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4 AS NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

4.2.1 O LD ao longo das últimas décadas

4.2.1.1 LD: entre as tentativas de defini-lo e a função em sala de aula

A seguinte afirmação representa nossa primeira certeza diante das discussões que se darão nesta seção: o LD é o instrumento didático – desde que passou, principalmente, a acompanhar o trabalho do professor de forma obrigatória nas escolas e após a institucionalização do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – que mais levanta questionamentos e reflexões. A responsabilidade que é dada ao LD é proporcional ao uso que se faz dele nas salas de aula brasileiras, ou seja, é consideravelmente grande, pois muitos professores, guiando-se unicamente pelas instruções e pelos procedimentos pré-formulados, se utilizam do LD para estruturar a sua metodologia e seu método didático de ensino.

Os livros didáticos são importantes personagens na composição do material escolar, e como elemento essencial deste, por influenciar diretamente na aprendizagem, são objetos de pesquisa de muitos autores. Para Lajolo (1996), por exemplo, didático é

[...] o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática.

Sua importância aumenta ainda mais em países como o Brasil, onde uma precaríssima situação educacional faz com que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina. (grifo meu, 1996, p. 3-4).

Ou seja, entende-se por didático, um material que tenha objetivos educacionais, com a finalidade de efetivar a aprendizagem. Ainda que esse não seja o único instrumento didático na sala de aula, é a partir dele que muitos professores organizam suas aulas. Segundo a autora, o livro será considerado didático, também, quando envolver um uso sistemático “do ensino- aprendizagem de um determinado objeto de conhecimento humano, geralmente já consolidado como disciplina escolar. Além disso, [...] ser passível de uso na situação específica da escola, isto é, de aprendizado coletivo e orientado por um professor.” (1996, p. 4-5).

Sabendo dos múltiplos olhares que o LD recebe, principalmente por conta de seu caráter complexo, não ignoramos a variedade de enfoques dados por diferentes autores que se pautaram em bases teóricas diferentes. É fato inegável que precisamos conhecer a história que está por trás desse objeto que tem forte presença no cenário educacional.

Em 1938, o Decreto-lei 1.006, definiu os LD como compêndios escolares e os livros de leitura em classe, como podemos verificar abaixo:

Artigo 2º, § 1º - Compêndios escolares são os livros que exponham total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares; § 2º – Livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de livro de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático (OLIVEIRA et al., 1984, p. 22-23).

Assim, como Soares (2001) reitera, e como também apontamos em seção anterior, na década de 40, a formação de professores era inexistente, e os próprios docentes eram intelectuais formados em áreas como Filosofia, Direito, eficientes conhecedores da arte literária, da poética e da retórica, o que influenciou no uso de manuais com fins didáticos em sala de aula. Segundo a autora,

A competência atribuída a esses professores de Português que hoje chamaríamos “leigos” fica evidenciada nos manuais utilizados nas escolas: as gramáticas não tinham caráter didático, eram apenas exposição de uma gramática normativa, sem comentário pedagógicos, sem proposta de exercícios e atividades a serem desenvolvidas pelos alunos; as antologias limitavam-se à apresentação de trechos de autores consagrados, não incluindo, em geral, nada mais além deles (nem comentários ou explicações, nem exercícios ou questionários). (2001, p. 152).

Vale ressaltar que esses materiais que circulavam nas salas de aula da época eram gramáticas, cartilhas, livros de leitura e antologias selecionadas para expor os conhecimentos a serem planejados pelo professor. Logo, se os manuais faziam o papel do LD que hoje conhecemos, disponibilizando textos de caráter literário, além de trabalho com a gramática, sobrava ao

docente o papel de comentar, debater, ordenar o material a ser utilizado em aula e indicar atividades aos alunos. Dessa forma, não era o manual que apresentava a função de organizar o ensino, como acontece anos depois, quando o LD passa a ter maior destaque e possui pré- selecionados os conteúdos, os textos e as atividades a serem trabalhadas em sala de aula, aumentando o apagamento do papel didático-pedagógico ativo docente.

Já com as mudanças que se iniciaram em meados de 50 – principalmente a partir da popularização do ensino e do aumento da busca por professores, fazendo com que a qualidade desses profissionais caísse, diante da necessidade urgente de contratações –, agora, “num único livro apresentam-se conhecimentos gramaticais e textos para leitura, e, sobretudo, incluem-se exercícios de vocabulário, de interpretação, de redação, de gramática.” (SOARES, 2001, p. 153). Os professores acabavam usando esse objeto didático mais do que como um apoio didático, muitas vezes, até de maneira excessiva, anulando a sua prática docente que deveria ser inovadora, crítica e elaborada para um contexto de sala de aula específico, sem seguir ordens ou atividades engessadas do livro.

Essa situação se torna complexa na década de 60. Nessa época, os LD vêm em formato estruturador de atividades e conteúdo (deixando de serem apenas expositivos). Segundo Batista (2003), esse é um formato de LD que surge por conta da “intensa ampliação do sistema de ensino, ao longo dos anos 60 e 70, e com processos de recrutamento docente mais amplo e menos seletivo”. Ou seja, como já dissemos em seção anterior, as mudanças sociais pelas quais passava o Brasil influenciaram no ensino e, consequentemente, na qualidade deste e de seus profissionais, os quais usavam o LD como instrumento de maior importância para as aulas.

Porém, o LD já apresentava um formato engessado e estanque, e esse instrumento era visto como um caminho para facilitar a atividade docente, mesmo que prejudicasse o processo de ensino-aprendizagem como um todo. Ao contrário do que tem ocorrido, é preciso entender que o LD não tem função específica, pois quem deve dar a sua real função na prática é o próprio docente, na medida em que conhece as necessidades do perfil de seu alunado e, assim, pode adaptar as atividades e os textos disponibilizados as suas aulas.

A partir das discussões acima, podemos notar que há os estudiosos que não acreditam que o LD trouxe apenas pontos positivos para o trabalho em sala de aula. Para estes, como por exemplo, Lajolo (1996), “A história sugere que a precariedade das condições de exercício do magistério, para boa parte do professorado, é responsável direta por vários dos desacertos que circundam questões relativas ao livro didático na escola brasileira.” (p. 8). Essas reflexões nos

levam a crer que os aspectos sociais, culturais e históricos refletidos na sociedade determinam, ainda que indiretamente, a realidade educacional brasileira. E, se reflete em todo o cenário escolar, esses aspectos serão influenciadores na construção do LD. É como aponta Oliveira et al (1984), que nos diz que um ponto importante existente nas discussões sobre LD gira em torno de “pensá-lo ora como um produto/mercadoria expresso no universo da indústria editoral, ora como um ingrediente do sistema de ensino”, ou seja, acaba por ser produto resultante da cultura e da sociedade, concretizados na produção editorial.

Quando a posição de Lajolo (1996), no início desta subseção, foi apresentada, verificamos que, de maneira clara, o LD foi visto como um instrumento de uso escolar, além de servir para leitura coletiva, enquanto que os livros não-didáticos para a autora são os de leitura individual, compreendendo leitura como processo de envolvimento afetivo e experiência estética. Para dois autores conhecidos, Batista e Rojo (2003), que assumem um posicionamento diferente de Lajolo (1996), o objetivo dos LD é o de motivar o ensino de uma disciplina específica, disponibilizando uma gama de conteúdos dispostos no currículo, permitindo que estes sejam acessados de forma individual ou coletiva. Na mesma linha, para outro autor, Bunzen (2014), o LD amplia seu alcance e não está só voltado para a sala de aula e não pode ser apenas definido pela sua capacidade de uso em momentos coletivos de leitura. Ao contrário disso, o LD é um instrumento planejado para situações coletivas ou individuais, mas que também, agora como Lajolo (1996), objetiva o desenvolvimento da aprendizagem formal.

Outras duas definições que circulam amplamente nas discussões sobre LD são as de Soares (1996) e Oliveira (1984). São pontos que exaltam o valor do LD como um livro que é escolhido e direcionado para a escola. A autora diz que o instrumento em questão se refere ao “livro escolar, utilizado para ensinar e aprender” (1996, p. 54), enquanto que o autor o considera como “os compêndios escolares e livros de leitura em classe” (1986, p. 13), este último se aproximando da definição trazida no Decreto-lei anteriormente referido.

Em consonância com a ideia de que os LD apresentam enredamentos complexos, segundo Lima (2009, p. 68), esse instrumento é “um produto/mercadoria expresso no universo da indústria editorial e um “ingrediente do sistema de ensino”. Esclarecendo essas colocações, os apontamentos de Choppin (2004) nos mostram que o LD

inscreve-se em um ambiente pedagógico específico e em um contexto regulador que, justamente com o desenvolvimento dos sistemas nacionais ou regionais, é, na maioria das vezes, característico das produções escolares (...) Sua elaboração (...), realização material (...), comercialização e distribuição supõem formas de financiamento vultosos, quer sejam públicas ou privadas, e o recurso a técnicas e equipes de trabalho cada vez mais especializadas, portanto, cada vez mais

numerosas. Por fim, sua adoção nas classes, seu modo de consumo, sua recepção, seu descarte são capazes de mobilizar, nas sociedades democráticas sobretudo, numerosos parceiros (professores, pais, sindicatos, associações, técnicos, bibliotecários, etc.) e de produzir debates e polêmicas (p. 554).

Ou seja, o LD, ao ser desenvolvido foca na realidade escolar da qual faz parte, além de ser um instrumento que movimenta esferas variadas, seja do comércio, da educação, das leis, da revisão, entre outras, incitando, em alguns momentos, discussões e polêmicas envolvendo os perfis que fazem parte do processo de ensino-aprendizagem.

Por fazer parte, como objeto, do movimento transitório da sociedade e por constituir um produto de uma indústria em constante oscilação, Batista (1999) define o LD como

um livro efêmero, que se desatualiza com muita velocidade. Raramente é relido; pouco se retorna a ele para buscar dados ou informações e, por isso, poucas vezes é conservado nas prateleiras de bibliotecas pessoais ou de instituições: com pequena autonomia em relação ao contexto da sala de aula e à sucessão de graus, ciclos, bimestres e unidades escolares, sua utilização está indissoluvelmente ligada aos intervalos de tempo escolar e à ocupação dos papéis de professor e aluno. Voltado para o mercado escolar, destina-se a um público em geral infantil; é produzido em grandes tiragens, em encadernações, na maior parte das vezes, de pouca qualidade, deteriora-se rapidamente e boa parte de sua circulação se realiza fora do espaço das grandes livrarias e bibliotecas. Não são poucos, portanto, os indicadores do desprestígio social dos livros didáticos: “livro menor” dentre os “maiores”, de “autores” e não de “escritores”, objeto de interesse de “colecionadores” mas não de “bibliófilos”, manipulado por “usuários” mas não por “leitores”, o pressuposto parece ser o de que seu desprestígio, por contaminação, desprestigia também aqueles que dele se ocupam (p.529-530).

É visualizando essas questões tão complexas em todas as definições acima dadas pelos diversos autores ao LD que constatamos a dificuldade em definir esse instrumento. Choppin (2004) enfatiza isso ao apontar que “o “livro didático” é designado de inúmeras maneiras, e nem sempre é possível explicitar as características específicas que podem estar relacionadas a cada uma das denominações.”. Isso ocorre, pois, aspectos para além da composição física do livro estão envolvidos, como bem já pontuamos: os culturais, sociais, políticos e de mercado.

Sabemos que, por outro lado, apesar de o LD ser visto de maneira negativa, muitas mudanças positivas vêm acontecendo desde a criação do PNLD (este programa terá uma seção exclusiva para abordá-lo). Sobre este, percebemos uma dedicação em estudar as necessidades do cenário educacional e reestruturar a forma de desenvolvimento do LD em sala de aula. Começa a haver uma preocupação maior com o que as editoras têm produzido. Sobre isso, Morais (2002) desenvolve a seguinte reflexão:

Os livros didáticos de Língua Portuguesa estão mudando!!! E para melhor, felizmente. A partir das avaliações realizadas pelo PNLD, notamos que autores e editoras vêm, progressivamente, oferecendo manuais mais bem-cuidados. Desta forma, não dá para, simplesmente, rechaçar os livros didáticos, em nome de que são “monótonos” ou que “transmitem preconceitos e idéias errôneas”. (MORAES, 2002, p. 14).

Mas ainda é importante lembrar que mesmo que haja progresso, muito ainda precisa ser feito para evitar que o LD seja usado de maneira excessiva e com destaque, muitas vezes maior do que a autonomia do professor e do seu planejamento para além do LD nas aulas.

Não devemos apoiar o uso do LD, aumentando o valor que este realmente possui. Fazer isso é dar o controle da aula ao LD, logo, ao invés de ser um material de suporte para chegar aos diversos objetivos de ensino, acaba por se tornar o próprio objetivo da aula. Podemos perceber isso em casos em que o professor se planeja o ano inteiro visando unicamente cobrir os conteúdos e textos presentes no livro a fim de concluí-lo, sem se preocupar com outras formas de efetivar o processo de ensino-aprendizagem. Para Barzotto e Aragute (2008) é importante que o papel e a capacidade dos professores não sejam subjugados e, ao contrário disso, o que vem acontecendo é que esses docentes vêm se sentindo incapazes, seja pela formação precária que tiveram ou simplesmente por insegurança na produção de seu material didático próprio.

Para fortalecer as compreensões que giram em torno da relação entre o professor e o LD, Barzotto e Aragute (2008) observam que um discurso repetitivo está presente no âmbito educacional, aquele que reconhece o LD como único material que educador e aluno têm em comum, para acesso às informações. Porém, para os autores, isso é uma forma limitada e generalizada de visualizar o ensino atual. Antes de tudo, o LD deve ter papel de instrumento, de objeto, e não de agente ativo ou substituto docente.

Com base nisso, não só os aspectos econômicos e técnicos influenciam as definições dadas ao LD, mais ainda, não podemos esquecer que juntamente a estes estão os aspectos históricos de ordem política e social. Entre as disputas que ocorrem no Brasil, está, segundo Batista (1999), a pelo controle curricular, o que faz com que o LD seja não só determinações limitadas de um programa, como também um instrumento para a sistematização e representação de uma cultura, ideologia e valores. Sabendo disso, para nós, o LD é um objeto/instrumento de caráter político e social, que não deve ser estruturador do ensino, mas, pelo contrário, deve auxiliar o docente em sua trajetória, na medida em que fornece atividades e textos que podem ser úteis para o planejamento traçado, de acordo com a realidade de seu alunado. É como aponta Fleury (1961) apud Freitag (1987), reforçando a ideia de não supremacia do que está no LD, “o livro didático é uma sugestão e não uma receita” (p 59). Então, entendemos que o LD não é direcionado apenas para o uso coletivo, mas pode ser útil à utilização individual do sujeito.

Quanto compreendemos a escola como um espaço de aprendizagem, passamos a considerar o LD como parte do processo de ensino-aprendizagem, visto que pode fornecer subsídios para o desenvolvimento de competências. O uso que o docente faz desse instrumento vai determinar se o LD será o vilão ou o amigo do ensino. Logo, como apontam Marcuschi e Cavalcante (2005, p. 238), o LD ‘bom’ é o que supre as necessidades de discente e docente e, além disso, “oferece subsídios e alternativas produtivas ao trabalho escolar, contribui na formação do educador, é isento de erros conceituais e de preconceitos, entre outros aspectos.”. Assim, o LD pode ser considerado um suporte ativo em sala de aula, porém, ainda é utilizado de forma limitada, vinculado a um ensino tradicional, mesmo que tente seguir o fluxo inovador que o currículo propõe.