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A disputa entre estados e municípios, uma verdadeira guerra, para traçar os contornos de definição da competência tributária para onerar operações realizadas com bens digitais tem evoluído. No final de 2015, o Convênio ICMS 181/15 avocou para os estados a competência para tributar, pelo ICMS, as transferências via download, de aplicativos, programas de computador, jogos e outros, in verbis:

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Cláusula primeira Ficam os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, , Santa Catarina, São Paulo, Tocantins autorizados a conceder redução na base de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária corresponda ao percentual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da operação, relativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, inclusive nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados. Essa resolução do CONFAZ é no mínimo desarrazoada, pois operações com softwares, como licenciamento ou cessão de direito de uso é tributado há muito pela LC 116/17, idem para o desenvolvimento e elaboração de programas e o processamento de dados e congêneres.

Fazendo uma reflexão dessa operação e situação jurídica Pinheiro (2015, p.121) analisa que em um primeiro momento, a possibilidade de consumo simultâneo, através de uma conexão em rede, não excludente, dito enfeixado, e não rival, típico da economia de abundância afasta o download de software (transferência eletrônica de dados), enquanto comércio de bens incorpóreos, do conceito clássico de mercadoria. O autor acrescenta que o atual conceito de mercadoria tem referencialidade direta com uma coisa materialmente captável – tangível – e não seria adequado para captar a realidade da aquisição de software pela Internet (download). Nessa linha, Greco (2000, p. 54) sustenta que uma alteração no sistema jurídico poderia incluir bens incorpóreos como os direitos sobre software, no conceito de mercadorias, viabilizando sua tributação pelo ICMS.

Porém, ainda que se pretenda assumir a hipótese de que bens digitais imateriais são produtos e não fornecimento de serviços, somente pode ser considerado comércio de mercadorias a transmissão de bens no contexto de uma cadeia de circulação. Assim que o STF tem compreendido e se manifestado nos atuais conflitos entre ICMS de ISS. Conforme Ministro Relator Roberto Barroso, “não se pode desconsiderar o papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo”:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. ETAPA INTERMEDIÁRIA DA CADEIA DE PRODUÇÃO. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS ATESTADAS PELA ORIGEM. INOCORRÊNCIA DA MATERIALIDADE ATRIBUÍDA AO ISSQN. Nas hipóteses de conflito entre os fatos imponíveis do ICMS e do ISS, não se pode desconsiderar o papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo. Sob tal perspectiva, cabe ao intérprete perquirir se o sujeito passivo presta um serviço marcado por um talento humano específico e voltado ao destinatário final, ou desempenha atividade essencialmente industrial, que constitui apenas mais uma etapa dentro da cadeia de circulação. Perfilhando esta diretriz, não é possível fazer incidir o ISS nas hipóteses

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em que a atividade exercida sobre o bem constitui mera etapa intermediária do processo produtivo. (…).(ARE 839976 AgR, Relator: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 10/02/2015, DJe-047, divulg. 11-03-2015, publ. 12-03- 2015)

Dessa forma, para além de pensar se a operação que se deseja tributar representa uma obrigação de dar (ICMS) ou obrigação de fazer (ISS), há necessidade de verificar se essa obrigação de dar está inserida em uma cadeia de ciclo produtivo integrando parte do produto final, o bem digital. Nesse sentido mesmo que se abarcar a ideia de mercadoria à um bem digital esta perspectiva de ciclo produtivo afasta possibilidade de tributação do ICMS para download de Software.

Vale ressaltar que o caso em que o STF reconheceu a possibilidade de tributação pelo ICMS dos softwares de prateleira, a incidência foi reconhecida em razão de estes estarem incluídos um uma cadeia de circulação, não com base na natureza do bem, mas no fato de que materializados em um suporte físico, estes podem ser objeto de uma cadeia de circulação e nessa linha tem-se o julgado do Ministro Joaquim Barbosa em 2010:

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão que considerou não sujeitas ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS as operações de comercialização de equipamentos de computador e de programas a eles destinados (software). A ementa está assim redigida (fls.63): “TRIBUTO – ISS- Software – Empresa comercial que apenas vende para o público consumidor programas produzidos por terceiros – Atividade que não se confunde com a prestação de serviços de cessão de licença de uso dos programas – Programas de computador produzidos por terceiros em larga escala, para uso geral, equiparando-se a mercadorias que passam a circular no mercado, podendo ser objeto de vários tipos de negócio jurídico como compra e venda, troca, cessão, empréstimo e locação – Incidência apenas do ICMS – Não incidência do ISS declarada por sentença – Decisão correta – Recursos improvidos.” Sustenta-se que o acórdão recorrido viola os 30, I e III e 156, III, da Carta Magna, ao concluir que a venda de software de computador constitui atividade que não se confunde com a prestação de serviços de cessão de licença de uso de programas, havendo incidência apenas do ICMS. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte. Registro as ementas dos seguintes julgados: “TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, min. Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar stardard de programa de computador, também chamado ‘de prateleira’, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materizaliza não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e provido”. (RE 199.464, rel. min. Ilmar Galvão, DJ de 30.04.1999). “I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria.

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Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (‘software’): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador’ - matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio..” (RE 176.626, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 11.12.98). Nesse sentido: AI 417.925, rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 16.08.2005. Do exposto, nego seguimento ao agravo. Publique-se. Brasília, 07 de dezembro de 2009. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator (AI 517786, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 07/12/2009, publicado em DJe-018 DIVULG 29/01/2010 PUBLIC 01/02/2010) Nesse sentido de que o software é um bem incorpóreo, e sobre as operações de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador os Estados não podem instituir ICMS, a LC 157/16 reforçou este entendimento quando o legislador inseriu nos itens 1.03 a 1.09 do anexo da LC 116/17 mais serviços grifados abaixo:

1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016) 1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação. 1.06 – Assessoria e consultoria em informática.

1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados.

1.08 – Planejamento, confecção, manutenção E atualização de páginas eletrônicas. 1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS). (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

Dessa forma, o Convênio 181/15, do Confaz, deve ser rediscutido, sob a ótica da Lei complementar 157/16.

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