• Nenhum resultado encontrado

Lembre-se que havíamos tomado o conjunto dos naturais como domínio das variáveis.

52 Na verdade, isto se conclui facilmente pelo fato de que o cálculo de predicados de primeira ordem é completo. Desse modo, como ‘3xRox’ é uma conseqüência sintática das sentenças do conjunto T que estamos considerando - já que a sentença em questão pode ser deduzida de r podemos concluir que ‘BxRax’ é também uma conseqüência semântica de r. De outro modo, teríamos que inspecionar todas as infinitas estruturas que há, para ver se ‘3xRax’ é verdadeira em todas as estruturas que são modelo de T e, nesse caso, nosso trabalho jamais chegaria ao fim.

diversos sistemas de lógica, standard ou não. A semântica de S. Kripke, v. g., ilustra a aplicação de tais métodos para os diversos sistemas de lógica modal53, e a semântica universal de R. Montague é um exemplo de onde pode chegar a ambição no uso destes métodos, posto que Montague pretende que seus resultados constituam uma semântica formalizada para uma linguagem formal bastante compreensiva, próxima às linguagens naturais.

O grande sucesso obtido pelos métodos da semântica formal, quando aplicados às linguagens formalizadas dos sistemas de lógica, tomou desejável que se pudesse ampliar seu poder de aplicação, de modo que pudesse também atingir as línguas naturais, como o português.

Ora, as razões pelas quais seria interessante poder aplicar os resultados da semântica formal às línguas naturais são óbvias. Isto jogaria luz sobre essas linguagens, aumentando em muito o nosso nível de compreensão das mesmas. Poderíamos compreender, e com a precisão fornecida pelos métodos da semântica formal, as diversas propriedades semânticas dos elementos dessas linguagens. O resultado disso seria o progresso no conhecimento da linguagem, mas também, pelas razões que apresentamos no primeiro capítulo desta dissertação, o progresso em diversas outras áreas, como a epistemologia e a filosofia da ciência. Provavelmente mesmo as ciências em geral seriam beneficiadas, ainda que indiretamente, já que a maioria delas é veiculada em linguagem natural.

Mas, conquanto essa possibilidade seja inegavelmente interessante e desejável, será a mesma de algum modo passível de concretização? Já de início, a proposta soa estranha. Trata-se de aplicar os métodos da semântica formal a linguagens naturais. Mas isto não é um argumento. Algo não é inviável apenas porque soa estranho aos nossos ouvidos. No entanto, há alguns bons argumentos que mostram que há mais que mera estranheza com relação a este projeto. Ele parece ser realmente de difícil concretização.

Tarski, na primeira seção do ‘The Concept...’, considera a possibilidade de se definir verdade para linguagens naturais54; Este seria o .primeiro passo para a construção de uma semântica rigorosa para elas. Mas Tarski rejeita essa possibilidade. Um projeto que tencionasse concretizá-la esbarraria em dificuldades intransponíveis. Em suma, essas dificuldades são duas, e nós iremos descrevê-las a seguir.

No capítulo II, foram apresentadas duas condições de adequação formal para teorias da verdade. A primeira delas dizia que a linguagem-objeto - a linguagem para a

qual se define a noção de verdade - deve ter estrutura exatamente especificada. A razão para isso era que, se não fosse assim, uma definição recursiva para um conceito qualquer não estaria disponível para essa linguagem. E caso o número de suas sentenças fosse infinito, a impossibilidade de uma definição recursiva para um conceito aplicável a todas essas sentenças implicaria que tal conceito não poderia ser definido de modo algum.

A outra condição de adequação formal para teorias da verdade exigia que a linguagem-objeto fosse semanticamente aberta. Neste caso, o motivo era evitar os paradoxos semânticos, em particular o paradoxo do mentiroso.

Bem, é fácil notar que as linguagens naturais são reprovadas neste exame. Elas são semanticamente fechadas, e sua estrutura não está exatamente especificada em nenhum caso, muito embora não haja razões apriori para pensar que a estrutura de uma linguagem natural não seja especificável.

Para Tarski, estas razões bastaram para fazê-lo abandonar qualquer tentativa de definir verdade para linguagens naturais, muito menos de construir semânticas completas para elas. Mas nem todos os estudiosos do assunto concordaram com Tarski quanto a este ponto.

Richard Montague é um dos que apresentaram alguns meios para se ultrapassar as dificuldades com o projeto em questão. A proposta de Montague, à qual fizemos alusão no final do capítulo anterior, consiste no mapeamento de uma linguagem natural sobre uma linguagem formalizada bastante compreensiva55, para a qual estivesse disponível o emprego dos métodos da semântica formal. Feito este mapeamento, a linguagem natural mapeada poderia ser atingida através da linguagem formal sobre a qual foi mapeada, Por exemplo, dada uma sentença qualquer da linguagem natural, proceder-se-ia à sua tradução para a linguagem formalizada, de forma a tomar essa sentença sujeita à análise semântica, isto é, passível de determinação de propriedades semânticas tais como condições de verdade, sentido, validade, etc. Em outros termos, o projeto de Montague consiste em

55 Essa linguagem, como veremos no próximo capítulo, é constituída pela união de diversos formalismos, incluindo funções de verdade, quantificação de primeira ordem e de ordem superior, operadores modais, operadores temporais, operadores formadores de intensões e operadores formadores das extensões correspondentes às intensões.

construir semânticas para linguagens naturais por uma via indireta, que passa pela construção de uma linguagem formalizada bastante compreensiva, de modo a ser possível traduzir para ela qualquer sentença da linguagem natural para a qual se quer construir uma semântica, pela construção efetiva de uma semântica para esta linguagem formalizada, e pelo mapeamento da linguagem natural em questão sobre essa linguagem formal56.

A proposta de Montague parece dar conta do problema com a especificação da linguagem-objeto, e isto sem que nenhuma reforma na linguagem seja requerida. De fato, o que se requer não é que a linguagem natural seja reformada, de modo a se tomar passível de aplicação dos métodos da semântica formal. Tudo o que é necessário é a construção de uma linguagem formal para a qual se possa traduzir o que se diz em linguagem natural. A linguagem natural fica como está, e como a linguagem-objeto para a qual serão definidos o conceito de verdade e os outros conceitos semânticos é uma linguagem formal, o problema com a estrutura da linguagem-objeto está resolvido.

É claro que algumas objeções podem ser propostas. Alguém poderia perguntar se, mediante este procedimento, teríamos realmente construído uma semântica formal para uma linguagem natural. De fato, o que teríamos realmente feito seria construir uma semântica formal para uma linguagem formal. Mas é claro que a resposta para tal objeção consiste em lembrar que se teve antes o cuidado de mapear a linguagem natural para a qual se quer construir uma semântica sobre a referida linguagem formal. A linguagem natural não é atingida diretamente, mas isto não constitui nenhum problema, desde que o seu mapeamento57 sobre a linguagem formal que é atingida diretamente pela semântica em questão seja eficaz.

A justificativa fornecida acima para o nosso objetor pode não convencê-lo. Ele poderia continuar em sua linha de crítica, argumentando que dificilmente conseguiríamos um mapeamento eficaz. A passagem da linguagem natural para a linguagem formal implicaria em perdas e mutilações, e, desta forma, a linguagem natural não seria bem atingida pela semântica formal, através da linguagem formalizada sobre a qual foi

56 Cf. MONTAGUE, 1976, pp. 247-270.

57 O modo como esse mapeamento é feito por Montague será apresentado em detalhes no próximo

Outline

Documentos relacionados