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A LEGALIDADE DA INTERVENÇÃO AMERICANA

Logo após os ataques e os pronunciamentos ao povo americano e à comunidade internacional, os Estados Unidos alertaram o grupo Talibã, demandando a extradição de bin Laden, além de outras ordens como a liberação dos presos americanos.

Segundo Saraiva (2009) apud Arantes (2002), ao ser exigido do grupo Talibã a entrega de bin Laden, houve a recusa por parte do grupo, ainda que de forma cautelosa, pedindo por provas do envolvimento do mesmo antes de decidirem sobre a sua possível deportação. As provas foram mantidas como secretas pelo governo americano.

Exigir as provas dos responsáveis pelo atentado pode parecer absurdo, mas deve-se considerar que a Al-Qaeda era de fato uma aliada do grupo Talibã, e que seu líder, Osama bin Laden, não assumiu sua participação nos atentados terroristas ao conceder a entrevista para a rede televisiva Al Jazeera, deixando margem para dúvida em relação à acusação americana.

Analisando o contexto do 11 de setembro, é natural concluir que o governo e o povo americano clamavam por penalizar os responsáveis pelo atentado. Ao exigir do Afeganistão a entrega de bin Laden, há de se levar em conta o destino incerto do mesmo.

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todo homem tem direito a uma audiência por parte de um tribunal independente e imparcial. Considerando que os Estados Unidos sofreram um ataque surpresa unilateral, matando mais de 5000 civis, dificilmente seria possível um julgamento imparcial ao mentor dos atentados, Osama bin Laden. Sendo assim, é também natural a recusa

Talibã de entregar seu maior aliado às mãos americanas. Ainda que não o tenham feito, o grupo Talibã poderia usar como desculpa tal justificativa para a recusa da entrega do terrorista.

Com a negativa do grupo Talibã de entregar o bin Laden, baseados no Artigo 51, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 7 de outubro de 2001. O tendo como justificativa da invasão, o artigo das Nações Unidas (1945) que diz que:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

A Carta das Nações Unidos proíbe o uso da força, primando sempre por uma resolução pacífica dos conflitos, O artigo 51 é uma exceção, só podendo ser invocado se existir de fato um ataque armado passível de legítima defesa.

Os Estados Unidos consideraram que os atentados corresponderam a um ataque armado devido a proporção do ataque, suas consequências e o fato de que as aeronaves foram usadas como mísseis. Houve este mesmo entendimento por parte dos países-membros do TIAR e da OTAN, que também consideraram o ataque passível de legítima defesa. (SOUZA, 2008).

O ataque convocou, não só pelo Tratado do Atlântico Norte, mas também pela lógica da segurança coletiva, resposta imediata e enérgica de todos os demais Estados-membros. Segundo Castro (2007), a segurança coletiva se fundamenta em um estatuto jurídico governante, na deliberação coletiva e na resposta conjunta em razão do ato de agressão ou ameaça de agressão. Não sendo o mesmo que segurança universal, mas representando os interesses daqueles que corroboram com esse estatuto jurídico governante. Os Estados Unidos, no caso do Afeganistão, interpretam o conceito de segurança coletiva como sendo o mesmo que segurança global, como sendo não sendo apenas uma ameaça ao seu Estado e sua hegemonia, e sim, uma ameaça universal.

Já conselho de segurança da ONU, não autorizou expressamente o uso desse direito, ainda assim observa-se sua aprovação a partir da análise das resoluções subsequentes ao 11 de setembro.

A primeira resolução, a Resolução 1368 do Conselho de Segurança, adotada por unanimidade no dia 12 de setembro de 2001, rotulou os ataques de 11 de setembro como ataques terroristas, ameaçando a segurança internacional.

A resolução 1373 de 2001, reafirma a resolução 1368, novamente condenando os ataques de 11 de setembro, alegando que estes constituem uma ameaça à paz, afirmando que “Tais atos, como qualquer ato de terrorismo internacional, constitui uma ameaça internacional a paz e a segurança”8. (NAÇÕES

UNIDAS, 2001, tradução nossa).

A resolução deixa claro que legitima o direito à legítima defesa, ainda que não mencione contra quem possa ser utilizado esse direito, porém afirmando que todo Estado tem o dever de prevenir e combater o terrorismo, ao afirmar na resolução 1373: “Reafirmando o direito inerente à legítima defesa individual ou coletiva, conforme reconhecido pela Carta das Nações Unidas, como reiterado na resolução 1368” 9 (NAÇÕES UNIDAS, 2001).

A Resolução ainda prevê, como sendo um dever dos Estados “negar refúgio para aqueles que financiam, planejam, apoiam ou cometem atos terroristas ou fornecem refúgio” (NAÇÕES UNIDAS, 2001, tradução nossa)10.

A Resolução 1373 das nações Unidas (2001) ainda aponta:

Apelando aos Estados para que trabalhem em conjunto, com urgência, para prevenir e reprimir os actos terroristas, incluindo através de uma maior cooperação e plena implementação das convenções internacionais relevantes relacionadas com o terrorismo.11

8

“such acts, like any act of international terrorism, constitute a threat to international peace and security”

9

“Reaffirming the inherent right of individual or collective self-defense as recognized by the Charter of the United Nations as reiterated in resolution 1368”

10

“deny safe haven to those who finance, plan, support, or commit terrorist acts, or provide safe havens”.

11

“Calling on States to work together urgently to prevent and suppress terrorist acts, including through increased cooperation and full implementation of the relevant international conventions relating to terrorism. “

A resolução 1373 ainda convoca todos os Estados a se unirem e trocarem informações com o intuito de combater o terrorismo. Por fim, entende-se que as resoluções 1368 e 1373 permitem o uso da força invocando a legítima defesa no caso.

Há também autores que acreditam que o direito à legítima defesa não precisaria e nem deveria ser dado pelo Conselho de Segurança a qualquer Estado, considerando que “esse direito é inerente à vítima. Sob o Artigo 51, defesa pessoal é um direito exercível a direito exclusivo de um Estado atacado, não uma licença garantida pela decisão do Conselho de Segurança”12 (FRANCE, 2001 - pg. 840).

Sendo assim, é imprescindível que haja evidência para o uso da legítima defesa, mas não se deve esperar uma autorização para tal.

Ainda assim, diversos autores questionam a legalidade do uso do direito à legítima defesa pelos Estados Unidos em relação ao 11 de setembro.

Segundo Souza (2008, p. 126):

Ao intervirem militarmente no Afeganistão, algumas semanas depois, os Estados Unidos não estavam usando da força armada para repelir um ataque em andamento; portanto, o critério da necessidade na acepção original (instantânea, irresistível, não permitindo uma opção por outros meios e não deixando momento algum para deliberação) não estaria presente. É no contexto peculiar da situação de risco, porém, que se deve analisar a adequação dos critérios da legítima defesa. Ao justificar o uso da força no Afeganistão, os Estados Unidos invocaram o direito de legítima defesa em resposta aos ataques sofridos e informaram que o objetivo da ação era prevenir e deter mais ataques contra os Estados Unidos.

Assim, autores questionam o elemento de existir um ataque iminente, alegando que só assim poderia existir o uso armado baseado na alegação de legítima defesa. A possibilidade de ataque iminente não é visível considerando que não houveram justificativas para se acreditar que viriam mais ataques depois do 11 de setembro.

Diante da abrangência do Artigo 51, é difícil constatar se o elemento de haver um ataque iminente é de fato exigido ao alegar legítima defesa.

12

“that right is ‘inherent’ in the victim. Under Article 51, self-defense is a right exercisable at the sole discretion of an attacked state, not a license to be granted by decision of the Security Council.”

Há outro elemento que gera dúvidas quanto à empregabilidade do uso do direito de legítima defesa no caso afegão. Segundo Saraiva (2009), para que a intervenção no Afeganistão por meio do uso da legítima defesa precisaria haver um ataque armado aos Estados Unidos atribuível ao Afeganistão.

Há uma discordância entre autores no que se refere ao tratamento e classificação em relação ao Talibã, onde alguns concordam que os Estados Unidos poderiam considerar o grupo como terroristas, como responsáveis pelos atos de terror cometidos em 11 de setembro. Outros autores consideram que para punir e considerar o Talibã como um grupo terrorista ou responsabilizar o grupo pelos atos de terror, seria necessário que os oficiais do governo estivessem ligados à execução do ataque. Assim, no segundo caso, onde o grupo Talibã não pode ser responsabilizado diretamente pelo ataque, não deveria haver o uso da força como medida de combate.

Torna-se duvidável a legitimidade da atribuição da responsabilidade ao Afeganistão ou ao Talibã se analisarmos a verdadeira ligação do grupo Talibã com os atentados.

No caso, não há um ator estatal que de fato possa ser considerado culpado pelos atos terroristas de 11 de setembro, assim, não há contra quem possa ser utilizado o direito de legítima defesa. Não foi o governo afegão diretamente o responsável ou o mandatário de tais ações, não havendo nem mesmo suspeitas de qualquer envolvimento direto por parte do Estado nos ataques. O fato de abrigar em seu território o culpado pelos ataques seria suficiente para legitimar a “defesa” americana, responsabilizando assim, o Afeganistão como um todo pelo ataque?

Segundo Sousa (2013), justificar o ataque contra o Afeganistão como legítima defesa é excessivo, considerando que o Talibã não estava envolvido diretamente no ataque e sequer apoiava financeiramente ou coordenava qualquer parte da organização Al-Qaeda. Sendo assim, não havia provas de o Talibã sequer ter sido cúmplice do atentado. De fato, o grupo dava abriga à Al-Qaeda, mas não exerciam nenhum controle sobre a organização, a relação era muito mais de dependência, já que a Al-Qaeda os apoiava em sua luta contra a Aliança do Norte.

Ainda que o grupo Talibã fosse de fato considerado responsável pelo ataque terrorista, imputar a responsabilidade sobre o Estado afegão e invadir seu território feriria a soberania do Estado considerando que o Talibã não era reconhecido pelos Estados Unidos, até então, como governo oficial do Afeganistão. Sequer a ONU

reconhecia o Talibã como governo oficial do Afeganistão, e reconhecendo-o como “facção afegã que se autodenomina Emirado Islâmico do Afeganistão” (SOUZA, 2008)

Considera-se também que os Estados Unidos poderiam responder aos ataques terroristas atacando diretamente as bases e instalações do grupo terrorista que cometeu os ataques, ou seja, da Al-Qaeda. Isso já havia sido feito no caso dos ataques terroristas anteriores às embaixadas americanas em Nairobi e Salaam, onde foram bombardeadas estruturas específicas. É provável que os Estados Unidos possuam instrumentos para realizarem uma guerra cirúrgica contra o terrorismo, buscando minimizar os danos aos civis e evitando atingir o Afeganistão como um todo, e não sendo necessário invadi-lo.

Não havendo o elemento de proporcionalidade, o uso da força pode ser considerado apenas como represália.

De acordo com Cassese (2001, p. 999, tradução nossa):

O uso da força militar deve ser proporcional, não o massacre causado pelos terroristas no 11 de setembro, mas para tal uso, que: (1) para deter os supostos responsáveis pelos crimes e (2), para destruir objetivos militares, como estruturas, campos de treinamento e instalações similares usadas por terroristas. Força pode não ser usadas para acabar com a liderança afegã ou destruir instalações militares e outros objetivos militares que não tinham nada a ver com as organizações terroristas, a menos que a autoridade central do Afeganistão mostre por palavras ou ações aprovar e endossar a ação de organizações terroristas.13

Assim, a ação americana deveria restringir-se a localizar e punir os responsáveis direitos que organizaram e coordenaram o ataque, exercendo a legítima defesa, mas obedecendo o requisito da proporcionalidade.

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