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3.2 Natureza jurídica da operação de leasing

3.2.1 Leasing financeiro e leasing operacional

A operação de arrendamento mercantil, por se tratar de negócio jurídico difundido em diversos países, tem sua prática consubstanciada em várias espécies, principalmente à luz do direito comparado.

Convém destacar preliminarmente que o a operação de leasing apresenta-se sob diversas modalidades. Dentre essa classificação, registre-se desde já a existência de duas espécies que serão tratadas de maneira pormenorizada um pouco mais adiante, dada a ínsita relação com nosso objeto de estudo, quais sejam: leasing financeiro e leasing operacional, esta última bastante difundida nos Estados Unidos.

O que se nota, assim como bem sublinha Leônidas Correia das Neves,384 as demais modalidades são traduzidas em verdadeiras subespécies do arrendamento mercantil financeiro ou do arrendamento mercantil operacional.

Sendo assim, cumpre registrar a existência, sobretudo nos Estados Unidos, França e Itália do denominado lease-back. No conceito empregado por Celso Benjó, “trata-se de um negócio jurídico bilateral pelo qual uma das partes, necessitando obter um empréstimo pecuniário, vende um bem de seu ativo imobilizado a uma instituição de cunho financeiro e, em seguida, o recebe em locação com possibilidade de adquirir novamente o domínio, mediante uma remuneração periódica, capaz, no seu somatório, de pagar o preço da coisa locada”.385

Noutros termos, o arrendatário “obtém o seu capital de giro mediante a venda de seus equipamentos ou máquinas ao arrendador, que os arrenda ao próprio vendedor”.386

Citemos ainda, à luz do direito comparado, a existência de outra modalidade de arrendamento mercantil: self leasing, que apresenta duas espécies: na primeira, empresas de um mesmo grupo econômico (coligadas ou interdependentes) assumem cada qual as funções de locador, locatário e vendedor. Na segunda, é o próprio fabricante que entrega a coisa387.

No direito pátrio, essa modalidade fora mencionada pelo legislador através da Lei nº 6.099/74, estabelecendo em seu art. 2º: “Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens contratado entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes, assim como o contratado com o próprio fabricante”.

Essa proibição resta ratificada pela Resolução nº 2.309 do Banco Central do Brasil, que assim dispõe: “Art. 28. Às sociedades de arrendamento mercantil e às instituições financeiras citadas no art. 13 deste Regulamento é vedada a contratação de operações de arrendamento mercantil com: I - pessoas físicas e jurídicas coligadas ou interdependentes”.

384 Arrendamento mercantil no Brasil: imposto sobre operações financeiras e danos substanciais: Revista Jurídica, nº

278, p. 78-79, dez. 2000.

385 O leasing na sistemática jurídica nacional e internacional. Revista Forense, nº 274, p. 19, abr./jun. 1981. 386 Leasing..., cit., p. 18.

Apesar das inúmeras espécies de leasing existentes, sobretudo no direito comparado, cumpre reiterar que nos interessa neste trabalho de pesquisa somente duas modalidades que melhor ilustraremos em momento oportuno: leasing financeiro e leasing operacional. Trataremos em especial da primeira espécie, trazendo alguns contornos do leasing operacional no desenvolvimento do raciocínio.

Insta destacar que o elenco das características peculiares a cada modalidade de leasing, bem como o cotejo entre as espécies, é de suma importância para estudo do entendimento jurisprudencial, que será objeto de análise um pouco mais adiante.

O leasing financeiro é a espécie mais usual, cujas características estão descritas no tópico anterior, sendo também considerado a verdadeira operação de leasing388 ou modalidade

clássica,389 pelo qual uma pessoa jurídica adquire bens de terceiros para alugá-los, sendo o bem

escolhido pelo arrendatário para uso próprio. Há ainda aqueles que classificam o leasing financeiro como o leasing propriamente dito.390

No iter a ser obedecido para celebração do contrato, a empresa arrendadora adquire de terceiro determinados bens móveis ou imóveis, de produção ou fruição ao arrendatário, para que, por prazo determinado, os utilize, mediante o pagamento de prestações pecuniárias periódicas.

É um contrato pelo qual o arrendante se obriga a entregar algum bem durável, móvel ou imóvel, mediante pagamentos periódicos, ao arrendatário, que poderá, ao final do prazo certo, optar pela renovação ou extinção do vínculo e, ainda, pela compra do objeto segundo preço previamente definido e descontadas as parcelas dadas.391

Nessa espécie de arrendamento mercantil caberá ao arrendatário a escolha e indicação do bem/objeto da avença, sendo buscado no mercado pela arrendadora para posterior utilização da empresa ou pessoa interessada na contratação dessa modalidade.

O valor da contraprestação paga pelo arrendatário em razão da utilização do bem, conforme preconiza Maria Helena Diniz,392 deverá ser suficiente para absorver o valor do investimento feito pela arrendadora e a remuneração do capital investido. Ou seja, o valor do investimento

388 Nesse sentido: DINIZ, Maria Helena. Tratado..., cit., p. 545.

389 Nesse sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: contratos..., cit., p. 688. 390 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing..., cit., p. 43

391 NADER, Paulo. Curso..., cit., p. 464-465. 392 Tratado..., cit., p. 545.

feito pela locadora, bem como a remuneração do capital investido, deverão ser absorvidos totalmente pelo aluguel.393

Não é por outra razão que Carlos Alberto Di Augustini e Alexandre Santana de Lima assim definem o leasing financeiro: “É a modalidade em que os pagamentos realizados pelo arrendatário (pessoa física ou jurídica) são suficientes para que a empresa de leasing recupere o custo do bem arrendado durante o contrato e obtenha um retorno sobre os recursos investidos”.394

No que tange ao objeto arrendado, o mesmo será sempre um bem infungível, podendo contemplar bens móveis ou imóveis. São arrendáveis: veículos, aeronaves, equipamentos de bancos, para escritório, para agricultura, para transporte, para processamento de dados etc., computadores, máquinas operativas, dentre outros bens.

Essa modalidade contratual traz ainda duas características basilares. A primeira delas corresponde à fixação prévia do valor residual para o exercício da opção de compra. Além disso, as despesas decorrentes ficarão por conta do arrendatário (essa é a regra) ou da arrendadora.

Frise-se ainda que o contrato se alonga por um prazo que corresponderá a no mínimo dois anos para bens de vida útil igual ou inferior a cinco anos; ou de três anos, para bens de maior duração, conforme dispõe o art. 8º da Resolução do Banco Central nº 2.309/96.

Ao término de vigência do contrato de arrendamento mercantil, caso opte pela aquisição do bem o fará pelo valor estipulado livremente no início das negociações, o qual varia de 1 a 95% do custo do bem, ou pelo valor de mercado, estando este valor excluído da base de cálculo das contraprestações.

É justamente o que preceitua o art. 5º da Resolução nº 2.309/96:

Art. 5º Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:

I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

393 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing..., cit., p. 56.

Por outro giro, torna-se oportuno salientar que a Lei nº 6.099/74 não faz referência ao denominado leasing operacional, sendo disciplinado através da Resolução nº 2.309/96 do Banco Central, trazendo sua previsão no parágrafo único do art. 1º.

A referida Resolução assim preceitua em seu art. 60, in verbis:

Art. 6º Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:

I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação à disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do “custo do bem”; II - o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado; IV - não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.

Encontramos opiniões doutrinárias que empregam com sinonímia leasing operacional e

renting, posicionando-se nesse sentido autores como Arnaldo Rizzardo395 e Carlos Roberto

Gonçalves396.

Em sentido contrário, Rodolfo de Camargo Mancuso trata distintamente as operações

renting e leasing operacional, considerando esta mais complexa, já que pressupõe a intercessão

de um elemento financeiro.397 Por rigorismo técnico e operacional, Maria Helena Diniz398 distingue o renting do leasing operacional. A autora esclarece que o leasing operacional (cessão de uso a curto prazo) é realizado com bens, via de regra, de valor considerável (ex. aviões) adquiridos pelo locador junto a terceiro, sendo dispensável intervenção de instituição financeira.

Já o renting, como corolário de suas elucidações, trata-se de negócio que faz referência a arrendamento realizado diretamente com o fabricante, dispensando-se o intermediário, sendo contrato que se liga a cláusula de assistência técnica dos bens alugados.

Por seu turno, Paulo Nader assevera que, na modalidade de leasing operacional, o arrendatário coloca à disposição do arrendatário, para uso, mediante pagamentos periódicos e prazo fixo determinado bem durável (máquinas, aparelhos e veículos), obrigando-se a dar assistência técnica. E arremata: “O contrato é celebrado por empresas que produzem

395 Leasing..., cit., p. 38.

396 Direito civil brasileiro: contratos..., cit., p. 688. 397 Leasing..., cit., p. 56.

determinados bens duráveis, notadamente pelos fabricantes de fotocopiadoras”.399 À guisa desse raciocínio, concluímos que o autor equipara o leasing operacional ao renting.

Arnaldo Rizzardo assim define a figura do leasing operacional:

Conhecido também como renting, expressa uma locação de instrumentos ou material, com cláusula de prestação de serviços, prevendo a opção de compra e a possibilidade de rescisão a qualquer tempo, desde que manifesta esta intenção com uma antecedência mínima razoável, em geral fixada em 30 dias.400

A Lei nº 6.099/74, além de não trazer em seu arcabouço a modalidade do leasing operacional, assim estabelece em seu art. 2º: “Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens contratado entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes, assim como o contratado com o próprio fabricante”.

Todavia, na opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso,401 no plano regulamentar essa vedação se encontra afastada, o que se conclui pela seguinte conjugação: o parágrafo único do art. 1º da Resolução Bacen 2.309/96 estabelece que o arrendamento mercantil poderá ser nas modalidades financeiro e operacional, atribuindo as características deste último através das modificações trazidas pela Resolução Bacen nº 2.465/98.

Afora discussões doutrinárias dessa natureza, algumas características do leasing operacional representam verdadeiras notas distintivas em relação ao leasing financeiro.

Frise-se primeiramente que os pagamentos realizados pelo arrendatário no leasing operacional remuneram o custo de arrendamento do bem e os serviços para colocação do bem em funcionamento, não podendo ultrapassar, no Brasil, 90% do custo do bem arrendado.

Ademais, as despesas de manutenção, assistência técnica e demais serviços são de responsabilidade da empresa de leasing, levando geralmente a empresa arrendadora a realizar e incluir no valor do arrendamento as despesas com manutenção e assistência técnica, pois o texto regulamentar faculta nessa modalidade a escolha entre o arrendador e arrendatário na incumbência de realizar a manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado.

399 Curso..., cit., p. 467. 400 Leasing..., cit., p. 38. 401 Leasing..., cit., p. 55.

Poderá ainda o arrendatário optar pela compra do bem ao término contratual pelo valor de mercado do bem arrendado, conforme previsão estampada no inciso III do art. 6º da Resolução Bacen nº 2.309/96, não havendo previsão para pagamento de valor residual.

Outro aspecto relevante que merece nossa atenção diz respeito ao prazo mínimo estabelecido pelo Banco Central para um contrato de leasing operacional, que será de 90 (noventa) dias, em consonância com o disposto no inciso II do art. 8º da Resolução Bacen supramencionada.

De acordo com as ilações de Rodolfo de Camargo Mancuso, podemos destacar ainda as seguintes características básicas do leasing operacional:

• O mesmo material pode ser alugado várias vezes a locatários diversos; • É dispensável a intervenção de instituição financeira;

• Tem por objeto materiais estandardizados, geralmente mantidos em estoque do locador. Embora não tenhamos intenção de tratar com muita profundidade da matéria em comento, vale ainda registrar o entendimento de José Francisco Lopes de Miranda Leão.402 Sua opinião é no sentido de considerar o leasing operacional como uma espécie do leasing financeiro, com aspectos peculiares, permitindo a introdução de pactuações que se aproximam ainda mais da locação.

Justifica seu raciocínio nas premissas ventiladas pela Resolução Bacen nº 2.309/96, que introduziu a modalidade que denominou arrendamento mercantil operacional, adotou denominação que indica uma limitação ao aspecto puramente do negócio. Ademais, anota o autor que as características categoriais que foram definidas no âmbito regulamentar atribuíram ao negócio jurídico feição claramente financeira, ainda que mitigada.

Seu raciocínio é conclusivo:

Ao prever essa modalidade de operação, o Conselho Monetário na realidade abriu para as empresas por ele reguladas e componentes do sistema tributário financeiro (bancos múltiplos, bancos de investimento e sociedades de arrendamento mercantil) uma modalidade de contratação mais próxima da que é praticada pelas empresas de locação de bens móveis, mitigando o rigor financeiro do negócio.403

402 Leasing..., cit., p. 33-35. 403 Idem, ibidem.

Reputamos relevantes e necessárias as considerações atinentes ao contrato de leasing e suas espécies, cujos conceitos e natureza serão empregados um pouco mais adiante quando do estudo da incidência do ISSQN nas operações de arrendamento mercantil.