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5.5 EM BUSCA DE MAIOR EFETIVIDADE NA TUTELA DOS DIREITOS DOS

5.5.1 Pelo reconhecimento da vulnerabilidade associativa dos consumidores

O Código de Defesa do Consumidor considera no seu artigo 4º, inciso I, o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Essa previsão, para Rizzatto Nunes é a primeira medida para a busca da isonomia garantida pela Constituição Federal, considerando o consumidor como parte fraca da relação jurídica entre este e os fornecedores829. Por isso, esse princípio é pedra angular do direito do consumidor e o ponto de partida para o entendimento das relações de consumo, além de ser elementar para a Política Nacional de Defesa do Consumidor830. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, consolidou a sua jurisprudência na autorização da incidência do CDC para a pessoa jurídica ou física que, embora não seja destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade831. Segundo o mesmo tribunal superior:

O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios832.

828

Nesse mesmo sentido, Rodrigo Mendes de Araújo tem o entendimento que: “Acreditamos que a valorização do papel das associações passa por uma reforma que leve em conta os planos teóricos e práticos, adotando-se as seguintes medidas: (i) uma maior conscientização dos cidadãos sobre a relevância do papel e do trabalho das associações; (ii) um maior controle quanto à capacidade, independência, seriedade e representatividade das associações, controle esse pode ser feito previamente, de forma abstrata e vinculada, pelos entes governamentais, ou dentro do processo judicial, através de uma análise a ser empreendida pelo próprio juiz, com auxílio inestimável dos membros do Ministério Público; e (iii) a criação de incentivos financeiros à atuação das associações, tais como a gratificação prevista no artigo 16, §3º do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos USP/IBDP”ARAÚJO, Rodrigo Mendes de. A representação adequada nas ações coletivas. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 157.

829 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 176. 830 Cf. SOUZA, Nadialice Francischini de. Relações de consumo: desmitificando a aplicação do princípio da

vulnerabilidade. Salvador: Mente Aberta, 2013, p. 123.

831

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 837871. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Terceira Turma. Brasília, 26 de abril de 2016. Diário de Justiça Eletrônico de 29 de abril de 2016.

832

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 586316. Relator Ministro Herman Benjamin. Segunda Turma. Brasília, 17 de abril de 2007. Diário de Justiça Eletrônico de 19 de março de 2009..

A vulnerabilidade do consumidor é um aspecto da sociedade pós-moderna e globalizada cujas relações de consumo diminuíram o poder de barganha do consumidor e elevaram a desigualdade de poder dos fornecedores que influenciam as regras de mercado. Em meio às práticas de contratos de adesão como nos casos, por exemplo, dos bancos ou telefonias, nos quais milhares ou milhões de pessoas contratam e utilizam os serviços, dificilmente um indivíduo conseguiria discutir o seu conteúdo jurídico contratual833. Neste contexto, o consumidor está exposto aos erros técnicos e falhas dos processos de produção, práticas abusivas e contratos massificados834.

Há que se destacar, ainda, que por causa das características dos indivíduos, a vulnerabilidade é agravada, como por exemplo, quando o consumidor é idoso, deficiente ou criança. Além disso, esse conceito diferencia-se da hipossuficiência que apesar de estar também presente no CDC (artigo 6º, VIII) é o critério de avaliação no caso concreto para que o juiz decida sobre a possibilidade de inversão do ônus da prova em prol do consumidor835.

Cláudia Lima Marques836 sustenta que a vulnerabilidade é um estado inerente de risco, uma situação que pode ser permanente ou provisória, individual ou coletiva, que coloca o sujeito de direitos em desvantagem, fragilizando-o e desequilibrando a relação de consumo837. Bruno Miragem sustenta que ela “associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, ainda, de uma posição de forma que pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica838”. Para a doutrina tradicional existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, fática e a jurídica839. Adicionalmente a este rol, o STJ tem incluído à luz do

833

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 321.

834 CANTO, Rodrigo Eidelvein do. Direito do consumidor e vulnerabilidade no meio digital. Revista de direito

do consumidor, São Paulo, n. 87, p. 179-210, maio-jun, 2013, p. 185.

835 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014, p. 122.

836 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código

de Defesa do Consumidor. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 228.

837 Cf. MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 162.

838 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014, p. 122.

839

Alguns autores acrescentam outros tipos de vulnerabilidades. Segundo Rafael Augusto de Moura Paiva aborda mais três tipos: a psíquica (“porque na vida rela as pessoas nem sempre comportam-se de maneira racional quando fazem escolhas”); a política ou legislativa (“os operadores econômicos e fornecedores organizam-se com muito mais facilidade do que a imensa massa de consumidores, tendo ainda um melhor acesso ao poder, facilitando a sua atuação política, lobbies, no plano legislativo etc., sendo que os benefícios de tal organização não são repartidos com os consumidores e podem chegar a prejudicá-los”); e a ambiental (“alguns autores falam no mal aproveitamento dos recursos existentes, por uma sociedade voltada para o consumo

entendimento de Cláudia Lima Marques840 a vulnerabilidade informacional que corresponde aos dados insuficientes sobre um produto ou serviço que sejam capazes de influenciar no processo decisório de contratação841.

Apesar de a doutrina considerar tradicionalmente três tipos de vulnerabilidade, é possível reconhecer outros, mesmo que em decorrência de um dos citados. O STJ tem entendido que nos casos práticos pode apresentar novas maneiras de vulnerabilidade que são aptas para atrair a incidência do CDC para a relação de consumo842.

Na vulnerabilidade técnica, segundo Claudia Lima Marques, “o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo, e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade843”. O consumidor não dispõe de conhecimento especializado sobre o produto ou serviço que consome, ao contrário do fornecedor que se presume o conhecimento aprofundado sobre os produtos e serviços que oferece844.

Por sua vez, a vulnerabilidade fática ou socioeconômica traduz na ideia de que o fornecedor tem grande poder econômico, que diante de essencialidade de serviço, impõe-se a sua superioridade em detrimento a todos os consumidores que com ele contrata845. Segundo Bruno Miragem: “é a espécie mais ampla, que abrange, genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do consumidor846”. A mais evidente é a massificado, como geradores de danos e riscos à saúde, à segurança e ao bem-estar das pessoas; outros acrescentam que, mesmo no seu ambiente mais íntimo, como a casa onde reside e onde mantém a sua caixa de correios, bem como o seu computador, o consumidor vem sendo ‘atacado’ por ofertas de consumo indesejadas, que lhe constrangem e tomam tempo, o que acontece, por exemplo, através de práticas como o door step selling ou o envio de comunicação comercial não solicitada)”. PAIVA, Rafael Augusto de Moura. Repensando o “ser” consumidor. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 88, p. 103-142, jul-ago, 2013, p. 116-117.

840

Cf. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 335-338. MARQUES,

Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 158-159.

841 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1195642. Relatora Ministra Nancy Andrighi.

Terceira Turma. Brasília, 13 de novembro de 2012. Diário de Justiça Eletrônico de 21 de novembro de 2012.

842 Idem.

843 MARQUES, Claudia Lima. Estudos sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso

do crédito consignado a consumidores analfabetos. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 95, p. 99- 145, set-out, 2014, p. 117-118.

844 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014, p. 123.

845

Cf. MARQUES, Claudia Lima. Estudos sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso do crédito consignado a consumidores analfabetos. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 95, p. 99-145, set-out, 2014, p. 123; BESSA, Leonardo Roscoe; ZABAN, Breno. Vulnerabilidade do consumidor: estudo empírico sobre a capacidade de tomada de decisões financeiras por interessados na compra de imóveis.

Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 101, p. 209-237, set-out, 2014, p. 217.

846 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

vulnerabilidade econômica do consumidor em comparação com o fornecedor, o que, nesses casos, revela a falta de meios econômicos do consumidor.

A vulnerabilidade jurídica ou científica ocorre quando há ausência de conhecimento por parte do consumidor dos seus direitos e deveres na relação de consumo, faltando compreensão acerca das consequências jurídicas nas contratações847. É aquela que se manifesta, também, nas dificuldades que o cidadão consumidor tem para defender seus direitos, seja na esfera administrativa, seja no âmbito judicial. Deste modo, caracteriza-se a vulnerabilidade jurídica no momento em que os consumidores sofrem alguma lesão em função de práticas abusivas nas relações desiguais de consumo, e os mesmo tentam solucionar sozinhos, com advogados, defensoria pública, perante o ministério público848 ou uma associação.

Nesse raciocínio, Paulo Valério Dal Pai Moraes considera: “vulnerabilidade jurídica é a possibilidade de o contribuinte, o cidadão, o trabalhador, ser maculado, ofendido, melindrado nos seus direitos básicos, considerada a sua dificuldade de, isoladamente, defender-se na esfera administrativa e judicial849”. No entanto, essa vulnerabilidade não é apenas no aspecto do consumidor considerado individualmente, mas, também, reflete coletivamente na questão das associações.

O vulnerável ao tentar buscar a defesa dos seus direitos perante o Poder Judiciário, muitas vezes sem advogado (nos casos dos juizados e direitos individuais homogêneos), encontrará muita dificuldade por ser litigante eventual (aciona o judiciário apenas poucas vezes ou uma única vez na vida), ao contrário dos grandes fornecedores que, em geral, tem um corpo técnico jurídico acostumado e mais preparado para atuar no processo por ser litigante habitual. Por isso, se faz necessário o fortalecimento das associações para a tutela desses direitos individuais homogêneos850.

Em decorrência dessa vulnerabilidade, há que se reconhecer outra, que está se evidencia ao se tratar das demandas de massa e da participação dos próprios titulares dos direitos consumeristas. Pode-se considerar que a falta de associações para a tutela dos direitos dos coletivos e as possíveis dificuldades na atuação do processo coletivo refletem na existência de uma vulnerabilidade associativa do consumidor. Esse tipo coloca os consumidores em

847

Ibidem, p. 123.

848 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Legitimidade para a defesa dos interesses coletivos lato sensu, decorrentes

de questões de massa. Revista de direito do consumidor, São Paulo, n. 56, p. 28-53, out-dez, 2005, p. 152.

849

Ibidem, p. 178.

850 PAIVA, Rafael Augusto de Moura. Repensando o “ser” consumidor. Revista de direito do consumidor, São

desvantagens perante os fornecedores para além das relações de consumo, pois afeta o acesso à justiça dos direitos transindividuais.

Os consumidores fazem parte da sociedade de consumo e participam de relações de massa que atingem a coletividade, mas há poucas associações que buscam a tutela jurisdicional coletiva. José Carlos de Oliveira afirma que “contam-se nos dedos os institutos e associações de consumidores, o que talvez seja decorrência da pouca organização social entre nós, fruto do paternalismo estatal, por via do qual se espera tudo do Estado e suas ramificações851”.

Há um prejuízo ao acesso à justiça pela imobilidade dos cidadãos-consumidores quanto à tutela coletiva dos direitos852. Sônia Maria Vieira de Mello defende que apesar de o CDC trazer diversas garantias para o equilíbrio de formas entre o consumidor e fornecedor, os instrumentos de proteção não produziram efeito se os próprios afetados pelas relações jurídicas consumeristas não tiverem conscientização e organizações associativas853.

Por isso, em função da sociedade de consumo, massificada e com pouca cultura de associativismo e em função da preocupação com o acesso à justiça da seara consumerista, é necessário haver o reconhecer da vulnerabilidade associativa dos consumidores que é decorrente da vulnerabilidade jurídica.