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Na verdade, privar L dos meios de auto-referência não resolve o problema com a antinomia do mentiroso Como mostram J Barwise e J Etchemendy em seu interessante livro The liar: An essay on

truth and circularity, há versões do paradoxo que não envolvem auto-referência, como os ‘círculos do

mentiroso’, família de paradoxos da qual o paradoxo da camiseta é um membro. Em todo caso, em quaisquer das diferentes versões da antinomia é fundamental que a linguagém-objeto possua predicados

Há dois problemas, se não mais, com uma tal proposta de solução. Em primeiro lugar, ela é claramente ad hoc, mas isto não é de modo algum um problema grave. Mas, além disso, ela certamente incorre em circularidade, no seguinte sentido: a linguagem formal em questão deve servir para explicar a linguagem natural e, no entanto, deve ser explicada na linguagem natural. Este problema é mais grave que o primeiro. No entanto, parece que não se trata de um problema insuperável. Uma linguagem formal como a proposta seria ainda muito poderosa, pois serviria para se falar sobre tudo, exceto sobre ela mesma. Deste modo, uma semântica dada para ela, indiretamente, estaria lançando luz sobre a grande porção (quase toda) da linguagem natural a ela correspondente. Além do mais, poderíamos usar a própria linguagem formal em questão, acrescida dos meios de auto-referência, como metalinguagem para a construção da semântica de sua versão mais restrita. Assim, teríamos uma linguagem formal, bastante próxima da linguagem natural (em termos do que nelas se pode dizer), explicada em outra linguagem formal, o que resolveria o problema com a circularidade. O caráter ad hoc da solução, entretanto, permanece.

Uma análise satisfatória da proposta de Montague, a nosso ver, deveria partir destas questões gerais para uma análise de como ele resolve os problemas específicos, isto é, de como ele formaliza porções da linguagem natural mais resistentes à especificação formal, e de como constrói uma semântica para a linguagem formal resultante de seus esforços. Outro problema específico cuja resolução por Montague deve ser analisada, a fim de que se possa avaliar corretamente a sua proposta, é a maneira cómo deverá ser feito o mapeamento da linguagem natural sobre sua linguagem formal, isto é, o método de tradução de uma para outra.

Pretendemos proceder à análise proposta no parágrafo anterior no próximo capítulo desta dissertação. Por hora, iremos considerar uma outra proposta de construção de semânticas formais para linguagens ordinárias: a proposta de D. Davidson.

semânticos que se referem a suas própriasexpressões. Nesse caso, é suficiente, para evitar o paradoxo, que se prive a linguagem-objeto de predicados semânticos aplicáveis a si própria. É claro que a solução permanece ad hoc.

Em ‘Semantics for Natural Languages’, Davidson afirma que ‘uma teoria da semântica para uma linguagem natural pretende dar o sentido de toda expressão significativa’60 dessa linguagem, e que deveria fazê-lo com base em um número finito de elementos (features), caso deva ser operacional61. Em um outro ensaio (‘Truth and Meaning’), Davidson nos explica como isso deve ocorrer.

Em primeiro lugar, Davidson propõe que trabalhemos com a hipótese segundo a qual o sentido de um termo é a entidade a que ele se refere. Assim, diremos que o sentido de ‘Platão’ é Platão, o de ‘Aristóteles’ é Aristóteles, e assim por diante. Mas logo percebemos, nos mostra Davidson, que esta hipótese nos traz problemas. Se tomo a sentença ‘Platão é filósofo’, posso dizer que o sentido de ‘Platão’ é Platão, e que o sentido de ‘é filósofo’ é a propriedade de ser filósofo. O problema não é que admitimos uma ontologia que inclui propriedades. Quando tomamos expressões como ‘o mais famoso discípulo de’, não sabemos a que entidade a mesma se refere e, portanto, desconhecemos o seu sentido. Mas isto é facilmente resolvido: basta mostrar que, para qualquer termo singular*, o resultado de se prefixar x com a expressão ‘o mais famoso discípulo de’ é um termo singular complexo que designa o mais famoso discípulo de x. Assim, ‘o mais famoso discípulo de Platão’ designa o mais famoso discípulo de Platão, ou seja, Aristóteles.

Com este resultado, Davidson chega à conclusão de que uma teoria adequada do sentido para linguagens naturais não deve atribuir sentido às palavras ‘em nenhum sentido que transcenda o fato de que elas têm um efeito sistemático sobre o sentido das sentenças em que elas ocorrem’62. De outro modo, seríamos obrigados a dizer a que entidade se referem palavras como ‘em’, e expressões como ‘o mais famoso discípulo de’.

Mas, então, temos de passar do sentido dos termos para o sentido das sentenças em que eles ocorrem, que deve ser explicado com base no ‘efeito sistemático’ que tais termos têm sobre ele. Uma boa proposta - continua Davidson - neste ponto, é a de Frege: tratar sentenças como um tipo especial de termos singulares complexos, formados por um tipo especial de functores, isto é, os predicados, aplicados a um ou mais termos singulares.

60 DAVIDSON, ‘Semantics for natural languages’, p. 55. 61 Cf. id. ibid., p. 55.

Deste modo, ‘Aristóteles é o mais famoso discípulo de Platão’ é um termo singular complexo, formado a partir do functor ‘é o mais famoso discípulo de Platão’, aplicado ao termo ‘Aristóteles’, que funciona como seu argumento. O objeto ao qual este termo se refere, neste caso, é o Verdadeiro, que é seu sentido63.

Bem, a sugestão do parágrafo anterior é logo descartada por Davidson. Se assumimos que o sentido de uma sentença é seu valor-verdade, não temos como ver qualquer diferença de sentido entre duas sentenças verdadeiras, ou duas sentenças falsas, quaisquer que sejam. Davidson considera este resultado ‘intolerável’, e com isso conclui que o sentido de uma sentença deve ser tratado como algo diverso de sua referência, ou de seu valor de verdade. Mas aqui nos vemos novamente às voltas com o problema inicial: como determinar o sentido das sentenças de uma linguagem natural, infinitas em número, com base em algum procedimento finitário, isto é, com base em um número finito de elementos?

Bem, um bom modo de começar um tratamento satisfatório desse problema é propor condições de adequação para a teoria que se quer construir. Davidson, então, propõe que uma boa teoria do sentido, em termos de conteúdo, seria uma teoria que implicasse todas as instâncias do esquema ‘s significa m \ onde s é a descrição estrutural de uma sentença qualquer da linguagem natural em questão, e m um termo singular que se refere ao sentido dessa sentença. Aqui, claramente, Davidson está empregando, para lidar com a noção de sentido, o método usado por Tarski para lidar com o conceito de verdade. Vejamos aonde este método vai nos conduzir.

Logo de início, somos conduzidos a uma dificuldade. Que espécie de termo singular poderá substituir m no esqüema ‘s significa m’? Que termos serão esses, que designam sentidos de sentenças? Certamente não podem ser as próprias sentenças, pois já vimos acima que identificar o sentido de uma sentença com a sua referência não é um bom caminho a seguir. Uma saída para esta dificuldade, segundo Davidson, consiste em substituir o esquema ‘s significa m \ pelo equivalente ‘s significa que p \ onde p é uma sentença. Neste caso, obviamente, dado que 5 é uma descrição estrutural de uma sentença,

63 Sua referência, para Frege, mas Davidson está analisando a possibilidade de se identificar 0 sentido à

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