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2 ENSINO SUPERIOR

2.2 Ensino superior brasileiro

2.2.1 Legado de Portugal à formação da idéia de universidade no Brasil

As principais influências culturais ocorridas no Brasil a partir da colonização portuguesa na forma de pensar e fazer educação no país são o principal objetivo desta análise.

Freqüentemente a introdução tardia das universidades no Brasil – em 1920 - é justificada pela forte centralização do ensino superior em Portugal ou ainda porque o governo português não tinha interesse de dominar a colônia. Entretanto, vários fatos históricos remetem para outras hipóteses.

Em primeiro lugar enquanto colônia de Portugal, o governo português não detinha o controle sobre as terras brasileiras a partir da sua expansão territorial (expulsão dos holandeses, franceses, nativos do interior, colonização imigrante no sul do país). Esta situação se agravou quando da entrada dos senhores de engenho (aristocracia) no governo imperial. De acordo com Costa (1999) “os colonos que em princípio se consideravam portugueses do Brasil [...] perceberam, cada vez mais claramente, a incompatibilidade existente entre os seus interesses e os interesses metropolitanos”. As idéias de liberdade não tardaram a se fixar na colônia,

principalmente influenciadas pela Revolução Inglesa e Francesa; portanto, uma universidade poderia fomentar ainda mais esse ideal.

Em segundo lugar, especialmente entre o século XVI e XVII, a história de Portugal caracterizou-se por sucessões de crises internas e externas, com profundo atraso educacional e científico. A partir de 1630, a Inquisição reprimia as idéias consideradas heréticas e na única universidade de Coimbra definia o currículo, perseguia e matava os intelectuais contrários aos dogmas da Igreja e censurava a livre expressão, fato que marcou profundamente a formação cultural do país. Assim, enquanto a Espanha com oito universidades tinha condições de transferir intelectuais para as suas colônias na América2, Portugal se o fizesse fecharia as portas de sua universidade (COELHO, 2000).

Em terceiro lugar, o Brasil na percepção dos portugueses (governo/povo) era o paraíso tupiniquim por sua riqueza natural, mas também o inferno pela tipologia humana existente (diversidade étnica, religiosidade africana e indígena). Na mesma proporção em que a Igreja doutrinava os portugueses para a fé em Deus, reforçava a existência do diabo, em uma cultura popular portuguesa já caracterizada pela superstição, misticismo e crenças (benzedeiras, adivinhadores, feiticeiros). Neste contexto, o Brasil no imaginário popular português era o purgatório3, o lugar para expurgar os pecados dos criminosos, loucos e dos renascentistas insensatos (VAINFAS, 1988; SOUZA, 1998).

2Segundo Trindade (1999) na América Espanhola é estruturada a universidade logo após a chegada dos conquistadores espanhóis. Assim, a primeira instituição de ensino superior da América data de 1538, em Santo Domingo, na América Central. Enquanto que, na América Inglesa a primeira instituição de ensino superior foi a Havard, fundada em 1636 por um grupo de pessoas com forte orientação calvinista (OLIVEN, 2005).

3 Sobre esta tese, entretanto, existem discussões que apontam num sentido oposto. Por exemplo, Holanda (2002) descreve que durante a descoberta e colonização das Américas, no imaginário das nações européias – em especial Portugal e Espanha – se pensou que este continente fosse o “paraíso terreal”.

Cabe ressaltar que na Europa medieval o homem sensato era considerado filho de Deus por ser submisso e, o subversivo à ordem estabelecida, por sua vez, era o insensato considerado cria do diabo e se não era condenado à morte, restava ser internado em hospícios ou exilado (FOUCAULT, 1972).

Em quarto lugar, o Brasil na perspectiva do governo português era um espaço para ser economicamente explorado, sem a intenção de prover um desenvolvimento social ou econômico.

Finalmente, a mentalidade medieval não reconhecia a infância, quiçá a adolescência. O infanticídio, a negligência, a violência, os abusos eram generalizados e tidos como normais. A criança pobre ou não era uma "coisinha", que tanto poderia sobreviver como não e, por isso, "não contava4" (RESENDE, 1999, p.149).

Em síntese, se a idéia de implantar políticas educacionais no Brasil Colônia para a formação de uma Nação dependesse da cultura popular e da gestão governamental de Portugal, dificilmente se concretizaria. Afinal, na mentalidade portuguesa medieval: por que oferecer ensino aos filhos do diabo?

Em uma sociedade escravagista, com economia baseada na monocultura e na exploração dos recursos naturais pela força braçal e diante da invisibilidade social das crianças, para que escola?

Mesmo se houvesse interesse, Portugal não tinha intelectuais suficientes para oferecer sem comprometer a sua universidade. Também não havia interesse dos intelectuais das universidades européias perderem os privilégios e benefícios para atender uma ínfima minoria em terras tupiniquins.

Foi então que apareceu a ordem dos jesuítas, uma congregação diretamente financiada pelo papado instituída para combater a Reforma de

4 Para exemplificar, o grau de insignificância da criança pobre, encontra—se no seguinte registro sobre prática em casos de naufrágios: “Os miúdos dificilmente tinham prioridade de embarque. [...] Um barril de água ou biscoito, segundo a ótica quinhentista, tinha prioridade de embarque no batel sobre os pequenos não pertencentes à nobreza (RAMOS, 2007, p 42).

Lutero na Europa. Esse movimento foi chamado de Contra Reforma e se expandiu na Europa e nas Américas com a missão de catequizar e combater as idéias protestantes. No Brasil os padres jesuítas foram responsáveis pela educação por 210 anos, até sua expulsão pelo governo português.

Durante sua permanência no país, os Jesuítas foram encarregados por transmitir todo o conteúdo cultural – dotado de exagerado “apego ao dogma e à autoridade, a tradição escolástica e literária, o desinteresse quase total pela ciência e a repugnância pelas atividades técnicas e artísticas [...]” (ROMANELLI, 2003, p. 34).

As primeiras escolas superiores no Brasil surgem para preparar os servidores da ordem “[...] para o exercício do sacerdócio e foi principalmente, para eles que se fundaram os colégios, onde se passou a ministrar o ensino das ciências humanas, as letras e as ciências teológicas” (ROMANELLI, 2003, p.38).

Assim, o que existia era a ensino superior religioso para ingresso na classe sacerdotal, que não poderia configurar-se necessariamente como uma educação superior estruturada. Já os filhos dos senhores de engenho que não queriam seguir a carreira eclesiástica eram encaminhados para a Europa, para completarem seus estudos e, posteriormente, voltarem letrados para o Brasil (ROMANELLI, 2003).

Quando ocorreu a expulsão dos jesuítas houve algumas iniciativas para manter o ensino superior, mas também foram desmanteladas. De acordo com Fávero (2006) o governo português as impediu para evitar qualquer iniciativa de independência da colônia.

Não havia razão para Portugal manter escolas superiores ou implantar uma universidade no Brasil, pois a minoria que tinha condições de acesso preferia estudar nas universidades européias, sendo que a situação considerada um status social entre a aristocracia brasileira era a de ter um filho formado na Europa e o outro formado como padre. Logicamente, com o modelo econômico agroexportador instituído praticamente não havia necessidade de intelectuais (SAMPAIO, 2000; BUARQUE, 2003).

O ensino superior retorna a partir da chegada da família real para o Brasil no início do século XIX, com o objetivo de formar oficiais do exército e da marinha, engenheiros militares e médicos; assim, o modelo de universidade tradicional européia foi substituído por cursos profissionalizantes. O caráter técnico e profissional, a elitização e o caráter serviçal para atender os interesses da coroa forjaram o modelo de universidade no Brasil (ROMANELLI, 2003).

Destarte, as primeiras instituições de ensino superior no Brasil não foram estruturadas de acordo com o modelo tradicional europeu por diversas razões: a percepção jesuítica sobre o ensino superior para a formação de padres; a visão do governo português de formar pessoal para setor administrativo-burocrático e para a defesa militar e a entrada tardia do pensamento liberal na agenda da aristocracia brasileira, dentre outras circunstâncias.

Ainda distante destes acontecimentos, o Brasil teve acesso marginal às idéias liberais, mesmo diante da política de censura de Portugal, por meio dos filhos da aristocracia diplomados na Europa que retornavam com os novos ideais, instigando a curiosidade da classe dominante, pois era comum o contrabando dos livros considerados hereges.

Do ponto de vista social e econômico, podemos afirmar que, no final do império já se percebia um cenário um pouco mais complexo: a expansão da lavoura cafeeira; algumas iniciativas industriais; a política imigratória e o fortalecimento da burguesia urbana. Porém, o ensino superior somente se coloca como uma política de Estado no período republicado, conforme apresentado na próxima seção.