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Legitimação via estabelecimento de território

CAPÍTULO 2: LEGITIMAÇÃO

2.6 Legitimação via estabelecimento de território

Quando dois movimentos distintos, ambos oriundos da cultura popular entram

em um embate por legitimação e reafirmação sobre quem de fato seria o mais antigo

boi da cidade, entre o conhecido “boi da elite” (Caprichoso) devido ter sua origem nos

bairros mais nobres da cidade, onde inclusive conta com um maior número de

torcedores, contra o também popularmente chamado de “boi do povão” (Garantido),

este por ter sua origem nos bairros mais periféricos da cidade, conhecido como baixa

do São José, onde este encontra um maior número de torcedores.

Revelando que de fato um aspecto cultural socialmente construído e difundido

através de um movimento folclórico foi absorvido pela população de tal maneira a

dividir a cidade entre o lado vermelho e o lado azul.

Destarte, o que pode ser percebido em Parintins com base na prévia

descrição, com relação aos bois-bumbás folclóricos, é um embate fora do comum

entre segmentos de um mesmo lado da moeda (cultura popular), em uma busca por

legitimação onde o fator idade serviria de base nesse contexto para se saber quem

dentre ambos obteria mais respeito.

Como descrito pela revista Amazon View (2005, p. 12) a rivalidade entre os

bois-bumbás Garantido e Caprichoso, foi talvez um dos fatores pelos quais estes se

sobressaíram não só frente a outras festividades da cidade, mas frente a outros

bois-bumbás que existiram em Parintins.

A rivalidade entre os dois bois, que hoje dá magnitude ao Festival de Parintins, vem de origem. Foi uma espécie de antagonismo a primeira vista. Mas no começo era apenas uma brincadeira, na quadra junina [...] esta rivalidade ficou tão arraigada ao ponto de polarizar as opiniões em Parintins e anular outros bumbás da cidade.

Dentre os bois-bumbás existentes em Parintins que foram perdendo espaço

frente aos bumbás Garantido e Caprichoso podemos listar: o boi Campineiro, nascido

no bairro de Palmares em 1977 e que chegou a disputar os festivais até o ano de

1983, também os destacados por Tonzinho Saunier anteriormente como o boi

Diamantino e o boi Fita Verde da comunidade do Aninga, o boi Galante, e a partir de

relatos recentes presentes em trabalhos como o de Patrícia Patrício, os bois: Dois de

Ouro, Dois de Paus, Ramalhete e Corre Campo. “Em 2000 pagamos alguém para

fazer pesquisa, o Basílio Tenório, para ouvir todos os antigos. Eu via minha mãe

passando roupa contar história de que existia vários bois, Dois de Ouro, Dois de Paus,

Ramalhete, Corre Campo” (PATRÍCIO, 2007, p. 74).

Souza (2011) também corrobora com a temática em dois momentos, ao

pontuar que “no início da brincadeira de boi em Parintins, não havia só Caprichoso e

Garantido. Havia também o Fita Verde, Campineiro e outros bois [...], mas com o

passar do tempo somente os bumbás Caprichoso e Garantido resistiram” (SOUZA,

2011, p.54). E, em um segundo momento, através de relatos de Tonzinho Saunier

ressaltando que: “é complicado afirmar qual o primeiro boi de Parintins, porque em

pesquisas [...] apareceu o boi Diamantino entre 1910 a 1912 e o boi Fita Verde do

Aninga de 1910 a 1915” (SAUNIER, 1989, p. 42 apud SOUZA, 2011, p.52).

Souza (2011) contribui também, para um melhor entendimento sobre a visão

junina do Festival Folclórico de Parintins e da transição entre a antiga brincadeira de

rua ao “espetáculo”.

As mudanças nas brincadeiras juninas para o Festival deram origem à disputa. Artesãos e outros artistas parintinenses esmeraram-se na criatividade, o canto virou toada, o boi de pano e tala ganhou movimento e o antigo folguedo deu lugar a fantasias e grandes alegorias inspiradas na cultura amazônica (SOUZA, 2011, p. 52).

Importante ressaltar que toda disputa ocorrida entre os dois bois-bumbás

(Garantido e Caprichoso), a rivalidade, as rixas e as brigas, não se davam somente

de forma simbólica. Mas, em embates físicos entre ambas organizações e seus

respectivos torcedores, pelas ruas da cidade. “A origem do festejo do boi, nas ruas de

Parintins, registra brigas e confrontos diretos” (PATRÍCIO, 2007, p. 89).

Esses confrontos físicos foram ao passar do tempo sendo deixados de lado

depois que os bois-bumbás se organizaram em Festival em 1965 e nos anos 80

quando passaram a se apresentar na arena folclórica (o bumbódromo), dando espaço

ao confronto que “se dá apenas no plano verbal do desafio e das toadas, e no plano

plástico, cênico e musical do espetáculo (PATRÍCIO, 2007, p. 89). Aspecto também

trabalhado por Cardoso:

É certo que, ainda que outros bois tenham surgido nessa época, para a comunidade, Garantido e Caprichoso vão se diferenciando dos outros justamente por essa disputa pelo espaço da cidade e dos brincantes, pelos duelos apoteóticos, através de versos cantados pelos seus trovadores, que acabavam em briga e pancadaria, levando muitos para a cadeia municipal (CARDOSO, 2016).

Valentin (2005) ressalta a questão territorial presente na cidade, como a

divisão percebida na cidade de Parintins, demarcando o que seria o território do boi

azul (Caprichoso) e do boi vermelho (Garantido):

Geograficamente, a cidade se divide em duas, refletindo a dualidade dos Bois. Além das casas, árvores, postes e mobiliário urbano marcam a parte da cidade onde cada Boi tem sua sede e a maioria de seus torcedores. O Garantido foi fundado na parte da cidade conhecida como Baixa do São José, rio acima, a oeste e até hoje ocupa vigorosamente esse espaço; é lá que está sua nova sede administrativa, os galpões da Cidade Garantido, o "curral" dos ensaios [...] - tudo muito vermelho. Já o Caprichoso mais próxima ao centro da cidade, onde ficam também seus galpões, ateliês, sede social e "curral" de ensaios. Tudo, é claro, temperado com muito azul. Dividindo as metades da cidade, numa linha imaginária, estão suas duas maiores e mais imponentes construções: a Catedral de Nossa Senhora do Carmo e a arena do bumbódromo, erguendo-se como duas sentinelas e símbolos máximos dos dois extremos parintinenses: o mais sagrado e o mais profano (VALENTIN, 2005, p. 76)

Na figura 14, o lado vermelho representa o território do boi-bumbá Garantido

e o lado azul demarca o território do boi-bumbá Caprichoso. O ponto número 1 mostra

a localização da arena do boi-bumbá Garantido, o ponto número 2 mostra a

localização da arena do boi-bumbá Caprichoso.

Figura 14 – Mapa genérico demonstrando a divisão de território dos bois-bumbás na cidade de Parintins.

Fonte: Mapa organizado pelo autor com base no mapa de Parintins.

Interessante pontuar que as arenas de cada boi-bumbá, são popularmente

mais conhecidas e nomeadas pela população local como “currais”, sendo

respectivamente: o curral do boi Garantido e o curral do boi Caprichoso. O que

aproxima mais o fato folclórico imaginário da realidade.

Dessa maneira, fica evidente que o aspecto território, foi se estabelecendo de

modo simbólico entre a população da cidade. De um lado moradores (torcedores do

Boi Caprichoso) englobando áreas da cidade como os bairros Francesa, Santa Clara

e Santa Rita e do outro os moradores torcedores do Boi Garantido englobando os

bairros popularmente conhecidos na cidade como da “Baixa” dentre eles estão São

Benedito, São José, Senador José Esteves, João Novo, Djard Vieira. etc.