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Legislação processual e formalismo

No documento Poder judiciário: morosidade e inovação (páginas 63-70)

1.1 Causas internas

1.2.2 Legislação processual e formalismo

Entre as causas da morosidade do Judiciário, a legislação processual e o formalismo são apontados, em regra e pela maioria daqueles que se debruçam sobre o tema, em especial os membros do Poder Judiciário, como os fatores de maior influência.

Os juízes apontaram, quando da realização da já referida pesquisa do IDESP, as deficiências do ordenamento jurídico e o formalismo processual exagerado como fatores de grande relevância para a morosidade da Justiça. O primeiro foi indicado por 84,8% e o outro por 83,4% dos entrevistados como fatores de muita relevância ou de relevância para tanto.96

É válido destacarmos que na pesquisa realizada pelo mesmo Instituto em 1994, o excesso de formalidades nos procedimentos também foi indicado por número expressivo de magistrados, ou seja, 82,3% dos juízes entrevistados, então como fator extremamente importante ou muito importante como obstáculo ao bom funcionamento do Judiciário.97

95 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico. Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, abr./jun. 1998. p. 83.

96 PINHEIRO, Armando Castelar. O judiciário e a economia na visão dos magistrados. In: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Os Juízes e a Reforma do Judicinrio, São Paulo: CETAC, 2001. p. 51. 97

SADEK, Maria Tereza. ARANTES, Rogério Bastos. A crise do Judiciário e a visão dos juízes. Revista USP

Mais recentemente, de acordo com os resultados da pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em 2005,98 um número também significativo de

juízes se mostrou favorável a propostas que tinham vinculação direta com a legislação processual como soluções para a morosidade.

No grupo dos entrevistados, propostas como a redução do número de recursos, a instituição da súmula impeditiva de recursos para decisões do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho, bem como a ampliação da competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, contaram com expressivo número de opiniões favoráveis.99

Dentre elas, merece destaque a primeira, que contou com posição favorável de 89,2% dos entrevistados. Este percentual demonstra, segundo a opinião dos juízes, que não apenas a legislação processual, em si, mas especificamente a larga possibilidade de interposição de recursos é entendida como a mais significativa causa dos mais graves problemas do Judiciário. Problemas que, sabemos, são a morosidade e a ineficácia das decisões judiciais, a segunda influenciada pela primeira.

No mesmo sentido é a opinião do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, magistrado com experiência na mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal. Ele destacou que “outra causa da lentidão da Justiça, que me parece, aliás, a mais importante, é o formalismo das leis processuais e o sistema irracional de recursos.”100

O legislador constituinte também foi sensível a essa realidade. Tanto que introduziu no rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.101

Tal previsão se dá com uma clara alusão às regras processuais, especialmente, circunstância que se confirmou depois com iniciativas acerca da legislação ordinária, como

98 SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006. 99 SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006. p. 57.

100 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico. Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, abr./jun. 1998. p. 77. 101

BRASIL. Constituição (1988). Artigo 5.0, inciso LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional n.0 45, de 30 de dezembro de 2004.

veremos, e com a busca de formação de bancos de dados e indicadores por parte do Conselho Nacional de Justiça.

Além disso, por meio da mesma Emenda Constitucional n. 45, consagrou-se a súmula vinculante,102 ferramenta que se indicou sempre como suficiente para eliminar milhares de

ações repetidas. Contudo, não foi conferido o mesmo prestígio para a súmula impeditiva de recursos e para a utilização das ações coletivas.

Da mesma forma, trabalhos publicados com sugestões de enfrentamento da morosidade dão conta de que é a legislação processual o fator apontado como a sua grande causa.

Franciulli Netto, por exemplo, ao lado do elenco de outras causas da morosidade e de conclusão pessoal sobre outras providências necessárias para enfrentá-la, constata objetivamente que “a maioria dos operadores do direito não titubeia ao eleger o atual Código de Processo Civil como o principal obstáculo para uma situação de maior eficiência e presteza na concretização da justiça.”103

Sena Rebouças, também, aponta excesso de formalismo decorrente da legislação processual como causa importante da morosidade ao afirmar que

O Poder Judiciário, entre nós, é garante da Constituição e aplicador das leis oriundas do Poder Legislativo. Ele não inventa soluções legais, salvo raríssimas hipóteses [...]. Grande parte das circunstâncias que determinam a lentidão das soluções judiciárias, bem com o excesso de formalismo, decorrem da lei processual [...].104

A importância dada à legislação processual como causa maior da morosidade do Judiciário pode ser percebida ainda pela inclusão destacada da necessidade de providências no Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano.

102

Id., Artigo 102, § 2.0, com redação dada pela Emenda Constitucional n.0 45, de 30 de dezembro de 2004. 103 FRANCIULLI NETTO, Domingos. A prestação jurisidicional. O ideal idealíssimo, o ideal realiznvel e o

processo de resultados. Campinas: Millennium, 2004. p. 101.

104

REBOUÇAS, Francisco de Paula Sena. Fim de século e justiça. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 146.

Firmado pelos três Poderes da República em dezembro de 2004, o Pacto elencou vários compromissos fundamentais. O primeiro deles foi a reforma constitucional do Judiciário e, em seguida, a reforma do sistema recursal e dos procedimentos, vindo depois compromissos relacionados com o acesso à Justiça, informatização e produção de dados estatísticos.105

Ainda assim, mesmo antes da fixação do compromisso por meio do Pacto que acelerou as reformas e por certo determinou que alterações mais significativas na busca da simplificação e celeridade fossem buscadas, várias alterações pontuais foram implementadas no Código de Processo Civil.

Na década de 90, foram introduzidos no ordenamento processual brasileiro institutos como a antecipação de tutela – Lei n.0 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Não há dúvida de que se tratou de ferramenta bastante útil, mas a própria morosidade do Judiciário acabou por banalizar o instituto. Com o passar do tempo – e é esta a realidade atual – o pedido de antecipação de tutela se tornou pedido habitual, invocado pelos advogados ainda quando flagrante a ausência dos seus requisitos – a verossimilhança do direito alegado, demonstrada por meio de prova inequívoca, bem como o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Trata-se de uma habitual tentativa de obter a antecipação como forma de amenizar a demora que se sabe deverá ser enfrentada até o exame do mérito da pretensão.

Também na década de 90 foram editadas a Lei n.0 8.953/94, que alterou o processo de execução, e a Lei n.0 9.079/95, que criou a ação monitória.

Em 2001, as Leis ns. 10.352 e 10.358 deram continuidade às iniciativas de reforma, determinando, a primeira, alterações no sistema recursal e, a segunda, modificações também relevantes, ainda que sem o objetivo direto de agilização dos procedimentos.

105 BRASIL. Ministério da Justiça. Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano.

Brasília, 2005. Disponível em:

<www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMIDA08DD25C48A6490B9989ECC844FA5FF1PTBRNN.htm. > Acesso em: 29 set. 2007.

No ano seguinte, a Lei n.0 10.444 introduziu outras alterações no processo de execução e modificou em parte a concepção do instituto da tutela antecipatória, introduzindo dois parágrafos no artigo 273 do Código de Processo Civil.

São exemplos mais recentes de alterações introduzidas no Código de Processo Civil, agora também por força dos compromissos assumidos quando do Pacto, aquelas decorrentes da Lei n.0 11.187, de 19 de outubro de 2005 – deu nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento –; da Lei n.0 11.232, de 22 de dezembro de 2005 – criou a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial; da Lei n.0 11.276, de 07 de fevereiro de 2006 – alterou regras quanto à forma de interposição de recursos, ao saneamento de nulidades processuais, ao recebimento de recurso de apelação; da Lei n.0 11.277, de 07 de fevereiro de 2006 – introduziu a possibilidade de julgamento de plano em primeiro grau, quando a matéria for unicamente de direito e o juízo já houver decidido pela total improcedência em casos idênticos –; da Lei n.0 11.280, de 16 de fevereiro de 2006 – alterou regras e princípios quando a incompetência relativa, meios eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia, carta precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos.

O Código de Processo Penal não sofreu significativas alterações nos últimos anos, o que não afasta, no entanto, na opinião de muitos, a necessidade de revisão dos procedimentos lá consagrados como meio de contribuir para a maior eficiência processual. Por exemplo, relevante seria a revisão da duplicidade de proceder em relação a fases de inquérito policial e instrução penal, cuja supressão determinaria a eliminação da repetição de ações e, com isso, garantiria mais celeridade na apuração dos crimes e imposição das penas; o efetivo estabelecimento de meios de comunicação modernos a tornar desnecessários os deslocamentos de acusados presos, que não raro determinam a obrigatoriedade de repetição de atos.

Na seara do processo penal, no entanto, é preciso que se destaque que não apenas a legislação ordinária contribuiu para a morosidade, mas também a forma como são interpretadas as leis e princípios na aplicação das regras processuais, em especial, o que já se denominou “excesso de garantismo.”106

106

GOMES, Conceição. O tempo dos tribunais: um estudo sobre a morosidade da Justiça. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 15.

Evidente que não se trata de atribuirmos à observância dos direitos e garantias fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa, uma das razões para a morosidade. Concordamos com Conceição Gomes ao estabelecer a distinção exata acerca do tema dizendo que

Integra-se no tema da lentidão da justiça, a questão, muito discutida entre nós, do chamado excesso de garantesmo, frequentemente apontado como uma das principais causas da morosidade judicial. Num Estado de direito, o sistema jurídico deve prever um conjunto de direitos fundamentais e de garantias, proibindo, não só qualquer limitação, mas também criando condições legais e substanciais para o seu efectivo exercício. É, contudo, conhecida (ao longo deste livro serão vários os exemplos) a grande divergencia entre o modelo constitucional e legal e as praticas operativas das quais resultam défice de garantismo. Questão diferente é a manipulação que o sistema e a prática judiciária permitem das garantidas fundamentais e a excessiva burocratização do processo civil e penal, dotados de um conjunto de “sendecânceas” formais que apenas servem o arrastamento do processo e não as garantias constitucionais de defesa. É neste contexto que poderá falar- se em excesso de garantismo ao qual é necessário pôr cobro.107

Assim, não é possível deixarmos de considerar certa a inclusão da legislação processual e sua complexidade como uma das causas a contribuir para a morosidade da prestação jurisdicional, ainda que com a ressalva quanto ao peso que a maioria atribuiu a ela como causa efetiva desta lentidão.

A ressalva se justifica porque compreendemos, como bem acentuam alguns autores, que o sistema processual posto permite desde logo renovações e simplificações úteis à celeridade. Esta circunstância retira a relevância da complexidade ou precariedade da legislação processual como causa mais destacada da morosidade.

É justamente essa a constatação de Helena Delgado Moreira quando afirma que “não se pode negar a existência de um campo reservado a urgentes renovações procedimentais e organizacionais, passíveis de serem implementadas dentro do sistema e cuja iniciativa não pertence a ninguém mais do que aos próprios membros do Judiciário.”108

107 GOMES, Conceição. O tempo dos tribunais: um estudo sobre a morosidade da Justiça. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 15-16.

108

MOREIRA, Helena Delgado Ramos Fialho. Poder Judicinrio no Brasil: crise de eficiência. Curitiba: Juruá, 2004. p. 177.

Nalini, na mesma linha de compreensão, destaca que

Nem sempre a lei garante uma justiça mais rápida. A hermenêutica do judiciário é menos arrojada, encara com timidez e reserva as providências partidas do Parlamento. Dependerá da consciência de cada juiz cumprir com adequação à revolucionária modificação processual. Para os inconformados com a marcha lenta do Judiciário, parece faltar certa dose de coragem cívica para simplificar o processo, mesmo sem alteração legislativa. [...] Entre juízes de ideologia mais conservadora, a pretexto de se assegurar o garantismo, a observância estrita aos preceitos processuais serve a um extremado formalismo. Chega-se a sacralização das praxes e, até mesmo, a uma verdadeira negação de justiça.109

Mais adiante, o autor conclui que “nada obstante a alteração do texto constitucional e as várias leis processuais dela derivadas, a Justiça ainda continua lenta”.110

Na avaliação da legislação processual como causa da morosidade, ainda, é preciso que se tenha presente que o processo é instrumento por meio do qual se viabiliza o exame e decisão sobre direitos materiais. Para tanto, o processo deve ser conduzido de forma não apenas organizada, mas também com respeito aos prazos e termos legais previamente estabelecidos na lei processual para garantir a completa dedução de pretensões e defesa, bem como a produção de provas. O cumprimento de todas estas providências exigirá sempre um tempo que será necessário.

Os estudiosos portugueses, capitaneados por Boaventura de Sousa Santos, identificam esse tempo esclarecendo que

[...] o tempo ideal de duração de um processo, que será aquele em que a rapidez e a eficiência do Tribunal se harmonizam com o tempo necessário à protecção dos direitos de todos os intervenientes no processo e que poderíamos designar como morosedade necessárea. No entanto, a morosidade necessária, apensar da sua indefinição, é um importante princípio regulador na medida em que a morosidade legal, ou seja, a que decorre do cumprimento dos prazos legais na prática dos actos judiciais, devia aproximar-se tanto quanto possível desse duração necessária.111

109 NALINI, José Renato. A rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 80. 110

Ibid., p. 139. 111

SANTOS, Boaventura de Sousa.; MARQUES, Maria Manuel Leitão.; PEDROSO, João.; FERREIRA, Pedro Lopes. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1996. p. 390.

Portanto, mesmo que exista a contribuição da legislação processual para a morosidade, outros aspectos relevantes e que com ela mantêm direta relação devem ser considerados no momento de avaliar a importância de sua influência. A partir disto, talvez a sua influência não seja tão significativa como defendem muitos.

No documento Poder judiciário: morosidade e inovação (páginas 63-70)