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Construindo o terrorista: um estudo de caso sobre o grupo Talibã

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CONSTRUINDO O TERRORISTA:

UM ESTUDO DE CASO SOBRE O GRUPO TALIBÃ

Florianópolis 2018

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CONSTRUINDO O TERRORISTA:

UM ESTUDO DE CASO SOBRE O GRUPO TALIBÃ

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Rafael de Miranda Santos, Dr.

Florianópolis 2018

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TERRORISMO COMO TÁTICA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O TALIBÃ

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 20 de novembro de 2018.

______________________________________________________ Professor e orientador Rafael de Miranda Santos, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Silvano Denega Souza, Ms.

Universidade Federal de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Ricardo Neumann, Dr.

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Começo agradecendo àqueles que são os pilares da minha vida, minha família, que investiram nos meus estudos e depositaram confiança em mim durante toda minha vida, demostrando apoio incondicional às minhas escolhas e me auxiliando durante todo o processo desta formação.

Agradeço ao meu namorado e melhor amigo, Ian, sem a sua ajuda e apoio a realização desse trabalho seria bem mais dificultosa.

Gostaria também de agradecer a todos os professores que contribuíram para a minha formação até então. Em especial, gostaria de agradecer ao professor Rafael, meu orientador, que compartilhou de forma honrável seus conhecimentos e seu tempo para a construção desse trabalho. E Silvia, minha estimada coordenadora, que em tantos momentos desta jornada esteve me acompanhando e contribuindo para que pudesse chegar ao final desta importante parte da minha vida.

Registro meus agradecimentos a UNISUL, instituição a qual nutro profunda gratidão, por ter me ofertado um espaço de aprendizagem e discussão, que me proporcionaram uma melhor formação a nível acadêmico e social.

Por último, mas não menos importante, agradeço imensamente aos membros da banca pela oportunidade de apresentar o conhecimento adquirido.

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Esta monografia se dispõe a analisar a ação norte-americana e ocidental no Afeganistão, e como se deu a construção do inimigo como terrorista. Para isso, foi contextualizado cronologicamente a questão afegã, com foco na intervenção americana, e na influência ocidental no caso em contraposição ao regime Talibã. Foi relatada a atuação do Conselho de Segurança, demonstrando que sua ação em relação ao Afeganistão se intensificou apenas após o 11 de setembro. Como parte da análise da ação americana, foi realizado um debate acerca da legalidade da intervenção americana, explanando suas justificativas, assim como suas manobras frente ao direito internacional. Foi apresentada uma análise de como se deu a construção do inimigo como terrorista, observando a utilização da falta de conceito do termo terrorismo como ferramenta para que o discurso securitizador se tornasse eficaz, justificando, aos olhos da opinião pública e dos aliados ocidentais, a intervenção americana no Afeganistão.

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This work analyses the north American action in Afghanistan and how was the construction of the terrorist as the enemy. For this, was contextualized chronologically the afghan issue, focusing the American intervention, and the western influence in the issue as opposed to the Taliban regime. Was shown the action of the Security Council, demonstrating that its action about Afghanistan intensified only after 9/11. As part of the analysis of the American action, was realized a debate about the legality of the American intervention, showing their justifications and their moves towards the international law. It was presented an analysis about how the construction of the enemy as the terrorist was, noting the use of the lack of concept about the term terrorism as a tool to make the securitization speech effective, justifying the American intervention in Afghanistan in the eyes of the public and Western allies.

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1 INTRODUÇÃO...12 1.1 OBJETIVOS...13 1.1.1 Objetivo geral...13 1.1.2 Objetivos específicos...13 1.2 JUSTIFICATIVA...13 1.3 METODOLOGIA...14 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...16

2.1 A ORDEM MUNDIAL NO PÓS GUERRA FRIA...16

2.1.1 A evolução na segurança internacional...16

2.1.2 Terrorismo, um não conceito...17

2.1.3 Securitização...18

2.1.4 Choque de civilizações...19

2.2 DILEMA DE SEGURANÇA...20

2.3 SEGURANÇA COLETIVA...21

2.4 CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E OTAN...22

2.5 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS...23

3 O CONFLITO AFEGÃO E O TALIBÃ...25

3.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO TALIBÃ...25

3.2 O PAPEL DA ONU NA QUESTÃO DO AFEGANISTÃO...28

3.3 A INVASÃO AMERICANA E SUAS CONSEQUÊNCIAS...33

3.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS...40

4 TALIBÃ COMO INIMIGO...42

4.1 A LEGALIDADE DA INTERVENÇÃO AMERICANA...42

4.2 A CONSTRUÇÃO DO INIMIGO...47

4.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS...56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...58

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1 INTRODUÇÃO

Há muitas décadas tenta-se dominar o Afeganistão, denotando sua importância estratégica e econômica. Nesse turbilhão de eventos que podemos apontar ao observar a cronologia histórica da política no país desde a invasão soviética, há muitos atores e interesses a serem analisados.

Este estudo permeia a área de segurança internacional, se tornando um estudo de caso sobre a atuação Talibã no Afeganistão, buscando analisar como se deu a transformação perante os olhos da comunidade internacional do grupo Talibã como grupo terrorista.

Durante a Guerra Fria, os estudos sobre segurança internacional eram um dos enfoques nos estudos das relações internacionais, em um contexto em que estudar segurança internacional era praticamente estudar relações entre União Soviética e USA. Após terminado o conflito, tanto a pesquisa acadêmica quanto a mídia, demonstraram reduzir o interesse nesta área. O 11 de setembro surge como um marco histórico nas pesquisas de segurança internacional, pois tanto mudaram seu enfoque quanto seus estudos voltaram a ser relevantemente reconhecidos.

A chamada “guerra contra o terror” se tornou a grande pauta na área de segurança dos Estados Unidos e do Ocidente, levando a uma onda de enfrentamento das grandes potências e das organizações internacionais, aos movimentos classificados como terroristas.

Atos de terror sempre estiveram presentes na história da humanidade e sempre foram motivo para despertar o medo das vítimas desse tipo de violência. Ainda assim, foi apenas depois do 11 de setembro que os estudos de segurança internacional deram maior espaço para estudar e compreender o fenômeno terrorista. Sem conceito definido, o termo é utilizado livremente e aplicado muitas vezes de maneira conveniente para quem está utilizando-o. Sua classificação abrangente permite aos Estados, à exemplo dos Estados Unidos, no episódio do 11 de setembro, utilizar-se deste termo para acusar e construir um inimigo, como o fez em relação ao Afeganistão, considerando-os terroristas simplesmente por concederem refúgio aos supostos mentores do ataque.

Assim, observamos que por não possuir um conceito claro, o termo terrorismo possui uma linha tênue entre movimento político e ações terroristas, permitindo que discursos securitizadores, como o do presidente Bush, passem ao espectador o

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entendimento que ações de terror são uma finalidade por si só, não havendo justificativas para tal. A ameaça terrorista é crescente no cenário atual, demandando maior compreensão de suas causas e consequências, tendo uma carência de estudos aprofundados na área.

Essas novas ameaças presentes no sistema internacional mudaram as perspectivas de segurança internacional, vindo não mais apenas de atores estatais, e sim ameaças de natureza dificilmente conceituáveis e de complexo enfrentamento. A percepção acerca destas ameaças notadamente muda de acordo com o ponto de vista das forças atuantes envolvidas, sendo assim, muitos dos conflitos no Oriente Médio, incluindo o conflito no Afeganistão, tem diferentes versões e apontamentos.

Por fim, esta pesquisa também busca analisar a ação Ocidental, observando seu envolvimento direto no caso ao intervir militarmente no Afeganistão.

1.1 OBJETIVOS

Esta secção busca explicitar quais seriam os objetivos, gerais e específicos, desta pesquisa.

1.1.1 Objetivo geral

Entender as diferentes visões acerca do terrorismo, analisando o caso Afegão.

1.1.2 Objetivos específicos

 Apresentar os elementos teóricos-conceituais que irão nortear a análise do estudo de caso;

 Analisar como se deu o processo de construção do inimigo como terrorista;

 Abordar as ações e intervenções ocidentais no caso, e sua legalidade.

1.2 JUSTIFICATIVA

A partir do período Pós-Guerra Fria, os estudos que permeiam os temas de segurança estão cada vez mais presentes na composição dos estudos de Relações

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Internacionais. Sendo a realização de pesquisa acerca de segurança internacional de suma importância, envolvendo o debate em diversas áreas, tornando o terrorismo um tema altamente pertinente diante da conjuntura internacional atual. Sendo um tema de importância global, a questão afegã ainda há muito a ser estudada, pois além de ainda ser uma pauta da atualidade, ela envolve forças atuantes significativas no cenário internacional e apresenta diferentes interpretações dos atos cometidos pelas partes envolvidas.

Há pouca produção sobre a questão afegã diante da perspectiva da segurança internacional nos anos recentes, tendo a minha pesquisa como diferencial a análise documental aprofundada do caso.

Por fim, sempre tive grande interesse pessoal na questão, que está tão perto e ao mesmo tão longe de nossa realidade. Senti necessidade de realizar a minha pesquisa sobre este tema pois acredito que os conhecimentos que esta pesquisa me trará serão estruturantes na minha formação acadêmica.

1.3 METODOLOGIA

O objetivo deste capítulo é apresentar os procedimentos metodológicos utilizados para guiar a pesquisa.

Em relação à natureza da pesquisa ela é qualitativa, pois busca a descrição e compreensão do movimento talibã. A sua aplicabilidade é básica e quanto aos seus objetivos, a pesquisa é explicativa, pois ela busca entender os fatores envolvidos no caso, buscando compreender o que levou historicamente e politicamente aos resultados e consequências atuais no Afeganistão. Além disso, também busca a compreensão do fenômeno crescente que é a ascensão de movimentos classificados como terroristas.

No que se refere aos procedimentos técnicos, a pesquisa é um estudo de caso, onde se analisa profundamente o tema pesquisado, levando em consideração os principais fatores que envolvem o caso. Esse estudo será feito por meio de uma análise documental e de fontes bibliográficas, utilizando-se principalmente de relatórios americanos disponíveis, publicações acadêmicas, resoluções da ONU e vídeos documentados. Nesta pesquisa, foram utilizados como base os estudos principalmente de Barry Buzan e Samuel Huntington, que abordam questões ligadas

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à segurança internacional e teorias que embasam o comportamento dos Estados perante o sistema.

Foram realizados neste trabalho os procedimentos típicos de um estudo de caso, por meio de uma análise do movimento Talibã durante o período a partir de 1996 e 2017.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo serão abordados os principais conceitos que permeiam a área de segurança internacional e que são pertinentes para a análise do caso.

2.1 A ORDEM MUNDIAL NO PÓS GUERRA FRIA

Segundo Kissinger (1994), a cada século surge um Estado com o poder e a vontade para moldar a sociedade internacional de acordo com os seus próprios valores, determinando uma ordem internacional. Isso se observa desde a França de Richelieu, a Inglaterra com a balança de poder, a Áustria com o Concerto europeu e a Alemanha de Bismarck o rompendo.

Atualmente, são os Estados Unidos que assumem a liderança internacional, buscando a construção de uma nova ordem internacional, teoricamente pautada pela difusão da democracia. De acordo com Kissinger (1994), o que é novo na ordem mundial liderada pelos EUA é que, pela primeira vez, eles não podem se abster no sistema internacional, porém tampouco dominá-lo, devido a multipolaridade existente. Portanto, é uma ordem mundial marcada por diversas grandes e médias potências atuando.

2.1.1 A evolução na segurança internacional

No início dos estudos sobre temas ligados a segurança internacional, o foco era nos Estados e eram embasados a partir de uma lente político-militar. Foi somente após a segunda guerra que o tema segurança em si se tornou o centro da análise dos estudos, sendo anteriormente totalmente voltado para a defesa ou a guerra. (BUZAN, 2007)

Já durante o período marcado pela Guerra Fria, estudar segurança era praticamente sinônimo de estudar as relações EUA-Rússia, em um contexto onde se observava claramente a dinâmica do dilema de segurança, marcado pela bipolaridade. Grandes contribuições partiram da Escola de Copenhague durante este período. Inclusive, durante os anos 50 e 60, os estudos na área alavancaram, sendo essa época conhecida como “Anos Dourados”, pela pesquisa e literatura produzir em massa estudos sobre segurança internacional. (BUZAN, 2007)

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A ideia waltziana de estabilidade a partir de um sistema bipolar se enfraquece com o início do desenvolvimento de armas nucleares, pois, segundo Buzan (2007), dois Estados com armas nucleares são tudo menos estáveis.

Após anos 60, com as potências já possuindo um maciço arsenal nuclear, a ideia de um possível conflito foi enfraquecida pelo dilema suicida. Nesse período, as teorias realistas ganharam força. (BUZAN, 2007)

Nas décadas de 70 e 80, por sua vez, o surgimento de novas dinâmicas no sistema internacional forçaram os estudos a colocar na agenda questões como meio-ambiente, economia, direitos humanos, considerando também os novos atores no sistema internacional. (BUZAN, 2007)

O marco para a segurança internacional veio a ser o onze de setembro. Onde, a partir daí os estudos acerca da segurança coletiva começaram a ganhar força, emergindo pautas relacionadas a conflitos transnacionais, incluindo a ameaça terrorista. O investimento na tecnologia militar também ganhou fôlego, com as grandes potências investindo em inteligência tecnológica. (BUZAN, 2007)

2.1.2 Terrorismo, um não conceito

O terrorismo não deve ser visto como uma ideologia por si só, e sim como uma tática, sendo uma estratégia utilizada com o intuito de se obter uma finalidade específica. Esta tática é frequentemente utilizada em guerras assimétricas, onde uma das partes obtém vantagens desproporcionais.

Com a Revolução Islâmica, surgiu a utilização do “terrorismo” como consequência do fundamentalismo religioso. Assim movimentos denominados terroristas, atuantes principalmente no grande Oriente Médio começaram a surgir e ganhar força. Movimentos de grupos como Hezbollah, Hamas, Talibã, Estado Islâmico recebem forte acusação por parte da comunidade internacional por praticarem atos de terror. Este século é marcado pela promoção da guerra ao terror, onde o Ocidente, principalmente os EUA, combatem aquilo que julgam ser atos terroristas.

Não existe definição específica para o tão utilizado termo “terrorismo”, sendo, na verdade, um não conceito. O terrorismo é conceituado com as definições mais diversas, onde dificilmente se chega a um consenso acerca do termo. Nas duas

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últimas décadas o uso da palavra “terrorismo” tem crescido exponencialmente, em diferentes contextos, atribuído aos mais diversos grupos e com as mais diversas finalidades. A conceituação do termo é tão variada que até mesmo dentro dos próprios Estados e organizações há diferentes conceitos, como dentro dos EUA, onde a CIA, o FBI e o departamento de defesa tem conceitos e visões diferentes do termo.

Segundo Kofi Annan, em 2005, classificou terrorismo da seguinte forma: "Terrorismo é qualquer ato que tem como objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participa ativamente das hostilidades, numa situação que visa intimidar a população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato". No presente trabalho, utilizaremos da classificação acima, considerando também o terrorismo de Estado, onde Estados também podem ser não apenas as vítimas, mas também os causadores dos atos de terror.

2.1.3 Securitização

O termo foi criado pela Escola de Copenhagen e é utilizado como ferramenta por diversos agentes securitizadores para justificar ações fora dos padrões da normalidade política. A securitização é um processo pelo qual um objeto é transformado em uma matéria de segurança, saindo do âmbito apenas político e transformando-o em uma ameaça existencial e imediata. (BUZAN, 1998).

Segundo Buzan (1998, p. 21, tradução nossa):

É quando uma questão é apresentada como uma ameaça existencial a um objeto de referência designado (tradicionalmente, mas não necessariamente, o estado, incorporando governo, território e sociedade). A natureza especial das ameaças de segurança justifica o uso de medidas extraordinárias para lidar com elas. A invocação da segurança tem sido a chave para legitimar o uso da força, mas de maneira mais geral abriu o caminho para o estado se mobilizar, ou para assumir poderes especiais, para lidar com ameaças existenciais. Tradicionalmente, ao dizer “segurança”, um representante do estado declara uma condição de emergência, reivindicando assim o direito de usar quaisquer meios necessários para bloquear um desenvolvimento ameaçador. 1

1

It is when an issue is presented as posing an existential threat to a designated referent object (traditionally, but not necessarily, the state, incorporating government, territory, and society). The special nature of security threats justifies the use of extraordinary measures to handle them. The

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Assim, a questão securitizada, além de ser apresentada como uma ameaça existencial, requer e permite medidas de emergência para combate-la, justificando ações extraordinárias. Buzan (1998) não enxerga a securitização como algo positivo, afirmando que os Estados devem buscar tratar dos assuntos no âmbito da política normal.

Para que a transformação de um objeto como um objeto securitizado, é necessária a ação de um agente securitizador, normalmente o governo. Este, constrói a necessidade de reagir de acordo com políticas não convencionais, convencendo o público de que a ameaça em questão é uma ameaça existencial.

Segundo Buzan (1998), o agente securitizador utiliza-se da fala como ferramenta para transpor determinada questão para a esfera da segurança. Assim, ameaça à segurança são socialmente construídas.

Sendo assim, para que se observe o processo de securitização, é necessário analisar os discursos de securitização.

2.1.4 Choque de civilizações

Durante a Guerra Fria observou-se conflitos entre ideologias e não mais apenas embates entre Estados. Passada a Guerra Fria, o embate ideológico deu lugar a hegemonia ocidental, e verificou-se então a ascensão dos conflitos entre Ocidente e Oriente.

Segundo Huntington (1996), Estados-nações continuarão sendo os principais atores no sistema internacional, porém os conflitos entre diferentes civilizações é que vão dominar a política global. Está havendo um aumento na cultura civilizatória das civilizações, assim, o Ocidente se afasta ainda mais do Oriente.

Os Estados não são mais divididos politicamente ou economicamente, e sim, culturalmente. Um dos motivos para isso é que as raízes culturais são menos mutáveis que características econômicas e políticas. (HUNTINGTON, 1996)

Segundo Buzan (2007), em conflitos apenas ideológicos a pergunta chave é “De que lado você está?", onde implica a possibilidade de escolha e mudança de invocation of security has been the key to legitimizing the use of force, but more generally it has opened the way for the state to mobilize, or to take special powers, to handle/existential threats. Traditionally, by saying “security,” a state representative declares an emergency condition, thus claiming a right to use whatever means are necessary to block a threatening development.

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lado. Enquanto isso, nos conflitos entre civilizações a questão se torna “O que você é?”, onde a resposta para essa questão é dificilmente mutável, sendo uma questão de pertencimento.

Na visão de Huntington, as diferenças entre as civilizações são básicas, partindo de questões culturais e históricas. Os povos de diferentes civilizações têm uma visão de mundo diferente em questões como relações entre povo e Estado, religião, liberdade e democracia. Essas visões que estão enraizadas em sua cultura são dificilmente modificadas, e essas diferenças são maiores que alianças entre Estados-nação e maiores do que diferenças ideológicas e interesses políticos.

No futuro, a fonte de conflitos provavelmente se dará por conflitos entre o Ocidente e “o resto”, e as respostas que as civilizações darão frente ao poder e valores ocidentais, segundo Huntington (1996). O século XXI será marcado, se já não o é, pela imposição de valores ocidentais frentes aos outros grupos.

2.2 DILEMA DE SEGURANÇA

A teoria realista parte da premissa que o sistema internacional é anárquico, sendo assim, a segurança se tornaria a principal preocupação do Estados, pois o objetivo último do Estado é assegurar sua sobrevivência e a manutenção de sua soberania.

O dilema de segurança dita que a partir do momento que um Estado investe militarmente para salvaguardar sua sobrevivência, outros Estados estarão menos seguros. Assim, estes outros Estados também se armam para prevenirem-se, caso contrário estariam em situação de desvantagem e assim, estariam inseguros. Por isso os Estados estão sempre em uma espécie de corrida armamentista.

Segundo Mearsheimer (2001), teórico realista ofensivo, o comportamento é selecionado pelo seu resultado, ou seja, se Estados que se utilizam de comportamento ofensivo obterem uma vantagem a partir disso, os outros Estados replicarão esse comportamento a fim de sobreviver no ambiente internacional. Sendo assim, determinados comportamentos são “premiados” pelo sistema, e ao observar as grandes potências, como os EUA, frequentemente nota-se a aplicação do comportamento militar-ofensivo. Essas potências obtêm vantagem sobre os Estados vulneráveis que acreditam que a capacidade militar é para a defesa.

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Essas potências têm como fim máximo a sobrevivência não apenas como Estado, mas a sobrevivência como potência, por isso buscam expandir seu poder infinitamente, inclusive através da sua capacidade militar-ofensiva. (MEARSHEIMER, 2001)

Segundo Buzan (2007), a teoria realista também prevê que em Estados em colapso, a probabilidade de um conflito é grande, principalmente pelo vácuo de poder existente. No caso destes Estados em colapso, grupos emergentes irão se formar e lutar pelo poder. De acordo com o dilema de segurança, “o tipo de poder militar que estes grupos podem inicialmente desenvolver e as suas versões competitivas da história vão frequentemente produzir medo e competição mútua.”2

(BUZAN, 2007, p. 345, tradução nossa).

Ainda segundo Buzan, dificilmente as Organizações Internacionais irão proteger os reprimidos pelos grupos que tentam ascender ao poder ou que estão no poder.

2.3 SEGURANÇA COLETIVA

O conceito de segurança coletiva foi materializado pós primeira guerra mundial, ao ser criada a fracassada Liga das Nações, onde teoricamente por meio da liderança dos Estados poderosos, os Estados cooperariam a fim de evitar conflitos internacionais. Os Estados se utilizam dessa ideia na tentativa de manter certo status quo no sistema internacional, por meio da suposta cooperação entre os Estados que dominam esse status quo visando a “manutenção da paz”.

Segundo Buzan (2007), o conceito de segurança coletiva é meramente utópico, pois nenhum Estado colocaria interesses coletivos acima de seus interesses. Portanto, os Estados zelam pela segurança coletiva apenas quando lhes convém, quando vai de encontro aos seus interesses. O conceito de segurança coletiva é evocado pelos Estados como uma espécie de dever perante a moral, a necessidade de agir perante uma ameaça ao coletivo, como se os interesses das forças atuantes não estivessem em primeiro plano.

Ainda segundo Buzan (2007), nenhum Estado tem recursos suficientes para colocar todos os seus interesses em ação, assim, ele deve alocar racionalmente os 2

the kind of military power that these groups can initially develop, and their competing versions of history will often produce mutual fear and competition.

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interesses que lhe são fundamentais. Os interesses fundamentais são os substanciais para a sobrevivência do Estado, a chave é saber identificar esses interesses.

Assim conceito de segurança coletiva pode ser visto como ilusório, considerando que cada Estado irá perseguir apenas aquilo que não afetará sua soberania e lhe trará ganhos reais.

As organizações internacionais, como no caso a ONU, refletem os interesses de seus membros mais poderosos, que seriam os membros do conselho de segurança. Em relação ao Afeganistão, os membros do conselho são justamente aqueles poderiam obter vantagens no caso e por isso exerceriam de fato de sua influência.

Por fim, a segurança e sobrevivência da nação está acima da segurança coletiva e de princípios morais. Os Estados seguem a agenda da segurança coletiva se lhes for interessante o fazer, trabalhando segundo a lógica do sistema de autoajuda, onde cada Estado busca primeiramente o que lhe beneficia.

2.4 CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E OTAN

O Conselho de Segurança da ONU é o órgão da Organização das Nações Unidas responsável por decisões que tangem a manutenção do sistema internacional, com a finalidade última de garantir a paz e zelar pelo cumprimento do direito internacional. É responsável por questões ligadas a segurança internacional, tendo o poder de adotar resoluções obrigatórias para todos os Estados que membros da ONU. Afeganistão foi admitido na ONU na década de 40, assumindo o compromisso de cumprir com a Carta das Nações Unidas, que versa sobre as obrigações e direitos dos Estados no sistema internacional. Para assegurar o cumprimento das resoluções estabelecidas, o Conselho também pode autorizar intervenções militares.

O Estados Unidos, Rússia (anteriormente a URSS), França, Reino Unido e China são os Estados que possuem assentos permanentes no Conselho de Segurança, os tornando aqueles que de fato decidem sobre a maior parte das resoluções. Estes membros possuem poder de veto, ou seja, nenhuma resolução passa pelo Conselho sem que estes países as aprovem com unanimidade. Esse

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poder frente as decisões de questões pertinentes do âmbito internacional lhes conferem maior poder de barganha em relação ao resto do sistema.

Há cada dois anos são eleitos pela Assembleia Geral outros dez membros. As resoluções são aprovadas se houver a maioria de nove dos quinze membros, sendo os membros temporários não detentores de poder de veto.

Muito se fala sobre uma reforma no Conselho de Segurança, no qual deveria ser mais representativo e democrático, além de mais condizente com os Estados em ascensão. O Brasil é um dos países que almejam uma cadeira no Conselho de Segurança, justamente sob a justificativa de que sua presença poderia representar os Estados mais periféricos.

A visão realista em relação às Organizações Internacionais é bastante cética, acreditando que organizações como a ONU (destacando aqui o papel do Conselho de Segurança) são na verdade usadas como instrumentos para as potências atingirem seus objetivos. Esta corrente teórica diz que o interesse do Estado está acima da cooperação, e as ações do Conselho de Segurança da ONU comprovam isso.

Já a OTAN é uma organização que consiste em uma aliança militar intergovernamental, ou seja, com propósitos bem diferentes dos da ONU. Também sob o preceito de zelar pela segurança coletiva, diferentemente do que a ONU se diz propor, a OTAN zela pela segurança de seus Estados-membros, sendo apenas 29 Estados. Foi criada durante a Guerra Fria, em 1949, com o propósito de unir militarmente os países ocidentais e capitalistas. A organização se baseia na ideia de defesa mútua, quando há qualquer ataque por parte de terceiros.

Esse pacto de segurança, assumido entre os membros, foi invocado pela primeira vez justamente durante a invasão do Afeganistão, pelo país-membro Estados Unidos.

A supremacia militar americana frente aos outros membros, lhes permite liderança na organização, corroborando com a hegemonia americana e lhes garantindo ainda mais fortemente área de influência.

2.5 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Como afirmado por Kissinger (1994), os Estados Unidos estão construindo uma nova Ordem Mundial. Assim, pautas e agendas na economia, política e

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segurança internacional passam por transformações e adaptações ás necessidades e interesses atuais. O período da primeira e segunda guerra representou um rompimento com a manutenção da balança de poder mantida pela Inglaterra, para a construção da hegemonia americana, onde os Estados Unidos saíram do isolacionismo e passaram a impor seus interesses internacionalmente como pretexto de estarem impondo, na verdade, interesses internacionais. Isso se refletiu também nas pautas pertinentes a segurança internacional, onde no cenário pós-segunda guerra mundial, durante o período da guerra fria, os estudos de segurança internacional foram permeados por esse processo hegemônico, em um período marcado pela bipolaridade, o foco dos estudos eram a relação EUA e URSS.

Durante a primeira e segunda guerra mundial, chamado de período das “guerras totais” por Hobsbawn (1995), as guerras mudaram um pouco sua configuração, não apenas pelos adventos tecnológicos utilizados, mas por principalmente envolver todos os Estados, mesmo que alguns apenas de forma nominal, tornando a amplitude do conflito muito maior. Outro marco para a história e para os estudos de segurança internacional foi o ocorrido do 11 de setembro de 2001, onde novamente o conflito muda de configuração por agora envolver novos atores no sistema internacional, tendo como inimigo algo muito mais abstrato e com pouco preparo até então para esse novo tipo de conflito, as guerras assimétricas começam então a se tornarem presentes no sistema internacional. A partir daí o conceito, ou melhor, não conceito de terrorismo, começa a ganhar relevância.

Nesse novo sistema multipolar com uma potência hegemônica (no caso, os Estados Unidos), em esses novos tipos de conflito começam a surgir, no que tange a segurança internacional, os Estados precisam cooperar em prol da chamada segurança coletiva. Segundo Buzan (2010) o conceito de segurança coletiva é utópico, justamente por representar os interesses das potências acima de qualquer coisa. Sendo assim, é de interesse dessas potências, ocidentais, representadas por essa hegemonia americana e corroborada pelas organizações internacionais, caricaturar o que se entende por terrorismo, englobando também uma caricatura do Oriente. Isso contribui e intensifica o choque de civilizações entre a cultura ocidental e oriental, tornando isso uma das variáveis desse novo tipo de conflito.

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3 O CONFLITO AFEGÃO E O TALIBÃ

Este capítulo aborda os elementos necessários para a compreensão da análise, trazendo uma contextualização da questão Afegã pré-11 de setembro.

3.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO TALIBÃ

O Afeganistão foi governado pela URSS desde 1979, tendo até o momento da retirada das tropas soviéticas, conflitos entre opositores do regime. Os principais opositores e guerrilheiros afegãos contra o regime comunista, eram os chamados mujahedin, islâmicos que lutavam pela libertação de seu país. Os mujahedins eram apoiados e armados por forças americanas (através da chamada Operação Ciclone), forças paquistanesas na luta contra a invasão soviética. Por meio dessa operação os Estados Unidos agiram diretamente intervindo por meio do fornecimento de armamentos e treinamentos às milícias que lutavam contra os soviéticos. Dentre aqueles que os Estados Unidos armaram e treinaram estava bin Laden e o grupo Talibã. (SARAIVA, 2009)

Depois do Acordo de Genebra, em 1988, a URSS retirou suas tropas do Afeganistão. Os mujahedin não participaram das negociações do Acordo, recusando-se a concordar com o mesmo. Assim, a guerra civil continuou mesmo depois da retirada das tropas soviéticas.

Após a retirada total das tropas soviéticas no início de 1989, o governo de Najibullah, apoiado pela URSS, se manteve no poder. Isso foi possível principalmente pela utilização da organização política e dos armamentos herdados dos soviéticos, além do contínuo financiamento soviético. Durante os 3 anos em Najibullah governou ocorreram conflitos e o país se via novamente perdido em meio à guerra civil. (KATZMAN, 2010).

Segundo o próprio relatório americano Afghanistan: Post-Taliban Governance, Security, and U.S. Policy de KATZMAN (2010):

A assistência americana para o Afeganistão continuou com um nível relativamente baixo desde a retirada soviética, validando as visões de muitos que acreditam que os Estados Unidos amplamente consideraram seu papel no Afeganistão completo quando as tropas se retiraram, e que houve pouco suporte americano para a reconstrução do Afeganistão.

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Em 1992, o poder é tomado pelo grupo de guerreiros jihadistas mujahidin, tendo durante poucos meses Sibghatullah Mojadedd como presidente. Por meio de um acordo entre os principais partidos, um governo de coalizão liderado por Rabbani tomou o poder ainda em 1992, e ficou determinado que ele governaria o país por dois anos. Quando chegou o momento de deixar o poder, em 1994, Rabbani se recusou a fazê-lo, levando o Afeganistão novamente ao conflito. Assim, uma facção mujahidin o depôs e tomou o poder. Essa facção era liderada por Gulbuddin Hikmatyar, um Pashtun. Essa facção radical já teria recebido ajuda dos Estados Unidos durante a guerra soviética. (KATZMAN, 2010).

Entre 1993 e 1994 o movimento Talibã começou a ganhar forma. Inicialmente o movimento era formado por estudantes e clérigos, principalmente de origem rural, que estavam insatisfeitos com os conflitos envolvendo os partidos mujahidin. A maioria dos seus membros vieram de “madrassas”, escolas corânicas do Pquistão, oferecendo uma educação baseada fundamentalmente nos ensinamentos do Islã, onde jovens pobres estudavam, inclusive muitos desses estudantes eram ex-mujahidin que buscavam estabilidade na região, cansados da guerra constante. O movimento também considerava o governo de Rabbani corrupto e anti-Pashtun, sendo que o movimento ia ao encontro das tradições das tribos conservadoras Pashtun. Seu principal líder era Mohammed Omar, ex-combatente durante a guerra contra a URSS. (KATZMAN, 2010).

Muitos dos soldados Talibãs também eram paquistaneses que voluntariamente iam ao Afeganistão, para servirem como soldados, com o conhecimento do governo paquistanês.

O vácuo de poder por causa da constante guerra entre os mujahidin permitiu a ascensão do Talibã, que, a partir de 1994 começou a conquistar territórios no Afeganistão. Em novembro de 1994 o sul de Qandahar foi tomado pacificamente.

Segundo Frank A. Clements (2003, tradução nossa):

O programa do Talibã era baseado na promessa de acabar com a guerra e restaurar o direito com base na Sharia, e isso significava que nas áreas tomadas pelo grupo os comandantes locais que eram ruins foram removidos e trocados por comandantes que seguiam os valores islâmicos. 3

3

“The Taliban program was based on a promise to end the fighting and to restore law and order under the Shari’a, and this meant that in areas taken by the group, bad local commanders were removed whereas commanders who had followed Islamic values were confirmed in their posts.”

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No início de 1995, o movimento ganhava mais e mais popularidade e já havia conquistado metade do Afeganistão, incluindo a província de Herat (na qual faz fronteira com o Irã), aprisionando o governador, aliado de Rabbani. (KATZMAN, 2010)

Conforme Aspirante Tiago André de Sousa Freitas (2009 apud Marsden, 2002, p. 68):

.

À medida que avançavam na sua campanha, incentivavam as pessoas a juntar-se às suas fileiras, e uma vez que a sua popularidade era elevada não lhes foi difícil angariar seguidores. “…o fato de usarem sempre turbantes brancos, o seu fervor religioso e pureza, permitiu que a superstição popular lhes conferisse quase uma aura sobrenatural.”

Em setembro de 1996 o movimento Talibã domina Cabul, enforcando Najibullah e havendo pouca resistência. Assim, estabelece um regime teocrático com base numa interpretação fundamentalista da Sharia.

Assim que o Talibã se estabeleceu no poder, a oposição formou a chamada Aliança do Norte, oficialmente conhecida como Frente Islâmica Unida para a Salvação do Afeganistão. O grupo multiétnico conta com o apoio financeiro e militar do Irã, Rússia e Índia, e posteriormente forte apoio americano. Os principais grupos que se juntaram a Rabbani para formar a aliança com a finalidade derrubar o grupo Talibã foram os Uzbeks (comandados pelo general Dostam, e que anteriormente lutavam contra Rabbani), os Hazara (união de partidos e milícias de Shiitas conservadores) e Tajiks (representantes do Rabbani). Outro grupo significante na Aliança do Norte eram os Islamitas Pashtuns, comandados pelo Sayyaf, que eram contrários à aliança com a Al-Qaeda. (KATZMAN, 2010)

A pouca experiência por parte dos talibãs em gerir um governo não foi considerado por estes um problema na altura em que tomaram o poder. Apesar de se terem manifestado proficientes na campanha militar, na manutenção e fortalecimento das estruturas administravas manifestaram fortes lacunas, de tal forma que era difícil para as organizações externas e para as missões diplomáticas compreender a natureza dos processos internos de decisão. (NAPOLEÃO, 2013)

O Talibã perdeu o apoio internacional a partir do momento em que começou a impor regras restritas impondo o regime islâmico, em que as punições para o não cumprimento seriam inclusive enforcamento. A proibição em relação às mulheres principalmente infringia diversos direitos humanos, incluindo a proibição de estudar

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ou trabalhar. Em resposta, o governo Talibã recusava os conselhos internacionais alegando que estavam agindo de acordo com a lei Sharia, rejeitando a opinião e intervenção externa. (NAPOLEÃO, 2013)

Com o estabelecimento do Talibã no poder e a sua expulsão do Sudão, bin Laden estabeleceu suas bases no Afeganistão, montando campos de treinamento e recrutamento para a sua organização, Al-Qaeda. Nessa época, bin Laden já era acusado de cometer vários ataques e era reconhecido internacionalmente como terrorista, sendo um inimigo americano. (NAPOLEÃO, 2013)

Além de aliado, bin Laden era casado com a filha do líder Talibã Mullah Omar, o que estreitava os laços entre eles. (LOWE, et al., 2010)

Em abril de 1998 os Estados Unidos começaram a exigir a extradição de bin Laden. O bombardeio de embaixadas americanas realizadas pelo grupo Al-Qaeda em agosto fez com que as pressões para extradição de bin Laden aumentassem. A partir daí o regime Talibã se tornou um regime inimigo aos Estados Unidos, por abrigar o líder da Al-Qaeda, condenando o regime e governo afegão. (LOWE, et al., 2010)

Em agosto de 1998, os Estados Unidos bombardearam um suposto campo de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão. No mesmo dia também bombardearam uma planta farmacêutica no Sudão, que estaria supostamente produzindo armas químicas para a Al-Qaeda. Posteriormente foi comprovado que a planta farmacêutica era de uso civil, e não havia nada que a relacionasse com a Al-Qaeda. (KATZMAN, 2001).

Segundo Frank A. Clements (2003), a reação internacional se tornou ainda mais negativa em relação ao regime Talibã quando este, em março de 2001, decidiu destruir todos os monumentos relacionados ao período pré-Islâmico no Afeganistão, incluindo uma estátua mundialmente famosa do Buddha.

No período anterior ao 11 de setembro, o Talibã controlava mais de 75% do território do Afeganistão, e apenas dois dias antes do ataque às torres gêmeas Ahmad Shah Masoud, líder da Aliança do Norte, foi assassinado pelo grupo Al-Qaeda. (KATZMAN, 2010)

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3.2 O PAPEL DA ONU NA QUESTÃO DO AFEGANISTÃO

O envolvimento do Conselho de Segurança no Afeganistão foi determinado primordialmente pelo interesse dos seus membros permanentes, principalmente Rússia e Estados Unidos, nunca tentando implementar resoluções que buscasse paz, que buscasse cessar de fato os conflitos na região. (LOWE et al., 2010)

Com isso, é observado a falta de coerência com o propósito de um Conselho de Segurança, na qual deveria ser promover e garantir a chamada segurança coletiva.

As duas principais fases de atuação do Conselho foram entre 1999–2001, onde se estabeleceu sanções e a tentativa de reconstrução do Afeganistão sob liderança americana a partir da intervenção de 2001.

Para começar, um dos membros do Conselho, a União Soviética, desobedeceu dois dos princípios mais básicos, o de respeito à soberania e a não intervenção. Isto, por si só, já demonstra o interesse direto de membros do conselho na questão, e ajuda a explicar a imobilidade do conselho perante este caso. (LOWE et al., 2010)

Com isso, como todos os membros do Conselho tem o poder de veto, seria impossível condenar a União Soviética, pois ela simplesmente exerceria esse direito ao veto.

Enquanto isso, os membros ocidentais do Conselho, principalmente Estados Unidos, estavam do lado oposto, reprimindo a invasão soviética. Esse embate entre as duas maiores potências do Conselho de Segurança, e seus interesses contrários faziam com que nenhuma resolução pertinente ao caso fosse aprovada. Essa imobilidade do Conselho, não se via apenas no caso afegão, considerando o contexto de plena guerra fria, onde o Conselho se via imobilizado de maneira geral. (LOWE et al., 2010)

Devido a esse embate a responsabilidade da questão foi passada para a Assembleia Geral sob a Resolução 462 de 9 de janeiro de 1980. Assim, até 1991 os interesses contrários entre União Soviética (posteriormente Rússia) e Estados Unidos fizeram com que o Conselho não tomasse parte diretamente no conflito no Afeganistão, contribuindo para maior caos na região. Em plena Guerra Civil Afegã, a ONU e principalmente o Conselho de Segurança, responsável por manter a paz no sistema internacional como um todo, não empenhou grandes esforços para a

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manutenção da paz na região. A ONU até tentou promover algumas missões de paz, como a UNGOMAP (Missão de Bons Ofícios das Nações Unidas no Afeganistão e Paquistão), mas devido ao descaso geral e do interesse americano na questão, pouca efetividade essas missões tiveram. Segundo Lowe et al., (2010), faltou vontade política dos membros do Conselho para que essas missões se tornassem eficientes. (LOWE et al., 2010)

Quando os Estados vizinhos começaram a se envolver diretamente na questão afegã houve meramente algumas resoluções do Conselho de Segurança enfatizando a importância da não intervenção. Em relação ao Paquistão, grande aliado a apoiador do Talibã, não houve sequer condenações. Na resolução 1193 de agosto de 1998 e resolução 1214 de dezembro de 1998, o Conselho de Segurança condenou a discriminação entre as mulheres no Afeganistão. (LOWE et al., 2010)

Isso demonstra que o Conselho de Segurança estava ciente desde então das infrações cometidas contra os direitos humanos, da repressão às mulheres que acontecia dentro do território afegão, havendo sim uma condenação por meio destas resoluções, mas sem maiores retaliações.

Em 1998, quando o grupo aliado Al-Qeada cometeu ataques contra os Estados Unidos e a presença americana na Arábia Saudita, os Estados Unidos começaram a condenar veementemente o grupo Talibã, com o apoio do Conselho.

A partir de 1999 foram impostas sanções ao Talibã frente pelo Conselho de Segurança. Ainda que não propondo nenhum tipo de resolução para a guerra civil no Afeganistão, o Conselho começou a se envolver diretamente no caso, devido ao interesse dos Estados Unidos, e até mesmo da Rússia, em combater a aliança Al-Qaeda-Talibã. Isso marcou uma nova fase frente a atuação do Conselho de Segurança, onde era requisitada a extradição de Bin Laden, que era tarjado como terrorista. (LOWE et al., 2010).

Em relação à produção indiscriminada de papoula no Afeganistão, nunca houve nenhuma tentativa de combate ao tráfico de drogas pelo Conselho de Segurança e nem mesmo pelo governo americano.

O Conselho decidiu por impor sanções ao Afeganistão em outubro de 1999, e as estendeu em dezembro de 2000, que fez com que o regime se radicalizasse. As sanções consistiam em embargos de armas, retirada de representações diplomáticas no Afeganistão e a retirada de representações diplomáticas no exterior. Ainda assim essas sanções surtiram pouco efeito na prática. Um dos principais

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motivos para que estas sanções não terem sido tão representativas, se deu ao apoio paquistanês ao regime, além do apoio de grupos fundamentalistas do Paquistão. Segundo LOWE et al., (2010, tradução nossa) “Por sua vez, as sanções tiveram apenas um efeito marginal na economia, levando em conta a não existência de infraestrutura física do Afeganistão”.4

Apesar do governo afegão ter negado a extradição do bin Laden para que os Estados Unidos pudessem julga-lo, ele tentou negociar outras opções, como fazer um julgamento no próprio Afeganistão e depois em outros países muçulmanos, o que os Estados Unidos recusaram aceitar.

Em 2001, antes mesmo dos ataques em setembro, as relações entre o Conselho de Segurança da ONU (principalmente em relação aos Estados Unidos) e Afeganistão estremeciam. Segundo a resolução 1333 de fevereiro, foi ordenada o encerramento do escritório de representação do Talibã em Nova York. (LOWE et al., 2010)

Observou-se que 11 de setembro foi claramente um marco na mudança nas relações entre Afeganistão, ONU e Estados Unidos, onde o governo americano se tornou muito mais autônomo em resolver a questão na região, com o aval da ONU.

Logo após os ataques, em 12 de setembro de 2001, o Conselho de Segurança adotou a resolução 1368/01, em que invocava os princípios da Carta das Nações Unidas, rechaçando atos terroristas e reconhecendo o direito de legítima defesa, seja ele individual ou coletivo. Assim, para justificar a intervenção militar no Afeganistão, os EUA invocaram o art. 51 da Carta das Nações Unidas, no qual versava sobre esse direito de legítima defesa. No capítulo 4 deste trabalho, discutiremos a legalidade dessa intervenção.

Com o objetivo de estabelecer ordem política após a invasão americana, foi criado o Acordo de Bonn, sob a resolução 1385 de dezembro de 2001, onde seria acordado a organização de eleições democráticas, a reestruturação da Suprema Corte e do Banco Central e o estabelecimento de uma nova Constituição para o Afeganistão. Dentre as negociações, estavam representados líderes da Aliança do Norte, líderes apoiadores do rei deposto Zahir Shah, líderes exilados ao governo do Irã e líderes veteranos mujahedin, não havendo nenhuma representação do

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“In turn, the sanctions only had a marginal effect on the economy, as Afghanistan’s physical infrastructure was largely non-existent.”

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movimento Talibã. A partir destas negociações, foi possível eleger o líder pashtun Hamid Karzai como novo presidente do país. A Conferência também determinou que, até 2006, os Estados Unidos se responsabilizaram pelo treinamento do exército, a Alemanha pela capacitação policial, o Reino Unido pelo combate a narcóticos, a Itália pela reforma judiciária e o Japão pelas tarefas de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração. O Acordo também angariou uma grande quantia em investimentos para garantir a reconstrução do país. (NAPOLEÃO, 2013)

Segundo Thomaz Napoleão (2013), o Acordo de Bonn não incluiu todas as partes envolvidas, não se preocupando com a falta de representatividade e diversidade étnica e ideológica, e sim, representado em massa pela Aliança do Norte e Estados Unidos.

Na tentativa de reconstrução do Afeganistão, também foi criado em dezembro de 2001 a International Security Assistance Force (ISAF), uma missão de paz criada através da Resolução 1386 do Conselho de Segurança da ONU, na qual foi gerida inicialmente pelo Reino Unido e posteriormente pela OTAN, quando suas operações cresceram. A ISAF ganhou relevância e cresceu a ponto de se tornar a maior operação militar ativa do mundo. Inicialmente a ISAF também só operava em Cabul e seus arredores, mas por reivindicação do então presidente Karzai, a operação se alastrou por todo o país em 2002. No Acordo de Bonn também foi previsto a retirada das tropas da Aliança do Norte da capital, já que esta receberia os soldados da ISAF. (NAPOLEÃO, 2013)

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos também lideravam uma operação, a Operação Enduring Freedom contra o terrorismo em solo afegão. A fase de reconstrução do Afeganistão, sob o comando da OTAN e dos Estados Unidos foi criticada por muitos pela pouca distinção entre as tarefas de reconstrução civil da ISAF e tarefas militares de contraterrorismo. (NAPOLEÃO, 2013)

Em relação a atuação da ONU, ainda foi estabelecida uma a Missão de Assistência das Nações Unidas para o Afeganistão, United Nations Assistance Mission in Afeghanistan (UNAMA), por meio da Resolução 1401 do Conselho de Segurança em março de 2002, em que serviria de assistência para a reconstrução da paz e ajuda humanitária, sem pretensões de governar. Essa missão foi bastante secundária, em grande parte por não haver vontade americana de financiamento. Essa falta de vontade também indica a preferência americana por menor presença da ONU em relação ao Afeganistão. (LOWE et al., 2010)

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Após anos de luta contra a insurgência Talibã e tentativa de estabilização da ordem, para que assim, fosse possível a realização de um processo democrático, em 2004 uma nova Constituição entrou em vigor no Afeganistão e realizou-se eleições presidenciais e parlamentares, com isso concluindo o processo de Bonn. (NAPOLEÃO, 2013)

Apesar dos esforços do processo de Bonn, já em 2006 houve uma deterioração da situação no Afeganistão, com grupos insurgentes ganhando força no território. A tentativa de combate da ISAF à essas forças insurgentes resultaram em maior violência e na conquista de algumas cidades pelo grupo Talibã. Essa insurgência era em grande parte representada pelo grupo Pashtun, que acreditava que a influência da Aliança do Norte no governo fosse grande demais, apesar do próprio presidente ser pashtun. Além disso, a presença crescente da ISAF e o aumento da atuação de suas tropas, também contribuía para a revolta. (NAPOLEÃO, 2013)

A atuação da UNAMA também cresceu, agora responsável por mais atividades, como monitoramento eleitoral, reintegração de ex-combatentes, enfrentamento do narcotráfico, combate à corrupção e supervisão do desenvolvimento. Esse crescimento da UNAMA, em contrapartida, trouxe maior dependência afegã em relação à ajuda internacional, dificultando a consolidação e autonomia das recém estruturadas instituições nacionais. (NAPOLEÃO, 2013)

A assistência internacional continuava a angariar fundos para assistência civil, em contrapartida estabelecendo metas a serem cumpridas por meio da Estratégia Nacional de Desenvolvimento do Afeganistão. (NAPOLEÃO, 2013)

3.3 A INVASÃO AMERICANA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Os atentados cometidos em 11 de setembro se tornaram um marco tanto para a história e condução da política externa americana, como um marco nas questões e estudos de segurança internacional. A partir desse evento histórico, potências se uniram sob a liderança americana no combate a essa nova ameaça global: o terrorismo.

A pauta não se deu apenas na alta política, como também teve alta repercussão diante da opinião pública. A repercussão dos atentados foi global, e o sentimento criado dentro do país foi o de estarem vivenciando uma tragédia singular.

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A última vez que Washington fora atacada foi em 1812, quando, na guerra anglo-americana, os ingleses incendiaram a Casa Branca. Assim, o imaginário americano criou o estereótipo perfeito para o que seria um terrorista. Diante do recém ataque, o inimigo óbvio da nação era justamente o terrorista, e ligado a isto, não estava apenas o grupo Al-Qaeda, mas também islâmicos como um todo. O imaginário americano criou o estereótipo perfeito para o que seria um terrorista e o difundiu entre as potências ocidentais. Compreensivelmente, diante da efervescência emocional causada pelo acontecimento, houve pela maior parte dos americanos e dos ocidentais, pouca distinção entre muçulmanos e guerrilheiros jihadistas. Em relação ao governo, a população esperava uma resposta rápida, clamando por justiça.

Como a questão de segurança e ameaça ao Estado é considerada high politics, estando está à frente de outras questões, os gastos militares americanos para o combate a esta ameaça foram facilmente justificados, mesmo com o ciclo recessivo em que o país se encontrava desde o início de 2001.

No dia 12 de setembro de 2001, os Estados Unidos como principal membro da OTAN, invocaram pela primeira vez na história da organização o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte (que diz que um ataque contra um Estado-membro da Aliança será considerado um ataque contra todos os Estados-membros), ressaltando que o ataque representava uma ameaça global e reivindicando cooperação de todos os membros da OTAN. Assim, a intervenção no Afeganistão foi apoiada por dezenove membros da OTAN, comprometendo-se em combater o terrorismo, aprovando o Plano de Ação da Parceria Contra o Terrorismo. (SARAIVA, 2009)

Com a aprovação do Congresso americano para a realização da nomeada “Guerra ao Terror”, os Estados Unidos iniciam uma perseguição ao bin Laden e à organização Al-Qaeda, responsáveis pelos atentados. Suas bases operacionais ainda se encontravam em território afegão, assim onde supostamente vivia também o próprio bin Laden. Com isso, a chamada Operação Enduring Freedom iniciou em 7 de outubro de 2001, quando os primeiros bombardeamentos atingiram o aeroporto e outros pontos estratégicos de Cabul e depois as cidades de Kandahar e Jalalabad. Com essa operação, os Estados Unidos se aliaram à Aliança do Norte. (KATZMAN, 2010)

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Além desse novo aliado, os Estados Unidos trocavam informações com milícias que combatiam o Talibã, o que fez, segundo alguns críticos do posicionamento americano, com que o processo democrático no pós-guerra fosse mais dificultoso, por conta da importância que essas milícias ganharam na região.

Os EUA estavam alheios em relação à guerra civil no período anterior ao 11 de setembro, mas equipes paramilitares da Special Activities Division estiveram ativas no Afeganistão ao longo dos anos 90, buscando por bin Laden. Com isso, a presença dessas equipes na busca serviu para construir muitos laços que se tornaram essenciais durante a invasão americana do Afeganistão de 2001. (PEREIRA, 2011)

Segundo o próprio relatório do Congresso americano de setembro de 2010, o governo Bush, seguindo a política do governo Clinton, tinha como estratégia, no período anterior ao 11 de setembro, de botar pressão no Talibã para a entrega de bin Laden, ao mesmo tempo em que continuavam a manter o diálogo com o Talibã, ainda não apoiando a Aliança do Norte. Além disso, o governo Bush também mantinha um diálogo com o Paquistão com o objetivo de persuadi-los a pararem de apoiar o Talibã. (KATZMAN, 2010)

Segundo Carlos Santos Pereira (2011), o ataque americano perseguia três grandes objetivos: desmantelar a rede da al -Qaeda no Afeganistão, impedir bin Laden e seus pares de continuarem a usar o país como base de operações e, ao mesmo tempo, derrubar o regime Talibã e garantir um futuro democrático no país.

Com a invasão, não demorou muito para que o grupo Talibã recuasse, iniciando a derrocada Talibã em novembro de 2001. Sob ataque da Aliança do Norte, o grupo Talibã deixou Cabul e buscaram refúgio no Paquistão, assim como seus aliados da Al-Qaeda. Poucos dias depois da vitória em Cabul, a Aliança do Norte os expulsou também do maior reduto Talibã no Afeganistão, Kandahar. (KATZMAN, 2010)

No final de 2002, os Talibãs em exílio já se organizavam sob a liderança de Muhammad Omar e recrutavam novos soldados para prepararem-se para atacar a coalizão governo afegão - Estados Unidos. No início de 2003 esses soldados já estavam prontos para o ataque, este era feito contra as forças americanas, principalmente com explosivos improvisados. Durante 2004 e 2005, a força Talibã aumentou, com ataques maiores, mais frequentes e consequentemente mais eficientes. (PEREIRA, 2011)

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A partir de 2003 a OTAN liderou as operações da ISAF, tendo os Estados Unidos como seu principal líder. Ao mesmo tempo em que a ISAF operava enviando tropas, os Estados Unidos particularmente também aumentaram o envio de suas tropas.

Também a partir de 2003, além do combate aos terroristas e tentativa de estabilização da ordem, os Estados Unidos treinavam as Forças Armadas Afegãs com o intuito de garantir que as eleições de 2004 ocorressem plenamente. Entre 2003 e 2006, os Estados Unidos equiparam e continuaram treinando e investindo na polícia afegã.

Durante o período de reconstrução do Afeganistão, nos primeiros anos, em 2002 e 2003 o investimento americano foi relativamente baixo, e foi quase totalmente destinado à ajuda humanitária. Nos anos posteriores, após a crise humanitária ter se agravado fortemente, os investimentos cresceram consideravelmente.

As eleições ocorreram sem grandes conturbações em outubro de 2004, elegendo com 55% dos votos Karzai. O percentual de comparecimento da população para a votação foi de 80%. Já as eleições parlamentares, previstas para maio de 2005 foram adiadas para setembro do mesmo ano por obstáculos em relação a determinar a fronteira distrital do Afeganistão. Em setembro, as eleições parlamentares aconteceram normalmente. (KATZMAN, 2010)

Nos primeiros anos de combate contra a insurgência Talibã, a coalizão internacional obteve bastante avanço, imaginando que a guerra estaria chegando a um fim. Em 2005 e principalmente a partir de 2006, o movimento Talibã e as diversas milícias presentes no território ganharam força.

Segundo Carlos Pereira (2011), em 2005 já estendiam a sua ação a todas as províncias do Sul e centro do país, em boa parte graças ao comércio do ópio e ao financiamento secreto paquistanês.

Durante 2006, a violência e o avanço do movimento aumentaram em escala crescente, demonstrando a insuficiência das forças internacionais no conflito. Segundo Carlos Santos Pereira (2011), o grupo Talibã tive vantagem sob o governo, pois este se mostrava incapaz de oferecer serviços ou de resolver disputas, e que este crescimento demonstrava como o empenho internacional de construção do Estado Afegão tinha, em 2006, falhado na missão de garantir um Estado afegão funcional de fato. Para piorar a situação, a incapacidade de assegurar segurança

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aos civis no Afeganistão fez com que o regime de Hamid Karzai sofresse uma crise de impopularidade.

Segundo o Katzman (2010) muitos afegãos disseram que se voltaram para o Talibã como opção de justiça rápida e imparcial, ao invés do processo demorado e corrupto que o governo central instaurou.

A conjuntura no Iraque estava tão dramática em relação às operações americanas que o Afeganistão era tratado como secundário, o que também contribuiu para a insurreição Talibã. Com as baixas americanas, e posteriormente com a resposta americana enviando mais soldados da OTAN, configurando mais baixas Talibãs, 2006 foi um ano de violência generalizada e o número de mortos dos dois lados do conflito foi grande.

“De 2002 a 2006, o número de hectares para o cultivo de papoula mais que dobrou, para 165,000. O Afeganistão é responsável por 82% da produção mundial de ópio”5. (Katzman, 2010)

A partir de 2006, os Estados Unidos começaram a investir em programas contra os narcóticos, inclusive buscando informar a população.

Em 2006 e anos seguintes, o conflito continuava ativo, com cada vez mais baixas americanas, Talibãs e mortes civis. Os Estados Unidos, e a OTAN como um todo enfrentavam um novo tipo de inimigo, que apresentava obstáculos diferentes na guerra e por isso necessitava de estratégias diferentes.

Segundo Carlos Santos Pereira (2011), mesmo com a resposta americana, surge um novo paradigma: os Talibãs são claramente derrotados em confrontos convencionais, mas adotam táticas eficazes como a utilização de explosivos improvisados.

Além disso, como se não fosse suficiente lutar contra o Talibã, as milícias mujihadeen eram uma grande ameaça à segurança. Elas estavam presentes em todo o território do Afeganistão e as áreas rurais eram dominadas por grupos tribais e milícias, o que dificultava a governança no território. (Katzman, 2010)

Somente em 2008 as forças ocidentais começaram a obter avanço considerável em relação aos soldados Talibãs, incluindo combates travados no Paquistão, com mortes de civis. Isso causou um embate diplomático com o

5

From 2002 to 2006, the number of hectares of poppy cultivation had more than doubled, to 165,000. Afghanistan accounted for 82% of the world’s opium production.

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Paquistão, que ameaçou os americanos caso cruzassem a fronteira perseguindo combatentes. Esse avanço no Afeganistão se deu principalmente pelo maior investimento americano, tanto de tropas como de capital. (SIGAR, 2012)

Com o início do governo Obama, em 2009, o Afeganistão foi colocado como prioridade frente a luta ao terror. Mas segundo Carlos Santos Pereira (2011), o objetivo de um Afeganistão democrático e convertido aos padrões políticos e econômicos ocidentais é abandonado, tendo agora como objetivo neutralizar a Al-Qaeda e não mais erradicar o Talibã. Além disso, tinha como objetivo aumentar as tropas significativamente no Afeganistão.

Conforme Napoleão (2013, p. 10):

O ideário da contra-insurgência não é novo, pois remete a experiências coloniais britânicas (Malásia) e francesas (Argélia e Indochina). No Afeganistão, todavia, não foi planejada apenas como modelo militar para uma guerra assimétrica; confundiu-se com a prática civil e diplomática do statebuilding, e a ela se sobrepôs. O patrono da campanha foi o David Petraeus, reformulador da doutrina norte-americana de contra insurgência (US Army, 2006). O general buscou replicar sua experiência exitosa no Iraque, mas enfrentou maior desafio: embora os dois países sejam comparáveis em termos de dimensão populacional, religião predominante e extensão territorial, o Afeganistão apresenta sociedade mais fragmentada, geografia mais hostil, economia mais dependente, infraestrutura mais precária, cultura política mais centrífuga e maior histórico de interferência estrangeira que o Iraque.

Buscando o apreço da população e maior colaboração, os Estados Unidos diminuíram os bombardeios aéreos e ensinaram aos soldados da ISAF a língua local, para que assim, pudessem se comunicar com os líderes locais. Dessa comunicação poderiam obter, além do apoio da população, informações estratégicas, úteis para o combate. (SIGAR, 2012)

As eleições afegãs de 2009 foram uma decepção. A ONU, por meio de uma comissão criada para isso, identificou fraudes eleitorais cometidas já no primeiro turno das eleições presidenciais. Karzai (aliado americano), que seria quem estava na frente segundo as eleições fraudadas, foi alvo de críticas e seu opositor Dr. Abdullah visitou Washington e iniciou um diálogo paralelo com os Estados Unidos. Depois do conturbado processo eleitoral, Karzai tomou posse em dezembro de 2009. (NAPOLEÃO, 2013)

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Desde sua formação no final de 2001, o governo de Karzai cresceu em capacidades e tamanho, entretanto mais devagar do que o esperado, em particular fora de Kabul. Ao mesmo tempo, os principais ministros de segurança passaram a ser progressivamente dominados pela etnia Pashtuns, a qual tradicionalmente tem governado o Afeganistão. Contudo, a maioria dos Pashtuns em cargos elevados são Pashtuns Ghilzai, alimentando suspeitas e aumentando o ressentimento entre os Pashtuns Durrani (Karzai é um deles) que acreditava que é direito dos Durranis governar o Afeganistão.6

Em 10 anos, os Estados Unidos investiram mais de 85 bilhões de dólares na reconstrução do Afeganistão, investindo na segurança, governabilidade e economia afegã, segundo o Relatório da SIGAR (2012, tradução nossa). Ainda segundo esse relatório “em 2002, o Afeganistão enfrentou a crise humanitária. Mais de duas décadas deixaram 2 milhões de mortos, 700.000 viúvas e órfãos, um estimado de 4 milhões de refugiados e outro 1 milhão de cidadãos internamente deslocados”.7

O projeto da Rota da Seda também previa promoção de investimentos no Afeganistão, buscando melhorar sua economia. (SIGAR, 2012)

Em maio de 2011 Osama bin Laden foi finalmente encontrado e morto por soldados americanos. Esse fato não teve consequências no caso afegão, mas a simbologia da invasão americana havia enfim sido destruída por completo, trazendo o sentimento de conquista para o governo e para a sociedade americana. A única consequência direta no caso foi em relação à opinião pública, que começou a exigir ainda mais que se retirassem as tropas americanas do Afeganistão.

Durante a Cúpula de Lisboa da OTAN, em novembro de 2010, definiu-se o prazo de dezembro de 2014 para a retirada completa da ISAF, acreditando-se que até lá o Afeganistão estaria em melhores condições para conseguir manter sua polícia e exército plenamente responsáveis pela segurança do país. Além disso, o líder da Al-Qaeda já havia sido eliminado e, portanto, sua influência no Afeganistão e no grupo Talibã havia acabado. (NAPOLEÃO, 2013)

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Since its formation in late 2001, Karzai’s government grown in capabilities and size, although more slowly than expected, particularly outside Kabul. At the same time, the key security ministries have come to be progressively dominated by ethnic Pashtuns, who have traditionally governed Afghanistan. However, most of the Pashtuns in top positions are Ghilzai Pashtuns, fueling suspicions are resentment among the Durrani Pashtuns (Karzai is one of them) who believe it is the right of the Durranis to rule Afghanistan.

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“In 2002, Afghanistan faced a humanitarian crisis. More than two decades of war had left 2 million dead, 700,000 widows and orphans, an estimated 4 million refugees, and another 1 million internally displaced”

Referências

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