• Nenhum resultado encontrado

3 O PROJETO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL

3.3 O Lean design

Fica claro, portanto, que o processo de projeto na Construção Civil é caracterizado por uma série de atividades sequenciais e que, raramente, as atividades necessárias à construção são contempladas em projeto. Neste sentido, pode-se dizer que há formas e ações que podem ser mais eficientes para o empreendimento a serem adotadas no processo de projeto. Neste sentido, Souza e Abiko (1997, p.20), no contexto de melhores práticas em projeto, entendem que:

É na fase de projeto que acontece a concepção e o desenvolvimento do produto, que devem ser baseados na identificação das necessidades dos clientes em termos de desempenho e custos e das condições de exposição a que está submetido o edifício na sua fase de uso.

O entendimento de Souza e Abiko (1997), apesar de ser voltado para um produto específico, sugere que o processo de projeto é um dos responsáveis pelo desempenho e

retroalimentação a partir da obra), e estendendo-se até o uso (retroalimentação a partir da avaliação pós-ocupação e da análise financeira do empreendimento).

Melhado et al. (2006) entendem que o processo de projeto na Construção Civil pode ser estruturado afim de que três fases básicas e essenciais sejam consideradas: a concepção das exigências para a construção (necessidades dos clientes, tramites legais etc.), a concepção do produto (características do produto) e a concepção da execução das obras (projetos especializados voltados para a produção). De certa forma, os raciocínios a respeito de melhores práticas no processo de projeto são semelhantes aos conceitos do mesmo, demonstrados no início deste capítulo, ou seja, as práticas corretas fazem parte da natureza do projeto, porém, especificamente na Construção Civil, isto é distorcido, tanto na elaboração dos projetos quanto no gerenciamento dos mesmos.

Assim, analisando as afirmações dos autores, percebe-se que o projeto pode ser estendido para todas as fases do empreendimento, em especial no que diz respeito às atividades necessárias à produção do objeto. Porém, a forma sequencial com que o processo de projeto é caracterizado hoje na Construção Civil, não favorece, ou ainda, tornaria ineficiente a utilização de técnicas que contemplariam não somente o cliente final, mas também os clientes internos ao empreendimento.

No contexto em que se insere o projeto e a produção de habitações unifamiliares em

LSF e em outros sistemas construtivos no Brasil, nesta presente dissertação, de fato, se

entende que há a necessidade de adoção de estratégias que priorizem atividades de gerenciamento, no sentido do favorecimento da tomada de decisões e utilização de técnicas, paralelas entre processos, principalmente no que tange o projeto e a produção. Pode-se dizer que a principal consequência da integração entre dois processos distintos (projeto e produção) é o surgimento da troca de informações entre os profissionais que atuam nestas áreas e que, de certa forma, caracteriza um fluxo destas informações.

Neste sentido, Koskela e Huovila (1997) propõem que o processo de projeto pode ser abordado e gerido de três maneiras diferentes sob o ponto de vista da administração das informações: o projeto como conversão, o projeto como fluxo e o projeto como gerador de valores. A adoção desses três pontos de vista ao processo de projeto potencializa a adoção

de estratégias que prezam pelo paralelismo de decisões, em detrimento às atividades sequenciais, características da Construção Civil, como será mostrado neste trabalho.

A proposta de abordagem do processo de projeto de Koskela e Huovila (1997) possui um referencial teórico originado na pesquisa realizada por Koskela (1992) denominada: Application of the new production philosophy to construction, visto que este trabalho deu origem a uma filosofia de gerenciamento de processos chamada Lean

Construction (Construção Enxuta). Para que se compreenda a abordagem de projeto a partir

das ideias de conversão, fluxo e valor é necessária uma rápida explanação do que vem a ser a Lean Construction.

No universo da Lean Construction, Koskela (1992) mostra que o processo de projeto e produção tradicional na Construção Civil é baseado em um sistema de conversão, como mostra a Figura 54. No modelo de conversão, Koskela (1992) demonstra que cada material ou trabalho, necessário para a formação do objeto, é transformado em um produto por meio de um processo de conversão ou transformação, de maneira que, dentro desta conversão de materiais ou informações, existem subprocessos que, por sua vez, também são chamados de conversão.

Figura 54: Representação esquemática do modelo de conversão (Adaptado de KOSKELA, 1992).

Porém, o autor afirma que no modelo de conversão, os fluxos físicos entre as transformações não são considerados nem durante a produção e, muito menos, durante o projeto. Estes fluxos físicos, Koskela (1992) os denomina atividades de fluxo e são representadas por: atividades de transporte, espera e atividades de inspeção. Cabe destacar aqui, que uma das principais características das atividades de fluxo é a de que elas não agregam valor ao produto, mas podem ser necessárias para o processo de produção e projeto e, portanto, não devem ser ignoradas.

deve ser orientada para a sua redução ou mesmo a eliminação, de modo que as atividades de conversão deverão ser mais eficientes (KOSKELA, 1997).

Figura 55: Representação esquemática da produção como um fluxo, com destaque (em azul) para as atividades de fluxo (Adaptado de KOSKELA, 1992)

O que é importante destacar a partir do que foi exposto é a diferença entre o modelo de conversão e a Lean Construction. Essencialmente, o diferencial fica por conta de que na

Lean Construction o processo de construção é entendido como sendo um conjunto de

atividades que são desenvolvidas a partir do conceito de conversão de materiais e informações por meio das atividades de fluxo, ou seja, entre processos e subprocessos de conversão a informação ou o material pode estar em transporte, espera ou inspeção. Além disso, a Lean Construction preza pela redução do ciclo de desenvolvimento e produção. Assim, baseado nisso, Koskela (1992) propôs onze princípios que prezam por esse controle sobre as atividades de fluxo nos processos inerentes à Construção Civil e que estão citados a seguir:

a) Reduzir a parcela de atividades que não agregam valor;

c) Reduzir a variabilidade; d) Reduzir o tempo de ciclo;

e) Simplificar por meio da redução do número de etapas e partes; f) Aumentar a flexibilidade de saída;

g) Aumentar a transparência do processo; h) Focar o controle no processo completo; i) Melhoria contínua no processo;

j) Equilíbrio entre melhorias nos fluxos e melhorias nas conversões;

k) Benchmark.

No entanto, para se alcançar os benefícios dos princípios da Lean Construction, é obrigatório que haja uma mudança cultural no setor da Construção Civil, sendo necessária a mudança das práticas gerenciais bem como das práticas de trabalho usuais (projeto e produção) através da adoção de estratégias, princípios, práticas e ferramentas que devem ser desenvolvidas e trabalhadas (HÖÖK; STEHN, 2008).

Assim, visando este objetivo, o fundamento teórico e a aplicação dos princípios da

Lean Construction no processo de projeto origina a proposta de Koskela e Huovila (1997),

gerando o que hoje é comumente chamado de Lean Design (Projeto Enxuto) que, assim como sua teoria genitora, promove a eliminação de desperdícios e de atividades que não geram valor ao processo (FREIRE; ALARCÓN, 2002). Essencialmente, a prática do Lean

Design abre espaço para a aplicação de práticas, estratégias e ferramentas inovadoras no

processo de projeto, conforme sugestão de Hӧӧk e Stehn (2008) e que será apresentado mais adiante.

No trabalho de Koskela (2000), o autor mostra que a abordagem proposta pelo Lean

Design considera não somente as conversões de entradas em saídas, mas também o fluxo

de materiais e informações para estas transformações e o valor gerado tanto para os clientes internos ao processo de projeto quanto para o usuário final.

Tilley (2005), de maneira semelhante, observa que o objetivo final de um processo de projeto gerido com base na proposta do Lean Design é a maximização do valor total agregado à determinada informação. O autor ainda mostra que a proposta de gestão apresentada pelo Lean Design tem sido abordada na literatura como sendo um novo paradigma, assim como a Lean Construction, na forma como o processo de projeto deve ser gerido, de maneira que o Lean Design apresenta um grande potencial de melhorias que são imprescindíveis à Construção Civil.

Segundo Jørgensen (2006), o Lean Design não possui uma definição formal específica e pode ser utilizado de diversas formas com o intuito de se aplicar a filosofia lean

conversão e gerador de valores, como apresentado no Quadro 4.

Quadro 4: Comparação entre três abordagens diferentes para projeto (Adaptado de KOSKELA; HUOVILA, 1997)

Projeto como

Conversão Projeto como Fluxo Geração de Valores Projeto como Conceituação Como uma

transformação de requisitos e outras informações ao projeto do produto Como fluxo de informação composto por conversão, inspeção, transporte e espera Como um processo onde o valor para o cliente é gerado através do

atendimento de suas necessidades Princípios básicos Decomposição

hierárquica: controle de atividades decompostas Eliminação de desperdícios (atividades desnecessárias); redução do tempo e redução de incertezas Eliminação da diferença entre o valor alcançado e o melhor resultado possível e análise rigorosa dos requisitos impostos Contribuição prática Controle das

atividades Minimização das atividades essencialmente desnecessárias

Controle para que os requisitos dos clientes sejam atingidos

No entanto, como foi visto, tradicionalmente, o processo de projeto na Construção Civil, assim como as atividades de construção, é administrado, exclusivamente, sob a ótica em que se insere o contexto da conversão de informações, em detrimento do fluxo e valor das mesmas (KOSKELA, 2007). Porém, uma vez que a matéria-prima do projeto é a informação, é coerente dizer que esta seja gerenciada ao longo do processo, afim de que possa gerar o resultado e o valor esperado.

Destarte, voltando para o conceito do Lean Design, a partir da abordagem do projeto como conversão, Koskela (2007) afirma que as melhorias baseadas na estrutura desta conceitualização, foram orientadas de ferramentas para a coordenação conjunta dos esforços para ferramentas que reforçam a eficiência de tarefas individuais e específicas como o CAD, modelos de cálculo, modelos de simulação etc. Ou seja, uma vez que o

processo de projeto é orientado para questões específicas e individuais, passa a existir uma depreciação com relação a questões e decisões multidisciplinares. De maneira geral, não existe um gerenciamento que coordene a troca de informações entre equipes de trabalho (considerando entre projeto e produção também), justamente porque os projetos não contemplam as informações para interfaces de trabalho interdisciplinares.

O aspecto do projeto como gerador de valor pode ser explicada essencialmente pelo fato de que as necessidades e requisitos dos clientes serão atendidos e, assim, haverá um valor agregado para tanto. Porém, Koskela (2007) nota que podem ocorrer alguns problemas neste enfoque, nos quais os principais são: a forma de captura dos requisitos e necessidades dos clientes não é ideal, os requisitos e necessidades podem se tornar obsoletos ao longo do empreendimento e a tradução das necessidades dos clientes para a linguagem de projeto pode ser falha.

Finalmente, no que diz respeito ao fluxo de informações, Koskela (2007) atenta ao fato de que a falta de especificações necessárias às atividades de produção originam esforços adicionais que são desnecessários e que podem conduzir a falhas e retrabalhos, e consequentemente, desperdícios e aumento do tempo de desenvolvimento e produção. Assim, a função do projeto deve ser estendida também para a produção que, internamente ao empreendimento, é a maior deficitária de informações na Construção Civil, sendo que, visando a mudança desse paradigma na óptica do processo de projeto, algumas soluções emergiram e, dentre elas, destaca-se o Design for Assembly (KOSKELA, 2007).

Essencialmente, no caso de edificações em LSF, estas três abordagens aplicadas ao processo de projeto tornam-se especialmente importantes. Sendo o LSF um sistema construtivo pré-fabricado, muito contribui que em seu processo de projeto sejam apreciadas as atividades de fluxo inerentes as atividades de montagem no canteiro de obras, visto que isso garante melhor eficiência da produção e reduz a possibilidade de erros, tendo em vista que isso garante quais serão as ações necessárias para a produção.

Para que as três abordagens mostradas no Quadro 4 retornem os resultados esperados, tanto para as questões da engenharia quanto para a satisfação do cliente, é necessário que elas atuem de forma conjunta, ou seja, para um resultado de impacto da utilização do Lean Design, é imperativo que algumas ferramentas sejam adotadas nas fases de desenvolvimento do empreendimento. O próprio Koskela (1992) enunciou algumas técnicas e estratégias que poderiam ser utilizadas, afim de que o atual cenário em que se insere o gerenciamento dos processos na Construção Civil seja modernizado.

Dentre as sugestões propostas, tendo em foco especificamente a integração entre os processos de projeto e produção, há uma estratégia de atuação bastante difundida na indústria de produtos seriados, e que passa a ganhar maior atenção da Construção Civil, denominada Engenharia Simultânea. Esta ferramenta muito contribui para a aplicação do

3.4 A NECESSIDADE DA COORDENAÇÃO MODULAR E A