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Lesão Vascular

No documento Síndrome vestibular paradoxal (páginas 52-57)

CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

6. MEIOS COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO

7.5. Lesão Vascular

As lesões cerebrovasculares podem ser classificadas como isquémicas ou hemorrágicas. As primeiras são as mais comuns em cães e gatos e devem-se a uma obstrução, venosa ou arterial, que diminui ou interrompe a circulação sanguínea intracraniana; as segundas são mais raras e devem-se a qualquer fator que cause a rutura dos vasos sanguíneos cerebrais e consequente hemorragia (Gaitero, 2011; Garosi, 2010; Goncalves et al., 2011; Platt, 2008a).

Uma lesão cerebrovascular (vulgarmente chamada de enfarte) é definida como uma disfunção cerebral focal súbita e não progressiva como resultado de uma diminuição do suprimento vascular cerebral (Goncalves et al., 2011). Este tipo de alterações começou recentemente a ser considerada cada vez mais comum em cães e gatos, principalmente devido aos avanços na neuro-imagiologia, que permitem a sua identificação (Platt, 2008a).

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Um processo isquémico é, de maneira generalista, definido como um processo que leve à privação de oxigénio e glucose a nível cerebral, resultando numa incapacidade de manter a normal função cerebral. Se a isquémia for muito grave pode levar à necrose do tecido cerebral, chamada de enfarte isquémico. Este é frequentemente associado a hemorragias secundárias, que podem causar enfartes hemorrágicos (Wessmann et al., 2009).

Para o processo ser classificado como um enfarte, os sinais clínicos devem durar mais de 24 horas. Se os sinais clínicos começarem a melhorar em menos de 24 horas, então estamos perante uma alteração isquémica transiente (TIA) (Gaitero, 2011; Wessmann et al., 2009).

Os enfartes isquémicos ou hemorrágicos podem ser classificados segundo variados critérios, resumidos na tabela 3.

Tabela 3 – Classificação de lesões cerebrovasculares. Adaptado de (Wessmann et al., 2009)

Enfarte isquémico Enfarte hemorrágico

Localização anatómica

 Artéria cerebral rostral

 Artéria cerebral média

 Artéria cerebral caudal

 Artéria cerebelar rostral

 Artéria cerebelar caudal

 Artérias perfurantes  Artéria basilar  Artéria vertebral  Epidural  Subdural  Subaracnoide  Intraparenquimatoso  Intraventricular Tamanho  Lacunar  Territorial  Pequeno  Grande Mecanismo  Tromboembólico  Embólico  Hemodinâmico Exemplos de etiologia  Êmbolos  Hipertensão  Aterosclerose

Sem causa identificada

 Neoplasia

 Malformação vascular

 Coagulopatia

 Sem causa identificada

Anatomicamente estão presentes cinco artérias principais responsáveis pela vascularização cerebral, e a partir das quais surgem vasos mais pequenos: as artérias cerebrais rostral, média e caudal e as artérias cerebelares rostral e caudal. Todas, com excepção da artéria cerebelar caudal têm origem no círculo de Willis, um anel vascular localizado na base do cérebro formado a partir das artérias basilar e carótida interna. A

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artéria cerebelar caudal deriva da artéria basilar. A função deste anel vascular é manter uma perfusão sanguínea constante para todos os outros vasos e, desta maneira, manter a viabilidade do tecido cerebral (Gaitero, 2011).

Um fornecimento inadequado de sangue vai impedir a correta oxigenação e nutrição das células cerebrais enquanto promove uma acumulação de metabolitos potencialmente tóxicos para essas mesmas células, o que no seu conjunto vai causar danos celulares e, claro, diminuição da função neuronal. A completa ausência de irrigação sanguínea durante 5 minutos é suficiente para causar danos irreversíveis neste tipo de células (Garosi et al., 2006).

Um processo isquémico grave causa morte celular, mas um processo mais moderado pode levar a lesões secundárias, como por exemplo lesões por reperfusão que acabam por originar enfartes hemorrágicos. Os danos resultantes dependem da gravidade da isquémia e do tempo que o tecido esteve sem perfusão sanguínea adequada, sabendo que as células com maiores necessidades em oxigénio (os neurónios), serão as primeiras a ser afetadas (Wessmann et al., 2009).

Um processo hemorrágico causa lesão principalmente através da compressão que causa ao tecido adjacente, mas também devido ao edema que se forma ao redor do coágulo. Este tipo de lesões acaba por provocar isquémia tecidular através de dois mecanismos: a compressão que exerce sobre os tecidos saudáveis ao seu redor e a interrupção na perfusão sanguínea devido a lesão vascular (Garosi, 2010).

Clinicamente deve suspeitar-se de lesão cerebrovascular sempre que, de maneira aguda ou hiperaguda, surgem sinais neurológicos focais, assimétricos e não progressivos com origem encefálica. Por norma afetam animais de idade mais avançada, e os sinais clínicos vão depender da região que está envolvida na lesão. Anatomicamente, o cerebelo é uma das regiões mais afetadas, principalmente através da artéria cerebelar rostral, sendo bastante frequente o surgimento de síndrome vestibular paradoxal juntamente com outras alterações cerebelares (Lowrie, 2012b; McConnell et al., 2005).

Havendo esta suspeita é importante proceder-se a um exame físico e analítico completo procurando qualquer sinal indicativo de alteração cardíaca, renal, endócrina, hematológica ou quaisquer alterações predisponentes a hipertensão e ocorrência de enfartes. A nível bioquímico é aconselhável realizar testes de coagulação e procurar qualquer alteração que predisponha a estados de hipercoagulabilidade. É também aconselhado proceder a realização de RM para confirmação da lesão vascular, uma vez que apresenta maior sensibilidade na sua deteção quando comparada à TC. O LCR por norma não apresenta qualquer alteração (Negrin et al., 2009; Platt, 2008a).

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Geralmente uma lesão cerebrovascular altera a integridade estrutural cerebral, mas as suas características imagiológicas vão variar dependendo do tipo de lesão, da sua gravidade, e da relação entre o início da lesão e a altura em que se procede à RM (tabela 4).

Tabela 4 – Características de RM de enfartes isquémicos e hemorrágicos. Adaptado de (Cherubini et al., 2007; Lorenz et al., 2011e)

Enfarte isquémico

Intensidade do sinal

T1W T2W FLAIR Intensificação

Pós-Contraste DWI ADCmap

Hipointenso Hiperintenso Hiperintenso

Nula Moderada (raro) Marcada (raro) Hiperintenso Hipointenso (fase aguda) Hiperintenso (crónico) Enfarte Hemorrágico Tempo Estado da Hemoglobina Intensidade do sinal T1W T2W T2*

<24 horas Oxihemoglobina Isointenso Hiperintenso

Hipointenso 1-3 dias Desoxihemoglobina Iso a

hipointenso Hipointenso >3 dias Metahemoglobina Hiperintenso Hipointenso >7 dias Metahemoglobina Hiperintenso Hiperintenso >2 semanas Hemossiderina Hipointenso Hipointenso

A aparência da lesão pode ainda variar de acordo com a sua localização, quantidade de sangue presente, presença simultânea de diferentes estados de degradação da hemoglobina, potência da máquina de RM, entre outros, e pode ter aspeto de massa, lesões multifocais, lesão difusa e ser homo ou heterogénea, o que dificulta o diagnóstico deste tipo de situações. Lesões muito pequenas ou pouco graves, como TIAs, podem não ser identificáveis nas primeiras 48h horas ou, até, nunca chegar a provocar alterações significativas no tecido, e terá de se fazer um diagnóstico presumido (Bagley et al., 2009; Dewey, 2008; Garosi, 2010). Classicamente a região do enfarte tem aspeto de “cauda de cometa”, mas enfartes lacunares tendem a ter uma aparência esférica enquanto enfartes territoriais são mais cuneiformes. Caso haja intensificação do sinal após administração de contraste, esta é heterogénea ou periférica, quase em forma de anel. Apesar da grande

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variabilidade de características imagiológicas parece consensual que a aplicação de sequências DWI e T2* é o melhor método para detetar lesões isquémicas e hemorrágicas respetivamente (Gaitero, 2011; Lorenz et al., 2011e).

Relativamente ao tratamento, apenas é possível fornecer um tratamento de suporte que acelere a sua recuperação. No entanto se for encontrada uma causa predisponente, então o seu tratamento torna-se uma prioridade (Dewey, 2008).

No caso de lesões isquémicas o tratamento de suporte assenta em três princípios básicos: monitorizar e corrigir as variáveis fisiológicas básicas (temperatura, pressão arterial, saturação de oxigénio, PIC, etc.), inibir as consequências bioquímicas e metabólicas da isquémia através do uso de fármacos neuroprotectores e, na presença de um trombo, utilizar substâncias trombolíticas para restaurar a normal circulação sanguínea (Platt, 2008a).

Perante lesões de natureza hemorrágica, o tratamento pode ser dividido em estabilização intra e extracraniana. A estabilização extracraniana é prioritária e inclui a monitorização de todos os parâmetros vitais (ventilação, saturação de oxigénio, pressão arterial, temperatura corporal) e correção de quaisquer anomalias. De seguida procede-se à estabilização intracraniana, e os esforços dirigem-se para a redução da PIC através de três regras: reduzir o edema cerebral, otimizar o volume sanguíneo cerebral e eliminar massas que comprimam o tecido saudável (Gaitero, 2011; Garosi, 2010).

O prognóstico está sempre dependente da gravidade da lesão e, claro, da resposta ao tratamento. Na sua maioria estas lesões são moderadas e os animais recuperam em poucas semanas apenas com tratamento de suporte ou, até, sem qualquer tratamento. Geralmente enfartes hemorrágicos estão associados a maiores taxas de mortalidade. A presença de uma causa subjacente está associada à possibilidade de ocorrência de mais enfartes, portanto terá um pior prognóstico (Garosi, 2011a; Lowrie, 2012b).

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CAPÍTULO II – DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

No documento Síndrome vestibular paradoxal (páginas 52-57)

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