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FUNDAMENTOS PARA UMA PEDAGOGIA DO ESPAÇO

REALIDADE CONCRETA

Fonte e Org: CRUZ, Claudete R. da

O círculo gnosiológico para a efetivação de prática interpretativa dialética da realidade passa pela compreensão de que o conhecimento é um processo de construção sócio-cultural, que emerge da problematização, do questionamento e/ou da observação de uma determinada realidade ou situação-limite. Ele tem como meta efetiva a aprendizagem como ato de conhecimento da realidade concreta, em que os sujeitos assumem o compromisso pela sua transformação e pela superação da pseudoconcreticidade, da ingenuidade.

Nessas condições, a dialética, assim como a hermenêutica, assumem a função de apontar a estrutura dos fenômenos, assim como suas (inter) dependências. De acordo com Minayo, a prática interpretativa dialética se caracteriza como aquela:

que reconhece os fenômenos sociais sempre com resultados e efeitos da atividade criadora, tanto imediata quanto institucionalizada. Portanto, torna como centro da análise a prática social, a ação humana e a considera como resultado de condições anteriores, exteriores, mas também como práxis. Isto é, o ato humano que atravessa o meio social conserva as determinações, mas também transforma o mundo sobre as condições dadas. (1996, p.232)

A concepção dialética de educação compreende que os sujeitos de aprendizagem “quanto mais progridem na problematização, mais penetram os sujeitos na essência do objeto problematizado e mais capazes são de “desvelar” esta essência".(FREIRE, 1987, p. 89).

Esse ato de desvelar a essência torna-se, por sua vez, um processo hermenêutico, na medida em que se trata de um esforço de “interpretação” da realidade. Trata-se de um procedimento de interpretações e reinterpretações sucessivas. É uma relação constante entre sujeito e objeto de conhecimento para produzir uma síntese, uma compreensão crítica sobre o objeto de estudo.

Desta forma, a aprendizagem enquanto ato de conhecimento da realidade concreta, diz respeito a um processo de interpretação e compreensão da realidade empírica na sua complexidade e totalidade. Nesta perspectiva, para conhecer a realidade é preciso partir da realidade aparente (empírica/partes/conhecimento representacional) para se chegar ao concreto (a realidade plenamente compreendida/conhecimento conceitual).

Para constituir situações educativas capazes de se tornarem atos de conhecimentos, isto é, em que as aulas possam vir a serem práticas sociais interpretativas da realidade, esta proposta pedagógica também assume uma perspectiva dialógica entre sujeitos de aprendizagem e objeto de conhecimento; entre a cultura e a natureza; e entre educador e educando. A premissa da dialogicidade no processo de conhecer e aprender permite a possibilidade de abertura para o outro, de disponibilidade para aprender o desconhecido, de tolerar o indiferente.

Freire foi enfático em destacar que, se o objetivo da educação emancipadora é ampliar a visão de mundo, só pode acontecer essa passagem da consciência ingênua pela crítica numa relação mediada pelo diálogo. E, jamais, no monólogo daquele que, achando que sabe, transfere conhecimento. Ao contrário, a atitude dialógica é, antes de tudo, uma atitude de amor,

humildade e fé nos homens, no seu poder de fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987).

O debate entre natureza e cultura constituía-se em um procedimento comum na alfabetização de jovens e adultos, proposta por Freire, conforme destacou Menezes:

os debates têm início na primeira hora que o homem participa do círculo de cultura. Em vinte minutos, uma turma de analfabetos é capaz de fazer a distinção fundamental para o método: natureza diferente de cultura. Para chegar a esse resultado, se utiliza através de slides ou quadros, uma cena cotidiana do meio onde vive o grupo. Como exemplo, citaremos uma cena do campo: um homem, sua palhoça, uma cacimba, um pássaro voando e uma árvore. O mestre exige de todos a descrição daquela cena, e em seguida, indaga o que o homem fez e o que ele não fez naquele quadro. Ao obter as respostas deixa logo indicada a diferença: o que o homem faz é Cultura e o que ele não faz é Natureza. (1963, p.1)

Eis que tal compreensão do processo de aprendizagem converte-se numa perspectiva dialética, hermenêutica e dialógica de compreensão da realidade. Reconhece-se que, a partir da relação dialógica entre sujeito e objeto de conhecimento, entre cultura e natureza, entre educador e educando criam-se as condições para a construção de um conhecimento novo, uma percepção nova do objeto estudado, efetiva-se uma aprendizagem enquanto ato de conhecimento da realidade, abarcando as suas contradições e totalidades.

Incorporar a espacialidade enquanto matriz pedagógica para compreender a realidade concreta, implica em reconhecer a espacialidade como uma instância social, uma dimensão da realidade, carregada de significados, símbolos e marcas sociais, culturais, históricas, afetivas e geográficas. O espaço geográfico produzido pela sociedade manifesta, nos seus aspectos visíveis (a forma), a finalidade (a função), suas inter-relações (a estrutura) e a continuidade dos acontecimentos no contexto histórico (o processo). Portanto, por meio da espacialidade é possível captar a totalidade.

No entanto, ressalta Callai que a construção da aprendizagem espacial:

não é um processo natural e aleatório. A noção de espaço é construída socialmente e a criança vai ampliando e complexificando o seu espaço vivido concretamente. A capacidade de percepção e a possibilidade de sua representação é um desafio que motiva a criança a desencadear a procura, a aprender a ser curiosa, para entender o que acontece ao seu redor, e não ser simplesmente espectadora da vida (2005, p.233).

Aprender a ler o mundo implica em lançar o olhar sobre o lugar e reconhecer os elementos que compõem a produção material dessa realidade. Significa “compreender que os fenômenos sociais estão vinculados a uma realidade macrossocial que imprime neles a sua marca histórica e os seus significados culturais”(GADOTTI, 2010, p.344).

Assim, a aprendizagem torna-se um ato de conhecimento, quando os educandos tornam-se sujeitos do ato de conhecer e quando a prática pedagógica estiver voltada ao desvelamento da realidade e de suas significações.

Freire alerta que se a vocação ontológica do ser humano é ser sujeito, que, necessariamente, só pode se desenvolver, refletindo e inserindo critica e dialogicamente sobre suas condições espaço-temporais. De tal modo, que a criticidade no processo de conhecer emerge se houver relação dialética entre contexto teórico e empírico. Pois,

quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergerá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, por que é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais. (FREIRE, 1987,p.35)

É este sujeito situado e temporalizado que vai introduzir a historicidade no processo de construção do conhecimento. Desse modo, o sujeito reintegrado não é um sujeito soberano, dominador, controlador do mundo e produtor de espacialidades normativas (sujeito moderno), mas “sujeito vivo, aleatório, insuficiente, modesto, que menciona a sua própria finitude”. (MORIN, 2002, p.31).

Nesta perspectiva, a aprendizagem como ato de conhecimento da realidade concreta não tem objetivo de produzir um conhecimento universalizador, homogeneizador. Mas, pretender construir um conhecimento dialogicamente e historicamente situado, em que o sujeito no processo dialógico, dialético e hermenêutico estabelecido com seu objeto de estudo, produz um conhecimento relativo à situacionalidade do sujeito e do objeto.

A espacialidade torna-se importante elemento pedagógico e analítico para construção de um conhecimento capaz de abarcar a “unidade na diversidade”, valorizando o saber, a cultura local, reintegrando os sujeitos no

processo de conhecer, aprender, e especialmente refletir e atuar criticamente sobre a sua própria “situacionalidade”.

Como destacou Freire “os homens são porque estão em situação. E, serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas criticamente atuam sobre a situação em que estão.”(1987,p.101). A aprendizagem do espaço oferece instrumentos intelectuais para os sujeitos apreenderem criticamente sua forma de estar sendo, sua “situação no mundo”.

APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA A EFETIVAÇÃO

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