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3 POLÍTICA MONETÁRIA, POLÍTICA FISCAL E DÍVIDA PÚBLICA

3.3 LESSONS FROM BRAZIL

Em 2004, Oliver Blanchard publicou um artigo chamado “Fiscal Dominance and

Inflation Targeting: Lessons from Brazil” a fim de argumentar sobre a situação que o Brasil se

encontrava no período entre 2002 e 2003. Inicia destacando que nos modelos padrões de economias abertas, um aumento na taxa de juros para diminuir a inflação atua sobre dois canais: o da demanda agregada e o do câmbio, focando no segundo para o desenvolvimento de sua argumentação. Segundo o autor, no cenário já apresentado onde o aumento da taxa de juros significa o aumento a percepção de default, a utilização da taxa de juros como instrumento para controlar a inflação poderia ter feitos perversos, pois afastaria o capital estrangeiro.

Questiona quais seriam as condições necessárias para que tal aumento ocasionasse a depreciação da moeda local, ao invés de uma apreciação como sugerido pela lógica macroeconômica padrão. A fim de responder, desenvolve um modelo para apenas um período baseado em duas equações, a de fluxo de capitais (C) e a do risco de default (p). Ambas estão em função da probabilidade de default (p) e da taxa de câmbio (ϵ), para dados valores da política fiscal, da política monetária e de outros parâmetros, e são representadas por:

𝐶( (1 + 𝑟) − 𝜖𝑛−1 (1 + 𝑟∗) − (1 − 𝜆) 𝜃∗𝑝) + 𝑁(𝜖) = 0 (6) 𝑝 = 𝜓 (( 1+𝑟 1−𝑝+ 𝜆𝜃∗𝑝 1−𝑝) [𝜇𝜖 + (1 − 𝜇)]𝐷 − 𝑋) (7) Onde:

r e r* = taxa de juros real interna e externa ϵ = taxa de câmbio real

η = onde 0 ≤ η ≤ 1, quanto mais perto de 1 mais a taxa de câmbio futura se altera com a taxa de câmbio presente

θ = aversão ao risco do mercado

θ*= aversão ao riso dos investidores estrangeiros λ = como θ* > θ , θ = λ θ*, onde λ ≤ 1 p = probabilidade de default da dívida pública

N (ϵ) = exportações líquidas como função do câmbio, onde N (ϵ) = NX , N' > 0 Ψ = relação da probabilidade de default com a dívida do próximo período, onde p = Ψ(D’) sendo Ψ > 0

D = dívida pública brasileira

μ = proporção da dívida em dólar sobre a dívida total, onde μ = D$

D

X = superávit primário

Segundo o autor, as equações retornam que quanto maior o nível inicial da dívida (D), ou a maior proporção desta em moeda estrangeira (μ) ou maior a aversão ao risco dos investidores estrangeiros (θ*), mais provável será que um aumento na taxa de juros ocasione uma depreciação cambial, e que todos esses fatores estavam profundamente presentes no cenário de 2002.

Logo após, faz uma observação à evidência empírica utilizando as equações modeladas como um guia para as estimações econométricas desses três parâmetros, determinando quando e se um aumento da taxa de juros iria gerar apreciação, através do canal tradicional, ou depreciação, devido a possibilidade de default.

Blanchard utiliza a equação de fluxo de capitais que retorna o mais forte e correto sinal para a taxa de juros e estima para o câmbio e para o risco de default, consecutivamente:

𝑙𝑜𝑔 𝜖 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 − 0,21(𝑟 − 𝑟∗) + 12,43(𝜃𝑝) (8)

𝑝 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 + 0,23𝐸𝐷′ 𝑜𝑛𝑑𝑒 𝐷′ = [(1+𝑟

1−𝑝+ 𝜆𝜃∗𝑝

1−𝑝) [𝜇𝜖 + (1 − 𝜇)]𝐷 − 𝑋] (9)

Tais relações podem ser explicadas da seguinte maneira: há um efeito direto de um aumento na taxa de juros sobre a taxa de câmbio, dada pela diferença dos juros (r - r*), que leva um aumento de 1% da Selic a uma apreciação de 0,21%. No entanto, o mesmo aumento leva a um aumento na dívida esperada, elevando a probabilidade de default e levando a depreciação. A magnitude desse efeito irá depender dos fatores já citados como a aversão ao risco dos investidores estrangeiros, do nível inicial da relação dívida/PIB e de sua composição. Assumindo λ = 0,5 e diferentes valores desses fatores representados pelas colunas, o autor estimou os efeitos de um aumento de 1% taxa na Selic sobre a taxa de câmbio, como demonstra a tabela:

Tabela 2 - Efeitos de um aumento de 1% na taxa Selic sobre a taxa de câmbio

Fonte: Blanchard (2004) p. 30

Os valores das colunas 1, 3 e 5 se referem aos efeitos na depreciação de diferentes níveis de D, μ e θ* deixando os demais fatores na média do período. É interessante observar como a pouca diferença entre os níveis das linhas 3 e 4 geram impactos significativos. Um aumento da relação dívida/PIB de 53% para 63% é suficiente para mais que triplicar tal efeito, o que pode explicar a alta volatilidade no EMBI, segundo o autor. Para a proporção da dívida em dólar também é significativo, o que pode ter sido uma das razões pelas quais o governo se esforçou posteriormente para diminuir essa proporção.

Os valores em negrito da terceira linha se referem a média dos fatores entre janeiro de 1999 e janeiro de 2004, e implicam que o aumento de 1% na Selic naquele momento levaria a uma depreciação aproximada de 2,58% (sendo 2,79% de efeito indireto mais -0,21% de efeito direto da apreciação).

Os resultados obtidos por Blanchard na tabela 2 são fortes, uma vez que para quase todos os níveis, mesmo que não muito elevados, de dívida/PIB, proporção dessa em dólar e aversão ao risco é esperado uma depreciação cambial. Nesse sentido, o autor coloca em questionamento a eficácia da política monetária dentro do RMI, que utiliza a taxa de juros como principal instrumento. Segundo o autor, é preciso que exista um ambiente fiscal diferente do encontrado em 2002 para que um aumento na Selic refletisse em apreciação.

Ressalta algumas limitações do modelo como: não ser dinâmico, o que o faz depender apenas da dívida do próximo período e não da futura trajetória como um todo, faltar um alinhamento como tratamento da rigidez nominal, para justificar que a taxa de juros é controlada somente pelo Banco Central e para derivar os efeitos de alterações na taxa de câmbio sobre a inflação, e focar somente em um canal de transmissão da política monetária. Sobre o foco no canal do câmbio, acrescenta que apesar do canal da demanda agregada ser mais convencional,

acredita que para o caso brasileiro pode não ser o mais forte. Pelas elevadas taxas de juros praticadas e ainda maiores taxas exigidas nos empréstimos a pessoas físicas e empresas, o Governo Brasileiro é que acaba sendo o maior tomador de empréstimos da economia, recaindo o aumento de juros principalmente sobre a dinâmica fiscal.

Sendo assim, o autor revela um cenário de dominância fiscal para o período, onde um aumento da taxa de juros para diminuição da inflação acaba por provocar depreciação ao expelir ainda mais o capital estrangeiro, agravar a situação fiscal e levar ao aumento futuro da inflação. Apesar de ir em encontro com Sargente e Wallace e com a TFNP ao considerar que a macroeconomia padrão pode não ser garantida em todos os cenários, principalmente sobre condições fiscais desfavoráveis, Blanchard modela uma suposição diferente ao demonstrar como a desconfiança sobre um possível default pode superar o efeito da atração da taxa de juros, invertendo o sinal da política fiscal sobre a política monetária.

Certamente a análise da política monetária deveria ser melhor explorada para se chegar as conclusões de Blanchard. Já em 2003, o governo brasileiro fez aumentos na taxa Selic na ordem de 0,5 p.p. e 1 p.p. em janeiro e fevereiro que não foram acompanhados de forte depreciação cambial, muito pelo contrário como mostrado no gráfico 7 com a trajetória decrescente da taxa de câmbio. Nesse sentido, o autor comenta que provavelmente o compromisso com a austeridade do novo governo acabou dominando qualquer efeito perverso da taxa de juros sobre a dinâmica da dívida. Dessa forma, os resultados não são gerais mas despertam a importância da percepção dos agentes sobre a conjuntura fiscal.

Gráfico 7 – Taxa de câmbio real – Janeiro de 2000 a dezembro de 2015

Fonte: IPEADATA

Outro momento em que a trajetória da política fiscal afetou diretamente atuação da política monetária foi em 2015. Após alguns anos de uma política fiscal expansiva com destaque ao Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), aos pagamentos devidos aos bancos públicos federias e com o FGTS, as despesas acumuladas de exercícios anteriores vinculadas a programas de equalização de taxas e subsídios e aos gastos com a previdência social, a trajetória da DLSP que estava decrescente até 2014 passa a ser crescente, acompanhada do maior déficit primário da história até aquele momento, atingindo o valor de R$111,24 bilhões ou 1,88% do PIB. Além dos gastos excessivos, houve também uma redução real na arrecadação devido ao baixo nível de atividade econômica do ano, contribuindo para o péssimo resultado. Além do ano de 2015 ter sido deficitário, em 2014 e em 2016 o Governo Brasileiro também realizou déficits primários. Tais resultados podem caracterizar o regime de dominância fiscal, uma vez que demonstra que a autoridade fiscal não esteve comprometida com o orçamento proposto e em estabilizar a relação dívida/PIB.

Segundo o Relatório da Inflação do Banco Central, em 2015 o PIB retraiu em 3,8% decorrente em parte dos resultados negativos dos setores de maior peso como indústria e serviços e em parte pela crise de confiança enfrentada pelo, país causada pela repercussão da Lava Jato e pelo impacto ambiental do acidente ambiental da Vale. A demanda ficou ratificada devido à queda de confiança dos consumidores e empresários somada à deterioração das

condições do mercado de trabalho e suas implicações sobre o mercado de crédito, com desdobramentos sobre os gastos de consumo e investimento. Apesar do índice EMBI não ter atingido valores extremamente altos como em 2002, chegou ao seu valor máximo dos últimos 5 anos em dezembro de 2015, sendo 80% maior que o índice para o mesmo período de 2014.

Além disso, a inflação para o ano que tinha como meta o nível de 4,5% com tolerância de 2 p.p. alcançou 10,67%, ultrapassando, assim, o limite superior do intervalo da banda. Segundo a Carta Aberta do Presidente do Banco Central ao Ministro da Fazendo pelo não cumprimento da meta, tal patamar inflacionário foi resultado de três fatores. O primeiro deles seria em relação aos preços administrados, que representou 4,21 p.p. do total, ou seja, quase 40%. O segundo, o repasse cambial sofrido pela desvalorização cambial na ordem de 47%, que representou 15% do total do índice IPCA. E o terceiro referente às incertezas quanto à velocidade do processo de recuperação dos resultados fiscais e à sua composição.

Na tentativa de conter os efeitos inflacionários, o COPOM realizou sucessivos aumentos na taxa Selic de 0,5 p.p. ao longo de 2015 finalizando o ano em 14,25%. Para 2016, manteve no mesmo patamar finalizado do ano anterior. Dessa forma, o alto nível de endividamento governamental acompanhado da taxa Selic também elevada e da desvalorização cambial fez com que o pagamento de juros nominais em 2015 representasse 8,46% do PIB.

Nesse contexto, é possível ressaltar a visão de Blanchard de que aumentos na taxa de juros reforçam a trajetória ruim da dívida pública, sendo necessários ajustes de ordem fiscal de longo prazo para a retomada da confiança e para que os indicadores de endividamento retomem trajetória consistente com o ambiente de estabilidade macroeconômica. Além da retração monetária, como medida para tal retomada o Governo Brasileiro foi de encontro ao proposto por Blanchard no cenário de dominância fiscal, propondo no ano seguinte uma Emenda Constitucional do Teto dos Gatos Públicos a fim de instituir um novo regime fiscal onde as despesas governamentais se limitariam a crescer apenas pelo IPCA ano a ano, durante 20 anos. Popularmente conhecida como PEC dos gastos, a medida foi aprovada ao final de 2016 não cabendo a esse trabalho a análise de sua efetividade. O fato é que devido a trajetória da dívida pública brasileira e os possíveis impactos desta sobre a inflação, o governo brasileiro tomou medidas fiscais a fim de sinalizar a sustentabilidade do pagamento da dívida para os anos futuros, numa tentativa de conter o seu crescimento exacerbado. Segundo Relatórios da Inflação do Banco Central, a recuperação da confiança para a trajetória fiscal futura foi essencial para diminuir a inflação no ano seguinte. Sendo assim, é possível identificar que no período houve

indícios de dominância fiscal sobre a política monetária, tanto pelo descontrole dos gastos públicos como pela medida tomada para conter suas consequências inflacionárias.

4 ANÁLISE QUANTITATIVA

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