua base: inglês);
o Tok Pisin da Nova Guiné (língua base: inglês), que tem aproximadamente 1.500 palavras, 80% das quais derivadas do inglês.
(Obs.: Uma língua plena tem centenas de milhares de palavras.)
Em função de seu vocabulário reduzido, os pidgins não são muito adequados à expressão de distinções sutis de significado. Assim:
(a) muitos itens lexicais dos pidgins têm uma carga semântica muito grande, e sua ambiguidade só pode ser removida contextualmente; e
(b) muito circunlóquio é necessário.
Uma outra característica frequentemente encontrada nos pidgins é o fato de eles, em geral, não disporem das categorias verbais de tempo, modo e voz.
A título de ilustração, considerem-se os seguintes exemplos extraídos de diferentes pidgins: West African Pidgin English (língua base: inglês):
amigo: him brother belong to me sol: lamp belong Jesus
a pessoa ter sede: him belly allatime burn bigode: grass belong face.
Pidgin melanésio (língua base: inglês):
Me dream kill’m onefella snake - ‘Sonhei que matei uma cobra’ Bandarap’em e cook’m - ‘Bandarap a cozinhou’.
Segundo William Folley (1988: 164), em decorrência do fato de os pidgins surgirem em um contexto social restrito, tipicamente relacionado a situações de trabalho ou de comércio, eles, na realidade, desempenham um conjunto muito pequeno de funções, se comparados a línguas nativas. Tais funções seriam, basicamente, as seguintes:
função diretiva: os pidgins são habitualmente usados para fazer com que as pessoas realizem certas ações desejadas;
função referencial: os pidgins são usados para descrever situações concretas, geralmente com objetivos práticos.
Normalmente, os pidgins não são usados para promover a coesão social (função interacional), para expressar estados de espírito, emoções e sentimentos (função expressiva), para falar a respeito da linguagem (função metalinguística), ou, tampouco, para criar mensagens baseadas em formas artísticas (função poética).
O desenvolvimento de pidgins, com sua subsequente crioulização, pode explicar, em larga medida, a grande diversidade linguística que existe contemporaneamente no mundo.
2. Crioulos : são pidgins desenvolvidos em língua, com falantes nativos. Chama-se crioulização o processo pelo qual um pidgin se converte em um crioulo.
Como um pidgin se converte em um crioulo?
Caso da língua de sinais da Nicarágua (segundo PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2004.)
O governo sandinista (1979) reformou o sistema educacional e criou as primeiras escolas para deficientes auditivos. A metodologia adotada, com enfoque na leitura labial e na fala, resultou um fracasso. Porém...
“Nos parques e ônibus escolares as crianças estavam inventando seu próprio sistema de sinais, acumulando os gestos provisórios que usavam com a família em casa. Pouco tempo depois, o sistema se consolidou no que hoje é a chamada Lenguage de Signos Nicaraguense (LSN). (...) Essa linguagem é basicamente um pidgin. Cada um a usa de modo diferente, e aqueles que dela fazem uso dependem mais de circunlóquios sugestivos e elaborados do que de uma gramática consistente.”
Crianças que entraram na escola pequenas e quando a LSN já vigorava são diferentes.
“Sua expressão gestual é mais fluida e compacta, e os gestos são mais estilizados e se parecem menos com uma pantomima. Esse sistema é tão diferente que recebe o nome de Idioma de Signos Nicaraguense. (...) ISN parece um crioulo, criado de chofre quando as crianças menores foram expostas aos sinais pidgin das mais velhas (...) O ISN se padronizou espontaneamente; todas as crianças pequenas o expressam da mesma maneira. As crianças introduziram várias estratégias gramaticais ausentes na LSN e, portanto, dependem menos de circunlóquios. (...) Uma língua nasceu diante de nossos olhos.” (p.34-35)
Alguns exemplos de línguas crioulas ou, simplesmente, crioulos são os seguintes:
crioulo jamaicano (língua base: inglês); francês do Haiti (língua base: francês); guianês (língua base: francês);
gullah (língua base: inglês) - crioulo falado por descendentes de escravos africanos, no sul dos EUA, nas ilhas ao longo da costa da Geórgia e da Carolina do Sul;
krio (língua base: inglês) - crioulo falado por cerca de 40.000 pessoas em Serra Leoa.
Ex. de língua crioula. Extraído da obra Pereira, A. & Santos, P. (orgs.). Lubu ku lebri I utrus storias di Guiné Bissau, Volume II. Bissau: Editora Nimba, 1989), o texto foi elaborado no crioulo guineense, cuja língua base é o português.
CRIOULO GUINEENSE PORTUGUÊS
Storia di lubu ku lebri na tempu di fomi Na tempu di fomi, lebri rabida i fala lubu: — Ananã no ta bai piska.
Oca sol mansi, lebri korda sedu I bai korda lubu. E bai tok e ciga na roda di mar, e sinta e na piska. Oca e panã manga di pis, lebri fala lubu:
— Gosi no bai kasa
E lanta e yanda tok e ciga bas di um polon. Lebri torna fala mas lubu:
— Bas di es polon ku no dibi di kusnã no pis. Oca e filanta, e finka kaleron na fugu, e kumsa e kusña.
Oca ku pis pertu kusidu, lebri fala lubu: — No sibi riba de polon pa tisi Nutru. Ma ami ku na tisiu purmeru.
Lebri kumsa tisi lubu.
Ma kada ora ku i tisil, i ta maral tok i tesu kontra ramu di polon.
Oca i kaba, i fala lubu:
— Gosi no na jubi kin ku na ciga com purmeru pa kume pis.
Lubu manera ku lebri maral kabesa kontra po i ka pudi ria.
Lebri kume pis tudu, i kaba i fikal riba di polon.
História do lobo e da lebre no tempo de fome
No tempo de fome, a lebre se virou e falou para o lobo: — Amanhã nós iremos pescar.
Após o sol amanhecer, a lebre acordou cedo e foi acordar o lobo.
Eles andaram até que chegaram à beira do mar, sentaram e começaram a pescar.
Após pegarem muitos peixes, a lebre falou para o lobo: — Agora nós vamos para casa.
Levantaram-se e andaram até chegar debaixo de um poilão (baobá).
A lebre tornou a falar com o lobo:
— É debaixo deste poilão que nós devemos cozinhar nosso peixe.
Após descamarem o peixe, puseram o caldeirão no fogo e começaram a cozinhar.
Quando o peixe estava quase cozido, a lebre falou para o lobo:
— Vamos subir em cima deste poilão para trançar (o cabelo) um do outro. Mas eu tranço o seu primeiro. A lebre começou a trançar o lobo.
Mas cada vez que fazia uma trança, ela o amarrava até que ele ficou preso no galho do poilão.
Quando acabou, ela falou para o lobo:
— Agora nós vamos ver quem é que chega ao chão primeiro para comer o peixe.
O lobo, como a lebre amarrara sua cabeça contra o pau, não pôde descer.
A lebre comeu todo o peixe, acabou, e ele ficou em cima do poilão.
Crioulos de base portuguesa
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Crioulos de base portuguesahttp://www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografia/crioulosdebaseport.html#