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Leitura do mundo: Operação de objetivação do eu por meio da observação do objeto de conhecimento e da nossa percepção sobre o

X Fonte e Org: CRUZ, Claudete R da

I- Leitura do mundo: Operação de objetivação do eu por meio da observação do objeto de conhecimento e da nossa percepção sobre o

objeto

A leitura de mundo implica atos de ad-mirar e observar a realidade. Conforme Escobar, Ad-mirar na perspectiva freireana significa “dirigir o olhar para o objeto de conhecimento, como um objeto em si mesmo, é objetivar o eu, separando-o do não-eu, tomar distância do objeto, separando a subjetividade da objetividade.”(2010, p.24). Implica em observar as relações entre os objetos no espaço para conhecê-lo além das suas aparências.

Além de admirar o objeto de conhecimento, de acordo com Freire, “admiramos não apenas o objeto, mas também a nossa admiração anterior do mesmo objeto”(1977a, p.74). Dessa maneira, se apreende a relação dialética entre teoria-realidade, consciência-mundo, na medida em que é sistematizado o processo de conhecimento. Nesse processo de síntese cultural, de construção do conhecimento conceitual (kosik,1976) em torno da realidade, vai ampliando as condições socioculturais para construção de novas perspectivas de conhecimento e sociabilidade35.

Nessa direção que Freire considerava essencial (1987, p.96) “o esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilita reconhecer a interação de suas partes”. Assim, o sujeito põe em prática o pensamento crítico, que é capaz de conhecer a realidade na sua totalidade, ou seja, sua estrutura interna e suas partes.

Por este motivo, a leitura da palavra não pode acontecer de forma desconectada da leitura do mundo. Ao contrário, precisa refletir acerca dos processos de interação entre as forças criadoras e os sujeitos sociais que, por meio de suas estratégias, influenciam na produção do espaço e a construção da realidade social.

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De acordo com Rays “ao conhecer e assimilar criticamente um objeto ou um fenômeno, o homem realiza uma ação prática, por paradoxal que esse fato possa parecer. O conhecer é, portanto,ação que não exclui a teoria da prática e a prática da teoria, ao tratar problemas concretos em suas relações históricas. É assim que o ato de conhecer, entendido como ação, como atividade humana consciente, transforma-se na verdadeira força motriz da evolução sociocultural e da determinação de seu desenvolvimento futuro”.(2001, p.37)

É neste sentido, que o currículo escolar, assume nova estruturação. Uma vez que, geralmente definido por especialistas distantes dos conhecimentos dos educandos e da realidade vivida por eles, é substituído por temas geradores. Como esclarece Freire:

Para esta concepção como prática de liberdade, a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação. (1987, p.83)

No entanto, nos dias de hoje, percebe-se que para que o conteúdo programático da educação seja organizado em virtude da inquietação dos sujeitos de aprendizagem, requer primeiramente orientar o educando a observar a realidade em diversas dimensões: social, cultural, econômica, política e espacial. Para que ao ad-mirar a realidade o educando passe a observar e olhar para a realidade de um modo mais amplo.

Haja vista que, conforme Tiburi vivemos anestesiados diante das máquinas, desenvolvemos um olhar focalista a uma determinada tarefa ou fenômeno, sem ampliar o olhar e o horizonte de ação. De tal modo que, “não seria um erro considerar a atualidade de um “pensamento-bunda”, aquele pensamento cansado que, no extremo, expressa o que entendemos no cotidiano, no âmbito da irresponsabilidade do “bundão” (2013, p.1). Temos vivido numa “direção contrária de nossa própria capacidade nômade”(ibid, p.2).

Os percursos diários, os trajetos realizados da casa ao trabalho, do trabalho à escola, são previsíveis e ainda são realizados de uma forma alienada, “descuidados” aos acontecimentos externos, ao entorno. Geralmente, as pessoas não sabem informar os principais pontos referências de seus percursos diários. Não sabe dizer quais foram às ruas que utilizou para realizar seu trajeto, porque está conectada à internet, ao ipad, ao telefone.

O entorno, o contexto deixa de ser analisado, identificado, percebido, sentido. O morador de rua, as prostitutas, as crianças no sinal ou em frente aos mercados e bancos pedindo esmolas, que refletem as espacialidades não normatizadas são consideradas “anormalidades”, decorrente ao insucesso pessoal, individual.

Assim, facilmente as pessoas são “induzidas” a conhecer e atribuir valor sobre os lugares e acontecimentos sociais sem criticidade. A atitude alienada,

a-histórica, subserviente leva a compreensões ingênuas da realidade, servindo para conservar os processos de alienação.

A leitura do mundo é um antídoto contra alienação. Haja vista que, o espaço revela as contradições sociais, basta aprendermos observar o nosso entorno para desvelar as desigualdades e situações opressão. Colocado deste modo, parece-nos tão simples, desfitizar o espaço como se referiu Santos, ou desvelar a realidade como se referiu Freire. Não seria tão penoso aprendizagem enquanto ato de conhecimento da realidade concreta senão tivéssemos uma prática educativa que tende nos manter “cegos” e que insiste em não ouvir as vozes dos sujeitos de aprendizagem, na medida em que, tenta sujeitar a realidade numa teoria desvinculada da realidade, apresentando-nos a teoria como uma abstração, como mera verbalidade. Conforme Shor os currículos pretensamente neutros formam estudantes para “observar as coisas sem julgá-las, ou para ver o mundo do ponto de vista do consenso oficial, para executar ordens sem questioná-las, como se a sociedade existente fosse fixa e perfeita” (1986, p. 24).

Para garantir processos de dominação que se estabelecem formas de mitificação do mundo “que se reproduz em uma pedagogia planejada pelos opressores e que está efetivamente presente nos processos políticos culturais”(STRECK, 2010, p.20) e nas espacialidades atuais.

Desse modo, a leitura do mundo, no sentido de ad-mirar, observar e investigar torna-se condição necessária a formação do sujeito historicamente situado.

II- Dialogicidade: processo de reconhecimento e problematização dos

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