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LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

No documento A aprendizagem profissional na lei Pelé (páginas 47-50)

A aprendizagem, como já fora mencionado neste trabalho algumas vezes, é mencionada no artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Com a redação que lhe foi dada pela EC nº 20, de 15 de dezembro de 1998, o dispositivo estabelece a idade mínima de 16 anos para o trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.

O artigo 227, §3º, da CF estabelece ainda que a proteção especial do adolescente abrange a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas (II) – sendo os primeiros previstos no artigo 7º e os últimos no 201 – e de acesso à escola (III).

No que se refere a leis ordinárias específicas, antes das Leis nº 10.097/2000 e 11.180/2005, a aprendizagem era regulada na CLT, artigos 80 e 428 a 432, no Decreto Lei nº 8.622/1946 e no ECA, artigos 62 a 65. Entretanto, referidas normas modificaram sensivelmente o sistema de aprendizagem pátrio, como já fora visto no tópico 1.3.2.

Aqui, cabe-nos apenas relembrar que a CF é o marco maior da limitação etária mínima para condição de aprendiz. Destaca-se, pois, no quadro trabalhista brasileiro o fato de que, no atual contexto, apesar da existência de tantas normas em sentido contrário, temos aceitado constantemente o trabalho de forma irregular de crianças e adolescentes nos mais diversos setores da sociedade. Neste panorama, nota-se claramente o alto nível de desqualificação profissional em que muitos jovens se encontram no país.

Interessante dispor, nesse sentido, que Projeto de Lei que resultou na Lei de Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000) foi justificado com o argumento de que:

(...) a alteração proposta se traduzirá em benefício para cerca de sete milhões de jovens entre 14 e 16 anos, que necessitam de renda, de educação e de formação para ingresso no mercado de trabalho, cada vez mais exigente quanto à qualificação profissional e pessoal. A profissionalização é um direito primordial do adolescente e é a alternativa possível a esses jovens34.

Há de concordamos, entretanto, que tais metas estão longe de ser alcançada, haja vista o cenário brasileiro da aprendizagem.

2.3.1 A cota legal de aprendizes

Por obrigação legal, todas as empresas de grande e médio porte, de todos os ramos de atividade, são obrigadas a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento35. Quanto à micro e pequenas empresas, apesar de não serem obrigadas, também podem contratar aprendizes. Há, portanto, nesse caso, uma dispensa e não uma proibição em contratar aprendizes dentro das cotas do artigo celetista.

O cálculo desse percentual é feito a partir das funções que demandem formação profissional dentro daquela empresa. Entretanto, os aprendizes não podem ser demitidos em razão da redução do quadro de pessoal, pois os contratos de aprendizagem em vigor se vinculam ao número de empregados existentes no momento do cálculo da cota. Portanto, a redução do quadro de pessoal só gerará efeitos no futuro. Ademais, as hipóteses de dispensa são aquelas expressamente previstas no artigo 433, a pouco estudado, que não contemplam essa situação.

É o próprio Ministério do Trabalho e Emprego, por meio dos auditores fiscais do trabalho, quem notifica as empresas para que preencham essa chamada “cota de aprendizes”. Para a definição das funções que demandam formação profissional, os auditores tomam por base a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo referido Órgão Ministerial. Excluem-se dessa definição as funções que demandam habilitação profissional de

34 Projeto de Lei da Câmara 74, de 2000. Diário do Senado Federal, Brasília, DF, p. 21739-21751, 02 Nov. de

2000.

nível técnico ou superior, as que estejam caracterizadas como cargo de direção, de gerência ou de confiança36.

No exercício de suas atribuições, os auditores fiscais do trabalho orientam os empresários sobre os procedimentos que devem ser adotados para a contratação de aprendizes. Se a empresa for notificada para contratar aprendizes, e não o fizer, constatando- se sua real intenção de desrespeitar a norma trabalhista, contra ela será lavrado um auto de infração, do qual terá dez dias para apresentar defesa por escrito. Entretanto, a partir da lavratura do auto de infração, inicia-se o processo administrativo de aplicação de multas. Paralelamente, a situação também pode ser encaminhada ao Ministério Público do Trabalho para que tome as devidas providências no seu âmbito institucional.

O cálculo das funções que demandam formação profissional com a utilização da CBO, e outros critérios definidos no Decreto nº 5.598/2005, contudo, é algo que atravanca a aplicação da Lei da Aprendizagem. Para evitar cair na trampa dos critérios, alguns autores defendem que o percentual de aprendizes a ser contratado seja em torno de 5% (cinco por cento) e calculado sobre o número total de empregados da empresa. Eles propõem, inclusive, a alteração ao artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo em vista a responsabilidade social das empresas, cuja demanda aumenta na medida em que se amplia a desigualdade na distribuição de renda no Brasil37. Assim ficaria o artigo 429 da CLT:

Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento.

Um dos autores que defendem essa idéia é a Prof.ª Dulce Martini Torzecki, que assim expõe:

Essa alteração é necessária para que cada empresa tenha claramente definido o número de aprendizes mínimo que deverá contratar, além de tornar menos complexa a atuação do órgão fiscalizador, o Ministério do Trabalho e Emprego, quando notifica uma empresa para contratar aprendizes. É a proposta que fizemos para universalizar o direito à formação profissional - garantido em instrumentos

36 Artigo 10 do Decreto nº 5.598/2005.

37 Segundo informe do Instituto de Investigações Econômicas Aplicada - IPEA, o crescimento da economia

brasileira ocorrida no período de 2002 a 2006 beneficiou aos mais ricos. Disponível em

<http://www.ipea.gov.br/001/00101001.jsp?ttCD_CHAVE=2&btOPERACAO=> Acesso em: 28 de setembro de 2009.

internacionais e também no sistema normativo interno -, e assegurar ao adolescente dignidade com o acesso ao bem ‘preparação para o trabalho38.

Trata-se de um projeto brilhante, que teria muito a ajudar os adolescentes brasileiros caso realmente fosse efetivado.

Só a título de ilustração, para finalizar, é pertinente salientar que estudo realizado pela pesquisadora Anita Kon, do Grupo de Pesquisa em Economia Industrial, Mercado e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pela coordenadora da ONG Atletas pela Cidadania e advogada Daniela Castro relata que apenas 8% dos empregadores obrigados por lei contratam aprendizes. Diante disso, faz-se uma estimativa de que o país tem hoje somente cerca de 17% do potencial de aprendizes contratados39.

A pesquisa mostra ainda que a participação da população jovem no total da população ocupada é em torno de 17% e que a taxa de desocupação dos jovens de 15 a 24 anos (17,4%) é mais do que o dobro da população em geral (7,4%). “Caso as empresas cumprissem o mínimo de 5% de contratações, teríamos cerca de mais de 1 milhão e 200 mil vagas”, afirma Anita.

No documento A aprendizagem profissional na lei Pelé (páginas 47-50)