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CAPÍTULO II. O PRINCÍPIO DA COISA JULGADA

SEÇÃO 3. Tribunal Arbitral versus Corte Estatal

D. Lei aplicável: em busca de regras materiais transnacionais

Conforme acima exposto, restam divergências entre as legislações nacionais e convenções internacionais para o tratamento do conflito tribunal arbitrais versus corte

373FAWCETT, J. J. op. cit., p. 60.

374CARMONA, Carlos Alberto. op. cit., p. 161.

375POUDRET, Jean-François. Exception d’arbitrage et litispendance en droit Suisse: comment départager le

estatal, pois não há uma regra uniforme que regule esse tipo de conflito em arbitragem internacional.

Ademais, arbitragem e processo judicial pertencem a mundos distintos, têm suas convenções sobre competência e execução, sem que haja uma intersecção entre os procedimentos arbitral e o judicial376.

A evolução do método conflitual analisada na Seção 2 constata as diversas possibilidades de regulação da validade da cláusula compromissória e do procedimento arbitral.

Por esse motivo, tem-se buscado uma regra material pró-arbitragem, sem interferência dos direitos domésticos e do recurso ao método conflitual. Contudo, essa regra material deveria ter um amplo alcance para abarcar o máximo de jurisdições possível377.

Para esses casos em que há um conflito de jurisdição entre a corte estatal e o tribunal arbitral, primeiramente, deve-se aplicar um princípio da competência-competência de modo uniforme, a partir de um consenso sobre sua noção e seus efeitos.

As Recomendações da ILA reconheceram o efeito positivo da competência- competência, tendo em vista ser aceito amplamente em arbitragem internacional, conferindo aos árbitros o direito de prosseguir com a arbitragem e julgar sobre sua própria competência, ainda que haja um procedimento paralelo sobre a mesma questão perante uma corte judicial. Ademais, ressalte-se que o conceito de procedimento paralelo adotado pela ILA é mais flexível e abrangente, sem a rigidez da tríplice identidade (identidade de parte, causa de pedir e pedido), pois exige apenas as mesmas partes e que os mesmos pedidos ou substancialmente os mesmos, in verbis:

Recomendações ILA, n. 1: “An arbitral tribunal that considers itself to

be prima facie competent pursuant to the relevant arbitration agreement should, consistent with the principle of competence-competence, proceed with the arbitration (“Current Arbitration”) and determine its own jurisdiction, regardless of any other proceedings pending before a national court or another arbitral tribunal in which the parties and one or more of the issues are the same or substantially the same as the ones before the arbitral tribunal in the Current Arbitration (“Parallel Proceedings”). Having determined that it has jurisdiction, the arbitral tribunal should proceed with the arbitration, subject to any successful setting aside application.” (Grifou-se)

376HOUTTE, Hans van. op. cit., p. 53. 377Id. Ibid., p. 46.

As Recomendações da ILA distinguem duas situações para a incidência do princípio da competência-competência.

Primeiro, prevê os casos de procedimentos paralelos entre uma corte estatal e um tribunal arbitral localizados no mesmo Estado. Neste caso, as Recomendações sugerem aos árbitros que considerem a possibilidade de uma eventual anulação da sentença arbitral, de acordo com a lei dessa jurisdição, ao decidirem por prosseguir ou suspender o procedimento arbitral, in verbis:

ILA Recommendations, Anexo 1, parágrafo 3: “Where the Parallel

Proceedings are pending before a court of the jurisdiction of the place of the arbitration, in deciding whether to proceed with the Current Arbitration, the arbitral tribunal should be mindful of the law of that

jurisdiction, particularly having regard to the possibility of setting aside

of the award in the event of conflict between the award and the decision of the court.” (Grifou-se)

Portanto, a ILA não estabeleceu uma regra material para o caso de conflito entre o tribunal arbitral e uma corte estatal localizada na sede da arbitragem. Nesse caso, recomendaram que os árbitros considerassem a lei da sede da arbitragem, que determinará se as questões de competência devem ser decididas pela corte judicial ou pelo tribunal arbitral. Assim, o tribunal agirá nesse tipo de conflito de acordo com essa lei.

Segundo, prevê tratamento diverso para os procedimentos paralelos transnacionais, entre uma corte estatal e um tribunal arbitral situados em países diferentes. Para esse caso, as Recomendações da ILA estabelecem uma regra material para que os árbitros prossigam à arbitragem com base no princípio da competência-competência, salvo se a parte tiver renunciado à cláusula compromissória ou em “outras circunstâncias excepcionais”, não definidas nas Recomendações. Essas situações excepcionais são aquelas que fogem à aplicação da regra geral da competência-competência. Por exemplo, quando o requerente na arbitragem ajuizou uma ação em um foro estrangeiro, renunciando à cláusula compromissória. Nesse caso, seria mais apropriado, segundo os comentários da própria ILA, que a corte estrangeira julgasse de acordo com as suas regras processuais se houve renúncia e que o tribunal arbitral suspenda a arbitragem até a decisão do juiz estatal378.

378INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION – ILA. Final Report on lis pendens and arbitration,

Senão, veja-se:

ILA Recommendations, Anexo 1, parágrafo 4: “Where the Parallel

Proceedings are pending before a court of a jurisdiction other than the jurisdiction of the place of the arbitration, consistent with the principles

of competence-competence, the tribunal should proceed with the Current

Arbitration and determine its own jurisdiction, unless the party initiating the arbitration has effectively waived its rights under the arbitration agreement or save in other exceptional circumstances.” (Grifou-se)

Portanto, o princípio da competência-competência prevalece nas Recomendações da ILA para procedimentos paralelos transnacionais como uma regra material, à exceção de uma identidade completa de partes, causa de pedir e pedido, que permite aos árbitros do segundo procedimento declinar de sua jurisdição ou suspender a arbitragem até o proferimento de uma decisão relevante no primeiro procedimento. Porém, o efeito negativo da competência-competência, por ser ainda controvertido, não recebe um tratamento unânime por meio de uma regra material, sendo reconhecido apenas se no conflito de leis for aplicável uma legislação nacional que o reconhece. Provavelmente, esse é um próximo passo na adoção de um conceito comum sobre o princípio da competência-competência, conferindo prioridade cronológica aos árbitros para decidirem sobre sua competência.

CAPÍTULO II. A APLICAÇÃO DA COISA JULGADA EM