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4.4 LEGITIMIDADE

4.4.1 Legitimidade ativa e tutela coletiva

A legitimidade nas ações coletivas pode ser ativa ou passiva. A tutela coletiva passiva pode ser identificada quando, por exemplo, “[...] a hipótese de uma associação receber determinada verba para defesa do meio ambiente e não utilizá-la para este fim, fazendo com que a ausência de cuidados causem mais danos ao meio ambiente sendo possível, portanto a sua responsabilização565”. Entretanto, opta-se no presente trabalho por focar o estudo na legitimação ativa coletiva na tutela transindividual566.

Em especial, as ações civis públicas não seguem a regra geral do processo civil tradicional a qual determina que deve existir uma conexão perfeitamente identificável entre a relação jurídica do direito processual com a do direito material. Os legitimados para agir não se confundem com os titulares do direito material567.

Quando um indivíduo detém a faculdade de postulações em juízos sobre direitos e interesses que afirma ser titular em detrimento a outra pessoa ou contra o Estado, a legitimidade é considerada ordinária. Nesse caso, afirma-se que a legitimidade é concedida aos sujeitos titulares dos interesses conflitantes568.

Segundo o novo CPC, “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico” (art. 18)569. Esta exceção prevista pela norma

565

GARRIDO, Renata Lorenzetti. Legitimidade ativa das associações para a propositura de ações coletivas.

Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 16, p. 89-102, out-dez, 1995, p. 99..

566 Para estudo sobre a ação coletiva passiva: MAIA, Diogo Campos Medina. Ação coletiva passiva: a ação

coletiva passiva: o retrospecto histórico de uma necessidade presente. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (coord.). Direito processual coletivo e o

anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 321-344;

GUERRA, Márcia Vitor de Magalhães. Ação coletiva passiva: uma análise quanto à formação do grupo demandado. In: ZANETI JUNIOR, Hermes (coord.). Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 305-318; LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 267-268; GRINOVER, Ada Pellegrini. Aspectos gerais: direito processual coletivo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (coord.). Direito processual coletivo e o

anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 828-829;

SANT’ANNA, Danilo Barbosa de. Processo Coletivo Passivo: um estudo sobre a admissibilidade das ações

coletivas passivas. 2015. 139 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de

Brasília, Brasília, 2015.

567 GUEDES, Clarissa Diniz. Legitimidade e representatividade na ação civil pública: por um controle ope

judicis amparado em parâmetros constitucionais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; MOUTA, José Henrique; MAZZEI, Rodrigo (coord.). Tutela Jurisdicional Coletiva. 2ª série. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 159.

568 Cf. FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas,

2007, p. 192; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio

entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 137; CÂNDIA, Eduardo. Legitimidade ativa na ação civil pública. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 54-55; ROQUE, André Vasconcelos. Class Actions: Ações Coletivas nos Estados Unidos: o que podemos aprender com eles?. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 625-635.

569 Esse artigo tem correspondência com o artigo 6º do antigo CPC: “ninguém poderá pleitear, em nome próprio,

processual revela a chamada legitimidade extraordinária, anômala ou especial570. Quando a lei permite, a legitimidade é cedida à parte que age em nome próprio para a tutela de direito alheio. Seguindo esse raciocínio, na tutela dos direitos coletivos em sentido amplo, o legitimado litiga em juízo para a defesa de interesses alheios na qualidade de substituto processual571.

A ação coletiva é, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “exercitável por determinados organismos públicos ou privados em defesa do grupo de pessoas que tenham sido vítimas do mesmo tipo de lesão, dentro das características da respectiva legislação especial572”. A ação civil pública é, para Caio Márcio Loureiro, “um instrumento implementador do acesso à justiça, no sentido de acesso ao Judiciário, porque nela se consagrou forma diferenciada de legitimação ativa, não se vinculando ao titular do interesse573”. Diferentemente das class actions norte-americanas que podem ser propostas por um indivíduo ou um grupo de indivíduos que possuam representatividade, as ações civis públicas somente podem ser propostas pelo poder público ou por pessoas jurídicas privadas. Nas ações coletivas brasileiras, não se admite a participação de indivíduos574, salvo no caso das ações populares que podem ser propostas por um cidadão.

A legitimação extraordinária poderá ser tanto exclusiva ou singular, quanto concorrente. Ela será exclusiva quando ao se atribuir legitimidade ativa a um terceiro, a do titular da relação jurídica é excluída. Por outro lado, será concorrente quando a legitimação é permitida tanto para terceiro quanto para o sujeito da relação jurídica575.

A legitimidade para agir nas ações coletivas é concorrente porque todos os colegitimados ativos podem atuar na tutela dos direitos supraindividuais576; e disjuntiva, pois qualquer um poderá realizar isoladamente a propositura de ação coletiva, sem necessidade de

570 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 21 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 63 e 64.

571

Cf. FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007, p. 192; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio

entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 137-138.

572

Ibidem, p. 138.

573 LOUREIRO, Caio Márcio. Ação civil pública e o acesso à justiça. São Paulo: Método, 2004, p. 215. 574 BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos das class actions

norte-americanas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al.] (org.). Processo coletivo: do surgimento à

atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 228.

575GARRIDO, Renata Lorenzetti. Legitimidade ativa das associações para a propositura de ações coletivas.

Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 16, p. 89-102, out-dez, 1995, p. 95. CÂNDIA, Eduardo. Legitimidade ativa na ação civil pública. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 73.

576 ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública. 3a ed. rev. atual. ampl. São

litisconsórcio ou autorização de outro colegitimado. Caso haja interesse, a ação pode ser proposta em conjunto com demais legitimados, mas o litisconsórcio será facultativo577.

A consideração do processo coletivo com a presença da legitimação ativa extraordinária578 sofre crítica por parte da doutrina. Fernando da Fonseca Gajardoni579 argumenta que esse tipo de legitimação não representaria de maneira satisfatória o fenômeno, porque ainda o seu conceito é influenciado pelo individualismo. Deve-se atentar-se ao fato de que nos direitos difusos, as pessoas são indeterminadas e o autor coletivo também seria um titular do direito material, não sendo possível afirmar que haveria substituição processual, Uma associação pode ter interesse institucional na defesa dos direitos transindividuais dos consumidores.

Há o argumento de que a legitimação em tutela coletiva seria autônoma para a condução do processo, pois não segue a lógica processual civil clássica580. Essa classificação se estende aos interesses individuais homogêneos, também, pois, conforme sustenta Fernando da Fonseca Gajordoni, as ações coletivas surgem em contexto de “temática inteiramente diferenciada, daquela em que se assenta o processo tradicional, de caráter individual581”, e que tem como consequência, “conceitos clássicos como o de legitimação e interesse têm de ser readaptada para a análise dos pressupostos e condições582” das ações civis coletivas583. Hermes Zaneti Junior utiliza a ideia da legitimação autônoma para conceituar o processo coletivo:

577 Cf. PAIS, Milena Fichmann Facio Vieira. Legitimação nas ações coletivas para defesa dos interesses

transindividuais dos consumidores. In: CALDEIRA, Patrícia (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do

Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 404; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Código de defesa do consumidor interpretado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.287-288;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as

garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 138; NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 742.

578 VALCANOVER, Fabiano Haselof. Legitimidade ativa e passiva em matéria de Ação Civil Pública e Ações

Coletivas. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 4, n. 2, 01 abr. 2013. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/1210-legitimidade-ativa-e-passiva-em-materia-de-acao-civil-publica-e- acoes-coletivas>. Acessado em: 11 de outubro de 2016.

579 GAJORDONI, Fernando da Fonseca. Processo coletivo refém do individualismo. In: ZANETI JUNIOR,

Hermes (coord.). Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 147-151.

580 COSTA, Geovana Specht Vital da. Das espécies de legitimidade ativa na tutela dos interesses difusos.

Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, 01 jan. 2012. Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/revista-eletronica/43-volume-4-numero-1-trimestre-01-01-2013-a-31- 03-2013/1184-das-especies-de-legitimidade-ativa-na-tutela-dos-interesses-difusos>. Acessado em: 11 de outubro de 2016.

581

GAJORDONI, Fernando da Fonseca. Processo coletivo refém do individualismo. In: ZANETI JUNIOR, Hermes (coord.). Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 150.

582 Idem. 583

Em sentido contrário, a extensão da legitimação autônoma para os casos de interesses individuais homogêneos: ARAÚJO, Alexandre Mota Brandão de. Condições da ação civil pública. 2013. 390 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 330-331.

Nesse sentido, conceitua-se processo coletivo como aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma coletividade, um grupo ou um determinado número de pessoas584.

Essa corrente se propõe a libertar a tutela coletiva da ideologia individualista. No entanto, a posição majoritária tem sido o acolhimento da legitimação extraordinária por substituição processual nas ações coletivas585. A substituição processual não se confunde com a representação, pois nesta, a pessoa age e defende em nome alheio, como o procurador e mandatário. Por outro lado, na substituição, a pessoa atua em nome próprio para a defesa de direitos alheios, como por exemplo, o gestor de negócios ou o curador especial, em proveito dos interesses tutelados586.

Entretanto, sobre esse ponto, cabe a ressalva de Tereza Arruda Alvim587. A autora indica que não se pode afirmar que seria substituição processual dos particulares que integram a coletividade. De certa forma, todos os legitimados ativos estarão defendendo interesses que lhes dizem respeito, tendo em vista que institucionalmente foram criados, ao menos em parte, para a tutela de direitos da coletividade588.

Defende-se que a melhor posição é considerar que, nos casos das ações civis públicas, há legitimação específica que se diferencia da lógica processualista individual. O melhor entendimento seria, na expressão de Luís Manoel Gomes Junior e Mirian Fecchio Chueiri, o de considerar a hipótese de “legitimação processual coletiva”. Eles afirmam que esse tipo é “a possibilidade de almejar a proteção dos direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos e

584

ZANETI JUNIOR, Hermes. Da lei à constituição: a positivação dos direitos difusos e coletivos na constituição brasileira. In: JEVEAUX, Geovany Cardoso (org). Uma teoria da justiça para o acesso à justiça. Rio de Janeiro: GZ, 2012, p. 289.

585 BARRETO, Susana Cadore Nunes. Novo código de processo civil e o microssistema de processos coeltivos:

uma análise do art. 18. In: ZANETI JUNIOR, Hermes (coord.). Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2016, P. 292.

586 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 21. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 64.

587

ALVIM, Tereza Arruda. Apontamentos sobre as ações coletivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al.] (org.). Processo coletivo: do surgimento à atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 104.

588

Luis Manoel Gomes Junior e Mirian Fecchio Chueiri argumentam contra a ideia da substituição, porque o “substituto é afetado, positiva ou negativamente, em seu direito material pelos efeitos de decisão”, deferente nas ações coletivas, pois “uma sentença de improcedência, independentemente do motivo, haja ou não suficiência de provas não impedirá a tutela individual do direito, afastando, assim elemento essencial da substituição processual”. GOMES JUNIOR, Luis Manoel; CHUEIRI, Mirian Fecchio. Sistema Coletivo: porque não há substituição processual nas ações coletivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al.] (org.). Processo coletivo:

individuais homogêneos), ainda que haja coincidência entre os interesses próprios de quem atua com daqueles que serão, em tese, beneficiados com a decisão a ser prolatada589”.

Estão explícitos no rol de legitimado ativos, segundo o artigo 82 do CDC: Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica e as associações. A Lei das ACPs ainda acrescenta como colegitimada ativa, a Defensoria Pública no seu artigo 5º, inciso II. Esse rol é considerado taxativo segundo a doutrina590 e jurisprudência591.

Álvaro Luiz Valery Mirra relaciona a participação judicial com a legitimidade ativa para a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais. Para ele, a participação judicial direta “se dá nas hipóteses em que a legitimidade ativa para a causa é conferida ao indivíduo ou cidadão592”. Em outro polo, a participação indireta é atribuída às instituições sociais secundárias, como o Ministério Público e associações, que estão em uma posição intermediária entre o povo e os representantes políticos. Do ponto de vista substancial, essas instituições “são verdadeiros representantes do povo e autênticos porta-vozes dos interesses da sociedade na proteção dos direitos e interesses difusos”593

.

O Ministério Público estadual e federal tem legitimidade para atuar na defesa de direitos dos consumidores difusos e coletivos em estrito sensu, à luz do artigo 129, inciso III, e Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, artigo 25, inciso IV, alínea ‘a’. Segundo João Batista de Almeida, dentre os colegitimados, o MP estaria em primeiro plano594. Clarissa Diniz Guedes afirma que: “a legitimidade por excelência para ajuizar ação civil pública é do membro do Ministério Público que detenha atribuições correlatas à competência do órgão jurisdicional; é ele quem verdadeiramente representa os interesses da coletividade595”. Este

589 GOMES JUNIOR, Luis Manoel; CHUEIRI, Mirian Fecchio. Sistema Coletivo: porque não há substituição

processual nas ações coletivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini [et. al.] (org.). Processo coletivo: do

surgimento à atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1276.

590

SILVA, Marcus Vinícius Fernandes Andrade da. Direito do consumidor. São Paulo: MP, 2008, p. 246.

591 A exemplo do julgado: BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 400046. Relator

Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Sexta Turma. Rio de Janeiro, 30 de março de 2009. Diário de Justiça de 15 de abril de 2009..

592

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Legitimação para demandas coletivas: Associações civis e a defesa dos interesses difusos em juízo: do direito vigente ao direito projetado. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (coord.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de

código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 116.

593

Ibidem, p. 117.

594 ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública. 3a ed. rev. atual. ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 130.

595

GUEDES, Clarissa Diniz. Legitimidade e representatividade na ação civil pública: por um controle ope judicis amparado em parâmetros constitucionais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; MOUTA, José Henrique; MAZZEI, Rodrigo (coord.). Tutela Jurisdicional Coletiva. 2ª série. Salvador: Juspodvm, 2012, p. 190.

posicionamento induz ao entendimento de que o Parquet teria maior importância do que os demais legitimados ativos, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico, pois a legislação pátria não estabelece hierarquia entre eles.

No caso dos interesses individuais homogêneos, a posição adotada pela doutrina é pelo reconhecimento da legitimidade do Parquet, mas com a ressalva de que nem todos são passíveis de proteção ministerial. Deve ser permitida a legitimidade quando se tratar de relação de consumo, que, no caso concreto, os direitos sejam dotados de grande relevância social596 ou de destacado interesse público. Vai depender, segundo José Luiz Ragazzi, “da dimensão e da característica do dano ou ainda da relevância do bem jurídico a ser protegido (em princípio, direitos indisponíveis), até mesmo em função do dispositivo no artigo 127, da Constituição”597

.

O Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo editou a súmula n. 7 que estabelece que a entidade está legitimada para tutela de interesses individuais homogêneos dos consumidores, desde que tenha relevância social. A importância social decorrerá, a exemplo, “da natureza do interesse ou direito pleiteado, da considerável dispersão de lesados, da condição dos lesados, da necessidade de garantia de acesso à Justiça, da conveniência de se evitar inúmeras ações individuais, e/ou de outros motivos relevantes598”.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem o entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública para a tutela de direitos transindividuais do consumidor quando houver interesse social compatível com finalidade da entidade599. Em acordão de relatoria do ministro Luiz Fux, entendeu-se que a tutela dos direitos individuais homogêneos não deve veicular pretensão que pertence a um indivíduo isolado, mas de natureza genérica cuja violação afeta a esfera individual. Considerou, na

596 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as

garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 140.

597

RAGAZZI, José Luiz. Código de defesa do consumidor comentado. São Paulo: Verbatim, 2010, p. 301- 302.

598 SÃO PAULO. Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Súmula nº 07 de 17 de

novembro de 2012. O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos de consumidores ou de outros, entendidos como tais os de origem comum, nos termos do art. 81º, III, c/c o art.82, I, do CDC, aplicáveis estes últimos a toda e qualquer ação civil pública, nos termos do art.21º da LAC 7.347/85, que tenham relevância social, podendo esta decorrer, exemplificativamente, da natureza do interesse ou direito pleiteado, da considerável dispersão de lesados, da condição dos lesados, da necessidade de garantia de acesso à Justiça, da conveniência de se evitar inúmeras ações individuais, e/ou de outros motivos

relevantes. Disponível em:

<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/conselho_superior/sumulas/SUMULAS%20CONSOLIDADAS%20 PARA%20O%20SITE.doc>. Acessado em 17/11/2016.

599 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 177965. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar.

ocasião, que a ação coletiva que verse sobre direitos individuais homogêneos está relacionada, na essência, a direitos indisponíveis, pelo fato de serem supraindividuais, e, por isso, legitima- se o MP600. Neste mesmo sentido601, no Recurso Especial n. 855.181/SC de 2009, cujo relator era o Ministro Castro Meira, o STJ decidiu que há legitimidade do Ministério Público para a tutela de direitos individuais homogêneos em matéria de serviço de telefonia pela sua repercussão social cuja prática da empresa atinge milhares de pessoas602.

Ademais, em função da aplicação do princípio do acesso à justiça, não há óbice para a propositura de ação coletiva para a defesa dos consumidores no âmbito da Justiça Federal pelo Ministério Público estadual. A permissão legal para a legitimação do Ministério Público é para a entidade ministerial como um todo, como instituição una e indivisível603.

Nem sempre a legitimidade do Ministério Público é cabível. Clarissa Diniz Guedes apresenta o seguinte exemplo: uma determinada feira é deslocada de um determinado bairro X para outra localidade situada no bairro Y. Questiona-se se o Ministério Público teria legitimidade para tutelar os interesses dos moradores de determinado bairro em detrimento de outro. A posição do ente ministerial favorável aos moradores do bairro X poderia se revelar inadequada, desnecessária ou desproporcional para a sua finalidade institucional. Inadequado porque a entidade não tem atribuições para estabelecer quais são os direitos que são predominantes nesse caso, não podendo alcançar os objetivos da legitimidade ativa coletiva. Como consequência, seria desnecessária porque haveriam outros meios mais adequados, porquanto a legitimidade das associações seria mais apropriada para a defesa dos interesses dos moradores do bairro X ou Y. A legitimidade do Município poderia ser o caminho mais