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2 POLÍTICA PÚBLICA DE TRATAMENTO ADEQUADO AOS CONFLITOS DE

2.3 LEI Nº 13.140/2015

A Lei de Mediação, nº 13.140/2015, promulgada em 26 de junho de 2015, prevê regras sobre a mediação nos âmbitos judicial e extrajudicial, com vacatio legis de seis meses, a vigorar em dezembro de 2015. Essa Lei consiste da mediação judicial e extrajudicial entre particulares além da autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Por outro lado, o Código de Processo Civil, promulgado em 16 de março de 2015, vigorou após a vacatio legis de um ano, ou seja, em março de 2016. Como exposto acima, esse Código abarca regras sobre a mediação judicial em vários dispositivos.

Nota-se que a Lei de Mediação foi prevista para incidir no ordenamento antes do Código de Processo Civil de 2015. Embora haja dispositivos semelhantes entre tais previsões, existem,

167 ARAGÃO, Nilsiton Rodrigues de Andrade. A Institucionalização da Mediação Judicial: propostas de

aprimoramento da gestão de conflitos no Judiciário para a concretização do acesso à justiça. 2018.

Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Fundação Edson Queiroz – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2018. Disponível em:

https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/F86027120181126145445481124/Tese.pdf. Acesso em: 30 nov. 2019.

também, diferenças marcantes. Quais dessas disposições prevalecerão, as dispostas na Lei de Mediação ou as presentes no Código de Processo Civil?

Essa questão é, necessariamente, analisada de acordo com a proposta contemporânea da teoria do diálogo das fontes. O princípio alemão, desenvolvido por Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg, é apresentado ao sistema jurídico brasileiro por meio de Cláudia Lima Marques. O cerne dessa abordagem consiste em defender que as normas jurídicas não se excluam, pois essas se vinculam a diferentes ramos jurídicos, mas complementam-se, porque se tratam de hipótese pautada em visão unitária do ordenamento jurídico.169

Conforme Cláudia Lima Marques, o diálogo das fontes no direito brasileiro significa a aplicação simultânea, coerente e coordenada das várias leis. Assim, as leis especiais, gerais, internacionais e nacionais possuem áreas de aplicações convergentes, entretanto, não coincidentes completamente, de acordo com Erik Jayme.170

No que concerne aos critérios da anterioridade, especialidade e hierarquia para solucionar os conflitos de leis existentes no tempo, Erik Jayme defende que os mesmos não satisfazem as necessidades atuais, tendo em vista que essa clareza não é possível na pós- modernidade, bem como não se identifica com exatidão a ordem entre as leis, mas apenas os valores constitucionais.171

Dessa forma, por meio do diálogo das fontes há a possibilidade de reconhecer a subsunção concomitante ao Código de Processo Civil e à Lei de Mediação, isto porque os dois sistemas normativos dispõem de princípios comuns por revelarem-se como pilares da autonomia da vontade, imparcialidade, confidencialidade, oralidade e informalidade. Em casos de dúvida quanto à aplicação de normas de um ou outro instrumento normativo, o intérprete conduzirá sua conclusão rumo à solução que melhor se coadune com os princípios da mediação.172

A Lei nº 13.140/2015 definiu a mediação, em seu art. 1º parágrafo único, da seguinte forma, “[...] atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,

169 TARTUCE, Flávio. A teoria geral dos contratos de adesão no Código Civil. Visão a partir da teoria do diálogo

das fontes. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

170 MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um tributo à

Erik Jayme. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

171 Ibid.

escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.173

Essa Lei retrata a mediação judicial e extrajudicial. Nos artigos de 14 a 20 estão presentes as disposições comuns a esses modos de resolução de conflitos. No entanto, elas se diferem entre si no sentido de que a mediação judicial ocorre sob a perspectiva do processo judicial e é subordinada ao juiz, ao verificar-se se o caso em questão foi judicializado. Por outro lado, a mediação extrajudicial é presente no âmbito privado, sem a necessária existência de um processo judicial, pois o seu trâmite realiza-se sem a atuação do Poder Judiciário.

Existem diferenças dispostas na Lei nº 13.140/2015, em relação à mediação extrajudicial e judicial. Na primeira, o mediador será pessoa apta a realizar a mediação, como ainda à confiança das partes e o requerente aciona, por meio de convite, que indicará a matéria, a data e o local da reunião inicial. Uma vez estabelecido acordo entre as partes, esse procedimento será encerrado com a lavratura do termo final, ou seja, sob o título executivo extrajudicial. Em contrapartida, durante a mediação judicial, o mediador é o indivíduo capaz juridicamente, graduado há, pelo menos, dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que, ainda, haja capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores. Tal procedimento ocorrerá, obrigatoriamente, caso a petição inicial apresente requisitos fundamentais, e na hipótese da não improcedência liminar do pedido, esse será finalizado se houver acordo, com a lavratura do termo final, ou seja, sob o título executivo judicial.174

Dentre os questionamentos realizados, há a obrigatoriedade de o juiz designar a mediação judicial, isto porque existe incompatibilidade entre os artigos 27 da Lei nº 13.140/2015175 e o art. 334, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil.176 A Lei de Mediação,

173 BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de

solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13140.htm. Acesso em: 04 dez. 2019.

174 BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de

solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13140.htm. Acesso em: 04 dez. 2019.

175 Art. 27. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do

pedido, o juiz designará audiência de mediação.

176 Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do

pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência; § 4º A audiência não será

disposta no primeiro artigo citado acima, obriga a designação da mesma, por meio do juiz, caso se cumpram os requisitos supracitados. Por outro lado, os parágrafos mencionados do Código de Processo Civil dispõem que a audiência não será realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse na composição consensual.

Ao utilizar a teoria do diálogo das fontes, é possível interpretação sistemática a fim de conciliar as disposições entre a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil, sendo que é necessário que as normas sejam vistas de forma complementar, e não excludentes. Ao confirmar essa exposição, o artigo 1º, parágrafo único da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, com redação dada pela Emenda nº 2, de 8 de março de 2016, fez referência à explanação combinada entre o art. 334 do CPC/2015 e o art. 27 da Lei de Mediação, e assim dispôs que,

Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.177

Ademais, a Constituição Federal, em seu preâmbulo, determina, como valores fundamentais, a harmonia social por meio da solução pacífica das controvérsias.178 Vale destacar que o prefácio serve como princípio a validar as demais normas. Dessa forma, a obrigatoriedade da mediação integra o ordenamento jurídico, além de não permitir qualquer discricionariedade por parte do juiz. Portanto, em caso de designar a mediação judicial, esta será obrigatória e os juízes devem contemplar em suas rotinas a etapa prévia de buscar a solução pelo consenso.

De acordo com a questão da obrigatoriedade da mediação judicial, o Código de Processo Civil dispõe no art. 334, § 8º sobre a sanção processual de multa, na hipótese de falta injustificada à audiência, pois é considerado o não comparecimento, como ato atentatório à

realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição; § 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

177 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. (Brasil). Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe

sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_comp_125_29112010_19082019150021.pdf. Acesso em: 07 dez. 2019.

178 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:

Presidência da República, [2019] Disponível em:

dignidade da justiça. Tendo em vista o caráter compulsório assumido pela mediação judicial no contexto da legislação processual e caso a sessão fosse estipulada contra a vontade manifestada anteriormente por uma das partes, uma destas, ainda assim, deveria comparecer ao ato a fim de evitar punição. Entretanto, a mesma não é obrigada a permanecer e a participar da sessão. Assim, tal entendimento do art. 2º, § 2º da Lei de Mediação, dispõe sobre o direito da parte de retirar-se da sessão de mediação, tão logo registrada sua presença, mas sem qualquer sanção.179

A Lei nº 13.140/2015, também, regulamenta a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Dessa forma, é possível aos entes federativos criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos órgãos da Advocacia Pública. De acordo com Eduardo Cambi, a competência desses órgãos são:

a) dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; b) avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de Direito Público; c) promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta; d) avaliar conflitos que envolvam o equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares.180

Portanto, a Lei nº 13.140/2015, ao regulamentar a mediação entre entes particulares e órgãos da Administração Pública, tornou-se importante marco regulatório para proporcionar a cultura de métodos adequados à solução de conflitos, por promover a pacificação social.

2.4 CRIAÇÃO DA DISCIPLINA FORMAS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE