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Leis orçamentárias que preveem dotação para atender área não prioritária e não

5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCENTRADO DO

5.1 Controle de constitucionalidade de leis orçamentárias

5.1.2 Leis orçamentárias que preveem dotação para atender área não prioritária e não

fundamentais sociais básicos deficitários

Em se tratando de direitos fundamentais sociais integrantes do núcleo do mínimo existencial (em especial, saúde, educação e segurança), quando o recurso vinculado for insuficiente, não se subtrai do controle judicial a análise das escolhas alocativas de despesas, pois as leis orçamentárias devem contemplar a gradual concretização de direitos fundamentais sociais básicos, ainda que tenham que prever destinação de verba acima do limite obrigatório mínimo fixado em lei534.

No Estado democrático de direito, “[...] a Constituição passa a valer como norma jurídica. A partir daí, ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e dos atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado”535. Diante disso,

[...] o legislador não pode deixar de responder às exigências da norma constitucional, ou responder-lhes de modo insuficiente, deixando sem efetiva proteção o direito constitucional. Se isto ocorrer, a lei violará o direito fundamental na sua função de

534“EMENTA: recurso extraordinário - criança de até seis anos de idade - atendimento em creche e em pré-escola

- educação infantil - direito assegurado pelo próprio texto constitucional (CF, art. 208, IV) – compreensão global do direito constitucional à educação - dever jurídico cuja execução se impõe ao Poder Público, Notadamente ao Município (CF, art. 211, § 2º) – Recurso Improvido. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político- administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’” (STF. RE 410.715).

535BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 5. ed., rev. e atual. São

mandamento de tutela. Daí por que, quando esta tutela inexiste ou é insuficiente, há violação da cláusula de vedação de tutela insuficiente536.

Na hipótese suscitada, embora tenham sido resguardadas as despesas vinculadas (CF, art. 167, IV) e obrigatórias, não foi prevista na LOA, dotação para a implementação gradual de políticas públicas, voltadas à concretização de direitos fundamentais sociais deficitários, integrantes do núcleo do mínimo existencial, cabendo ao STF537, sob o prisma da

razoabilidade, analisar as leis orçamentárias aprovadas, visto que “se o Estado não mais dispõe de recursos para as suas atividades afins, mas gasta em outros setores, é preciso concentrar-se naquilo que é prioritário [...]”538.

A inescusável omissão estatal autoriza o Poder Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade, a determinar medidas para tornar efetiva a implementação de políticas públicas em face do princípio da supremacia da Constituição, pois

A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental, tal como tem advertido o Supremo Tribunal Federal [...]539 .

A atuação do STF não visa a assumir a função de gestor das contas públicas, apenas permite o controle constitucional das escolhas político-administrativas se, em detrimento da gradual efetivação de direitos fundamentais sociais básicos, a previsão orçamentária privilegia gasto em setor não prioritário, dissociado do interesse público. Pode-se, então, sustentar que despesa com publicidade governamental não poderá ser superior aos investimentos com saúde ou educação, quando essas duas áreas encontram-se deficitárias; ou que gastos públicos com eventos culturais, como shows540, não poderão ultrapassar ou representar mais que despesas com a criação de vagas para atender ao sistema penitenciário; ou que não se justifica a alocação de recurso para transportar “[...] exageradas comitivas de parlamentares ou membros

536SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 784.

537Argumentos contrários ao controle judicial da atividade orçamentária foram analisados no item 3.2.

538CRUZ, Luiz Guilherme de O. Maia. Filosofia orçamentária: o exercício da cidadania pela via do orçamento. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro:

Lumen Juris, n. 8. p. 50, 2001.

539Trecho da decisão do Ministro Celso de Mello no AI 598.212 (STF. AI 598212 ED).

540BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais:

o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. 2. ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 119.

do Executivo ao exterior [...]”541, quando não se tem investimento em infraestrutura suficiente

para garantir segurança e conservação nas estradas, causando risco à integridade física da população.

Nem todas as despesas públicas, portanto, possuem o mesmo grau de importância e imprescindibilidade, daí

Uma grande distinção pode ser feita entre despesa pública destinada a preservar a vida social de uma comunidade contra violentos ataques internos ou externos e despesa pública destinada a melhorar a qualidade desta vida social. Em outras palavras, o objetivo pode manter a vida social segura e ordenada ou fazer esta vida segura e ordenada mais digna de ser vivida542.

Constatada a proteção insuficiente, o controle de constitucionalidade concentrado visa a compelir o Poder Legislativo e o Poder Executivo a proteger de forma adequada direitos fundamentais de segunda dimensão543, por ser inaceitável “omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo poder público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal”544.

A desarrazoada escolha dos poderes políticos na LOA, em destinar dotação para área não prioritária, quando há carência em área considerada prioritária pela CF, autoriza o ajuizamento de ADI, que visa a reconhecer a omissão inconstitucional, declarar nula a dotação para área não prioritária e, como consequência, destinar aquele recurso para atender política pública tendente à promoção de direitos fundamentais sociais integrantes do núcleo do mínimo existencial.

A prova do alegado caberá aos legitimados que poderão mostrar dados oficiais, na área da segurança pública, dos déficits de vagas nos presídios e da condição subumana que a maioria dos presos se encontra545; na área da saúde, do extraordinário número de ações individuais e coletivas visando ao fornecimento de medicamentos e cirurgias, demonstrando a ineficiência do sistema de atendimento à saúde básica, de média e de alta complexidade; na educação, do número de crianças que não conseguiu matrícula em creches por insuficiência da oferta de vagas, entre outros.

541CRUZ, Luiz Guilherme de O. Maia. Filosofia orçamentária: o exercício da cidadania pela via do orçamento. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro:

Lumen Juris, n. 8, 2001. p. 66.

542DALTON, Hugh. Princípios de finanças públicas. Tradução Maria de Lourdes Modiano. 4. ed. Rio de

Janeiro: FGV, 1980. p. 180. Título original: Principles of public finance.

543Na seara pessoal e concreta, a cláusula de vedação de tutela insuficiente foi aplicada no RMS 22.307 (STF.

RMS 22.307) dentre outros.

544Trecho da ementa do RE 410.715 (STF. RE 410.715). 545STF. ADPF 347 MC.

Com a possibilidade do controle de constitucionalidade concentrado das leis orçamentárias que não pode extrapolar a omissão estatal546, os poderes políticos deverão ser mais cautelosos em suas escolhas, orientando-se pelas diretrizes constitucionais que visam à promoção gradativa de direitos fundamentais sociais integrantes do núcleo do mínimo existencial547.