• Nenhum resultado encontrado

Início citadino habitual. A voz diz “Se as pessoas se conseguem conectar entre si, até a voz mais pequena crescerá. Se as pessoas se conseguem conectar entre si, até mesmo as suas vidas será maior. Portanto...”

O travelling inicia a cena, acompanhada pelo humming noise. A acção decorre à noite. Na casa de Lain, o pai aproxima-se do quarto da filha e ao pedir permissão para entrar fica surpreendido com a tecnologia que envolve Lain, que se encontra no fundo do quarto. Lain, à frente do Navi, encontra-se com um sorriso de conforto. No ecrã surge a palavra “coma” (imagem 6.1). Do outro lado, na Wired, a heroína encontra-se num ambiente muito luminoso, dando a sensação de imaterialidade. A personagem fala com o computador, dizendo que já verificou aquele registo há já algum tempo e que mal pode esperar pelo lançamento do próximo protocolo e que, quando isso acontecer,

ela poderia fazer mais. Ela pergunta porque são tão bons com ela na Wired, uma vez que não tem muitos amigos. As respostas que lhe são dadas são imperceptíveis pois apenas se ouve um som sem palavras. Lain dá um nome aos sons: Knights. Ouve-se um “Sim, pois!” na transição de planos. O tom irónico que é possível entender nessa exclamação indicia que os amigos cibernéticos que Lain tem agora são falsos amigos.

Voltamos a uma panorâmica dos cabos que atravessam a cidade e ao humming noise. A caminho agora da escola, Lain vê um menino de braços estendidos ao ar. Ela olha para cima e só vê cabos.

Na escola, Lain encontra-se distraída com o seu Navi portátil, mas é interrompida pelas colegas. Arisu chama-a à atenção de que ela está a voltar ao seu comportamento antigo, em termos das relações interpessoais. As colegas incentivam-na a sair novamente com elas, explicando que a vida já é suficientemente deprimente para se estar sozinho. Lain responde que ela nunca está sozinha porque vão sempre vê-la (na Wired). Reika contesta, defendendo que um amigo virtual não é o mesmo que um amigo real. A preocupação de Arisu cresce, ao ver tanto secretismo e solidão em torno da amiga.

Lain visita a baixa da cidade com as amigas e mostra alguma animação com a companhia, mas observa momentaneamente com atenção um dos ecrãs gigantes da cidade. No meio do passeio, surge novamente a criança de braços estendidos ao céu. Mais tarde, ao saírem duma superfície comercial, ela repara novamente em algumas crianças que também acabam por estender os braços. No céu, observa-se a silhueta de Lain, como se se tratasse de uma aparição divina (imagem 6.2). A particularidade deste fenómeno é que não é apenas Lain que consegue ver, mas todos os que estão por perto, incluindo Arisu.

Esta representação divina da personagem pode ser interpretada como uma metáfora à adoração do virtual. Recordando o pensamento de Régis Debray, o Homem, ao criar cada vez mais dispositivos, se por um lado possibilita mais formas de olhar a realidade, por outro menos controlo há sobre o que se vê, pelo que quem olha se torna passivo. A imagem, ainda que forjada pelo Homem, torna-se divina aos seus olhos14.

14

« La servitude, c’est le renversement par l’homme du médiatisé en immédiat. Ou de ce qui dépend de lui en quelque chose d’indépendant et de tout-puissant. Le sujet reçoit comme

Já em casa, ao cair da noite, a irmã mais velha vê televisão enquanto a mãe lhe diz que ela tem vindo para casa cedo, ao contrário da irmã mais nova. Ela apresenta-se sem qualquer tipo de semelhança ao que era no início da série, aparentando estar sem qualquer tipo de consciência, num estado vegetal. Lain chega entretanto a casa e vai directa para o quarto. Este está cada vez mais desenvolvido. Liga-se à Wired para procurar respostas. Dentro da Wired, uma boca gigante (imagem 6.3) diz que, sendo ela Lain, que ela tem algo de diferente para se traduzir tão bem do mundo físico para o mundo virtual. Os dois entram numa conversa elusiva ao momento do gato transparente (Cheshire cat) de Alice no Mundo das Maravilhas. Lain mostra pouca paciência e pede informações. A boca gigante diz que se a ajudar, ele ficará muito conhecido entre os seus utilizadores locais. Lain diz-lhe “Menos ruído, mais sinal”. Pede informações sobre o jogo online para crianças. Nos resultados da sua “pesquisa”, Lain depara-se com um cientista assassino de crianças, o Professor Hodgeson. Este cientista, no mundo real, está está num hospício privado, a viver os seus últimos dias. A boca aconselha Lain a perguntar ao cientista por KIDS.

Faremos agora uma pausa na narrativa audiovisual de Lain. A comparação com o conto de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carrol, surge explicitamente neste momento com a crítica que a personagem principal faz aos lábios falantes da Wired. No conto de Carrol, Alice pede direcções ao gato de Cheshire, pois procura uma cura para a sua diminuição de tamanho. Alice encontra-se num sonho, pois adormecera ao lado da irmã mais velha e, quando acordou, percebeu que nada daquilo que vira era real. Lain, por outro lado, está consciente de que dentro da Wired não se trata propriamente do real e procura nela informações que a levem a conclusões sobre o que se passa em seu torno15.

implacable et naturel ce qui est artificiel, construit passes propres dispositifs. Il prend pour objet à percevoir, passivement, ce par quoi il perçoit activement. Il s’ignore donc créateur, source de ses images (comme hier de Dieu ou la vérité). Elles lui « tombent dessus » comme la grêle ou l’orage quand c’est son propre système de représentation qui les « lancées ». Mécanisme classique de l’aliénation et de la transformation d’une liberté en mythe. Mais ce qui s’extravertit et se sublime ici, non plus dans l’idée de Dieu mais dans l’image divinisée et mythifiée, n’est plus la conscience d’un sujet mais une machinerie socio-technique. » in Viet et mort de l’image: Une histoire du regard en Occident (1992)

15

Numas ruínas altas, com uma paisagem exótica, Lain encontra o Professor acamado (imagem 6.4). O Professor diz-lhe que ela parece muito real. Ela pergunta-lhe directamente o que é KIDS. O Professor não lhe responde, expressa a sua satisfação por estar num local assim, enquanto espera que o seu corpo morra no mundo real. Lain não liga aos seus comentários e pergunta-lhe directamente se ele não sabia o que se andava a passar e o que é KIDS. O Professor volta a falar do local e da noção de tempo ser diferente: o tempo passa-se bem naquele sítio, como se durasse para sempre. Lain pede, quase ordenando, ao Professor para lhe mostrar a experiência que ele fez em termos de dados 15 anos antes. Ele defende-se ao afirmar que nunca foi sua intenção colocar qualquer criança em perigo. A jovem explica-se melhor: ela está-se a referir ao jogo e ao facto do jogo reproduzir a experiência do Professor, de há 15 anos atrás. Ele explica-lhe que alguém recuperou a informação que ele havia destruído na altura. Kensington Experiment – o nome dado à experiência do Professor Hodgeson. Ele conta que quase todas as crianças têm “Psi”, ou seja, capacidades parapsicológicas, apesar de em muitas ser uma capacidade fraca. Essas capacidades não são tão chocantes como as capacidades paranormais, tratando-se apenas duma intuição mais aguçada ou a capacidade física de dobrar uma moeda.

Entretanto, durante a explicação, vamos observando algumas imagens do laboratório onde estavam as crianças, e Lain pergunta o que era aquele dispositivo na cabeça das crianças. O Professor responde que são receptores externos, que recebem o Psi. O Psi todo junto é portanto armazenado na KIDS, pois o Psi de cada criança é fraco, mas todo junto conseguiria fazer algo inimaginável. O Professor acredita que a ciência não se baseia apenas em provar hipóteses, o que Lain condena de imediato por ele não ter tido em conta todas aquelas crianças. O Sistema KID convertia as ondas electromagnéticas do cérebro recebidas pelos receptores externos e aumentava as funções duma área específica do cérebro. Lain pergunta o que acontecia quando todas as Psi fossem combinadas. É possível compreender através da reacção de Lain e da explosão que o resultado foi a morte de todas as crianças envolvidas. Após a catástrofe, o Professor destruiu o sistema mas os planos foram recuperados e

no final da série, a figura paternal de Lain lhe fala das madalenas e do chá (que para Proust funcionava como um gatilho para a memória)

espalhados pela Wired. Resumindo, com os planos e um “update” dos mesmos, estes manifestaram o fenómeno sem a necessidade dos receptores externos, e que se trata dum grande avanço conseguir tal através da simulação do jogo. Lain censura-o por admirar os avanços que fizeram com KIDS. Ele responde que por mais que se tormente com o que aconteceu, as crianças não conseguem voltar ao mundo real. E que relativamente à nova geração que usa esta simulação, menos poderá fazer por elas. O Professor tenta terminar a conversar, dizendo à Lain que se existir um Deus na Wired, que ela será abençoada, pois é muito poderosa, apesar dele não saber no que é que Lain se tornará. A Lain pergunta sobre os Rogues, que o Professor menciona nas suas últimas frases, mas ele afirma estar cansado e que o seu corpo se desgastou finalmente.

Ao voltar ao mundo real, no seu quarto, Lain demonstra revolta pelo que faziam às crianças. As máquinas que a rodeiam entram em sobreaquecimento, e no tecto surgem novamente as luzes vermelhas. Os homens vestidos de negro estão na sua rua e a heroína sai a correr para ir ao seu encontro. Pergunta-lhes se são os Knights quando, de repente, há uma explosão vinda do seu quarto. Eles explicam que o sistema de refrigeração foi sabotado por um parasita-bomba e que não foram eles que provocaram o incidente, mas sim os Knights.