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Leitura e discussão da peça: Baden Baden sobre o acordo

ALFABETIZAÇÃO NA RELAÇÃO COM AS PEÇAS DIDÁTICAS

9. DIALOGANDO COM AS PROFESSORAS: POSSIBILIDADES DE PENSAR O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA RELAÇÃO COM AS PEÇAS DIDÁTICAS

9.3 Leitura e discussão da peça: Baden Baden sobre o acordo

Na peça Baden Baden sobre o acordo, as professoras consideram a ajuda como um meio de reflexão sobre o papel do professor, destacando as relações de poder e violência que podem permear a convivência entre professor e alunos. É possível perceber que a forma como as professoras discutem a questão da ajuda, problematizando-a e questionando suas próprias atitudes, faz com que o princípio didático referente à contradição que existe entre ajuda/poder e ajuda/violência seja colocado em movimento através das falas e atribuições de significados à peça, a partir das leituras realizadas.

Acho que é a questão do ajudar, está ajudando mesmo? O professor está lá ajudando ou está... é como se o professor colocasse palavras na boca do aluno, quando a gente faz uma pergunta já afirmando: “Você quer sentar aqui não quer?”, “Sim, eu quero” (risos). O colocar palavras na boca do outro, achar que está ajudando, permitir um momento de discussão, mas na verdade não, está dizendo o que tem que ser feito e vai fazendo. Isso acontece na sala de aula. (Ana)

Posso ler? (pega o texto da peça): “Ajuda e violência constitui um todo e é esse todo que é preciso transformar”. Aqui o pedir ajuda é se colocar como uma fraqueza diante do outro, mas eu não vejo a ajuda como sinal de fraqueza, acho que todos nós precisamos de ajuda, mas muitas vezes o poder de quem ajuda pode ser uma violência contra você. O aluno pede ajuda, o professor se sente o todo-poderoso né, isso pode acontecer e ao invés de ajudar o professor mostra que ele não sabe nada. Mas se o professor não ajuda ele está excluindo, isso é um tipo de violência, perpetua a violência que o aluno já está sofrendo. Tem muito professor que pensa assim: o aluno que é bom sempre vai ser e o que não é, não é. Já traça o caminho, aí já é uma forma de violência. A gente precisa de ajuda! Tem hora que lendo a peça eu pensei: “Eu não sei mais nada”. No processo de alfabetização a gente já passou por isso, passa por isso. Quando eu comecei era de um jeito, depois reformulou e daí mudou de novo, chega uma hora que... é hora de repensar, o professor tem que ter um pouco isso, essa certeza de que ele não sabe nada mesmo. As coisas mudam, há uma necessidade, o mundo muda, as pessoas mudam. Então é uma coisa que eu procuro passar para os alunos e procuro ter em mim, porque a gente está sempre buscando o conhecimento, isso faz parte do professor pesquisador, né? O papel verdadeiro do professor é buscar e não ficar estagnado nas certezas. (Solange)

Eu pensei nessa ajuda que na verdade não é ajuda nenhuma e que a gente encontra isso muito, não só na educação; ainda mais no mundo individualista que a gente vive hoje. (Maria Nazaré)

Para Solange e Maria Nazaré, a prática pedagógica se desenvolve pela relação entre o ideal e o real, ressaltando que os limites e as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar devem ser consideradas, da mesma forma que a ousadia e a consciência do que pode ser feito e do que pode ser almejado. Essas idéias remetem aos princípios didáticos relacionados à discussão dos avanços, descobertas tecnológicas e possibilidades desenvolvidas pelo homem em meio às desigualdades que ainda persistem no meio social, pois, na leitura das professoras, a possibilidade de mudanças inicia-se pela tomada de consciência das atitudes e expectativas do sujeito. E isso pode ocorrer quando o professor volta seu olhar para sua própria prática, analisando-a e posicionando-se como sujeito (ator) desse processo.

Precisa ter bastante forte em si quais são seus princípios, interesses, vontades; o que tem de ideal na vida e não se deixar abalar e ir perdendo os pedacinhos como na peça e ainda no final ter que ouvir aquilo: “Você quer tudo também? Não se pode ter tudo!” Só que trabalhar de forma construtivista em uma sala apertada com quarenta alunos, ter que fazer agrupamento todo dia, não ter pessoal de apoio pra arrumar, é bem difícil! À medida que você vai trabalhando eles vão exigindo de você coisas que vão se esbarrando nessas dificuldades, lógico, você tenta suprir, mas tem que ver que não somos nenhum super-homem ou super-professor, tem esses limites, tem que ter consciência deles. O importante é fazer da melhor forma possível, você pode melhorar, tem as dificuldades, mas isso não é motivo pra fazer de qualquer jeito também, você está ali porque quer, então tem que fazer o melhor possível, mas ter consciência de que tem coisas que não são alcançadas e outras que não dependem só do professor. (Solange)

A capacidade do indivíduo de acreditar sempre que é possível. Realizar os seus objetivos é possível, ele tem que correr atrás, com perseverança, com ousadia a gente consegue. (Maria Nazaré)

Ana aborda a necessidade de re-pensar o significado de transformação por meio da relação parte e todo presente no processo de alfabetização, discutindo a forma de trabalho do professor e a importância do outro nesse processo. Essas relações vão ocorrendo tanto pelos sentidos atribuídos à peça por meio da leitura, como pela interação professora e pesquisadora, o que reforça o princípio elementar das peças didáticas: a construção pela ação, pelo fazer.

Em alfabetização é importante fazer a relação do conteúdo, não é que nem na peça, vai tirando, chega um ponto que não tem mais nada, daí ele fala: Mas você quer tudo? Agora se vira do jeito que está. Para que o aluno tome o significado das coisas, não pode ir jogando: “Agora a gente vai ver o ca, depois o ba” e uma coisa não tem nada a ver com a outra. É importante um trabalho com textos, porque isso não existe, esse amontoado, é uma coisa só, é um todo, que ele vai explorando as partes, mas que possui um significado. Não é como a silabação que você tem que dar todas as sílabas e o aluno nem consegue fazer uma frase, acho que tem a ver com isso. Essa é uma relação que eu estou fazendo agora, eu não tinha visto isso. A gente começa a ler essa coisa do letramento, eu estava lendo na Pós na teoria de linguagem sobre isso, eu não li bem ainda, mas depois a gente conversa. (Ana)

Solange destaca o acordo como um aspecto presente nas relações humanas. Na escola, o acordo entre professores e alunos aparece sob a forma do contrato pedagógico; além disso, considera que nem sempre esse acordo é estendido para professores, coordenadores e supervisores. Assim, ao problematizar essas questões, a professora mostra que não existem acordos únicos e fechados, assim como não existem acordos imutáveis; retrata, no conteúdo e na forma de expressar suas idéias, a necessidade de mudanças nas relações e nos acordos estabelecidos; questiona a atitude de submissão do professor frente às orientações pedagógicas voltadas à sua prática; enfim, em todas essas discussões, a

professora coloca em movimento e investiga os significados do desenvolvimento do senso crítico.

Tem que ter liberdade, mas isso não quer dizer que tudo deve ser livre, sem direção, sem acordos. Tem que ter acordo, esse acordo pode ser mudado... Eu acho que esse acordo da peça cai muito na questão do contrato pedagógico, que vem sendo bastante comentado com a gente. Não é uma coisa pronta, é algo constante, que é construído e reconstruído a cada dia dentro da sala de aula, fica difícil dizer: “Fiz tal contrato pedagógico com os alunos que deu certo”. Funcionou para aquele momento, para aquela realidade, o meu eu tenho que criar. Por outro lado, o professor tem que saber o momento de calar, falar, se posicionar, a gente às vezes se intimida com outras autoridades, mas dentro da minha sala de aula eu conheço a realidade, desenvolvo um trabalho, então a gente tem que dialogar, não ir aceitando tudo com submissão. Este também é um acordo, fica aquela coisa de aplicar um acordo entre professor e alunos, mas entre coordenador, supervisor e professor, não tem acordo? Tem que ser de um determinado jeito e acabou? Isso não é desenvolver espírito crítico. (Solange)

A importância de considerar o momento do aluno e o caráter de desenvolvimento da leitura e da escrita no processo de alfabetização são aspectos destacados por Maria Nazaré durante suas leituras. A alfabetização é vista enquanto processo, enquanto um caminhar que se desenvolve por meio e na relação entre os sujeitos; essa idéia remete ao princípio de que a mudança se constitui em um processo contínuo, baseado na construção, no abandono de alicerces cristalizados e caminhos pré-determinados.

(...) cada um tem o seu momento, principalmente na alfabetização. A gente tem que acreditar na capacidade da criança, nunca desmerecer, porque ela é capaz de aprender, de se desenvolver, cada um tem o seu tempo, cada criança tem o seu momento, mas ela consegue. A gente nunca pode desacreditar ou abandonar achando que ela não vai ser capaz. Fazer ela também acreditar na sua capacidade, uma palavra que você falar, ela já pode achar que não é capaz de fazer. A alfabetização é esse processo mesmo. (Maria Nazaré)