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Foto 17 Mural sobre Escritoras Negras − Dia do Estudante, 10 ago 2017

4 BUSCANDO A RESSONÂNCIA DO OUTRO EM MIM − APRENDER E

4.3 LETRAMENTOS − ESCREVER A VIDA

Comecei os estudos sobre letramentos com a série editada pelo Ministério da Educação, Linguagem e letramento em foco, Linguagem nas séries iniciais, denominada

Preciso “ensinar” a ler e a escrever? em que a professora Angela Kleiman, inicia dizendo o

que não é letramento. Não é um método, não é alfabetização, não é habilidade. E então, o que é letramento?

Segundo Kleiman (1995), os estudos sobre letramento começaram a se definir a partir da necessidade de separar alfabetização de letramento, visto que a primeira sugere uma prática individualizada, enquanto o segundo exige prática colaborativa. Para além do domínio das letras, as crianças ao ouvirem histórias, assistirem à TV dialogarem com adultos ou outros colegas estão em processo de aprendizagem e estas práticas sociais são exemplos de letramentos. Ela explicita:

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Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo o qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita (KLEIMAN, 1995, p. 18-19).

Os letramentos estão, portanto, diretamente ligados às práticas sociais nas quais os sujeitos estão imersos. O sujeito escreve porque precisa resolver problemas, expressar sentimentos, apresentar opinião, solicitar informações, enfim, encontrar soluções para suas demandas. A escola, desta maneira, precisa oferecer outras formas de aprender/ensinar. Estamos ainda com livros didáticos com propostas mais voltadas para a leitura sem vínculo social, crítico e reflexivo. Nossa responsabilidade na escolha dos gêneros a serem trabalhados em sala é imensa, se pensarmos que é, na maioria das vezes, através de projetos de leitura que aprimoramos os letramentos; o ideal é que trabalhemos com projetos de leitura ao invés de atividades isoladas e que nem sempre fazem sentido para os estudantes.

É evidente que não somos nós, os professores, apenas, que detemos o conhecimento; os estudantes já apresentam informações, ideias, projetos os quais muitas vezes não conhecemos. Não devemos nos angustiar com os saberes não escolarizados, ao contrário, é a partir deles que podemos ampliar as aprendizagens. Outros estudos comprovam como a formação dos estudantes não está apenas na escola. Nesse sentido, como afirma Rojo ao tratar dos letramentos com ou sem uso de tecnologia de informação, é um trabalho que:

Parte das culturas de referência do alunado (popular, local, de massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático – que envolva agência – de textos/discursos que ampliem o repertório cultural, na direção de outros letramentos, valorizados (como é o caso dos trabalhos com hiper e nanocontos) ou desvalorizados (como é o caso do trabalho com picho). (ROJO, 2012, p. 8).

Portanto, embora a escola seja a “principal agência de letramento”, ela não é a única e os saberes dos estudantes precisam ser usados em seu próprio benefício. A escola precisa valorizar não apenas o saber, mas, também, o saber dizer, deixando de lado o preconceito, a resistência aos saberes populares, de massa.

Ainda nessa direção e corroborando com esta ideia, ao pensar os diferentes percursos e trajetórias de usos de linguagem Souza destaca:

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No que se refere a ler, escrever e interpretar textos ou usar a oralidade letrada, de acordo com os cânones escolares, os jovens nem sempre são considerados como usuários autônomos da língua escrita. No entanto, fora da escola, existem situações outras – ainda que nem sempre reconhecidas ou autorizadas – que se realizam nas mais diversas esferas de atividade: a casa, a rua, o trabalho, a religiosidade. Espaços que ganham diferentes sentidos e apresentam distintas formas de engajar os sujeitos ou grupos sociais. Por isso os letramentos são múltiplos e, além disso, são críticos, pois englobam usos tão variados quantas são as finalidades dessas práticas (SOUZA, 2011, p. 36).

Por pensar assim, Souza nos apresenta o conceito de letramentos de reexistência, que compreendo como movimento de “criar, ressignificar e reinventar os usos sociais da linguagem”. Em seu livro Letramentos de reexistência: poesia, grafite, música, dança: hip-

hop, a autora colabora com os estudos sobre letramentos ampliando seus sentidos, diria que

amplificando a ideia de leitura, cultura, conhecimento.

Os letramentos de reexistência mostram-se singulares, pois, ao capturarem a complexidade social e histórica que envolve as práticas cotidianas de uso da linguagem, contribuem para a desestabilização do que pode ser considerado como discursos já cristalizados em que as práticas validadas sociais de uso da língua são apenas as ensinadas e aprendidas na escola formal (SOUZA, 2011, p. 36).

Os letramentos estão, portanto, em nosso cotidiano e servem a um propósito. O que não tem ocorrido com eficiência é a compreensão de que é função da escola dar conta da ampliação da leitura e escrita dos que por ela passam com o intuito de inserir o cidadão no mercado de trabalho, mas não apenas isto, e sim fazer com que, de fato, ele (cidadão) se veja como ser atuante, presente, incluído nas esferas sociais e de poder.

Compreendo, portanto, que, muitas vezes, a nossa formação tem sido cada vez mais colocada em questão. Dizendo de outra forma: temos embasamento das teorias, lemos, estudamos, mas nem sempre conseguimos fazer com que os sujeitos que estão em nossa sala ampliem seus conhecimentos de mundo e tenham letramentos diversos. Isto pode ser decorrente do modo como procedemos. Ou seja: é o caso de nos perguntarmos quais estratégias de ensino estamos levando para a sala de aula que dá conta das demandas dos nossos estudantes? Quais recursos ou materiais usamos para aplicar procedimentos de leitura que desenvolvam as habilidades dos nossos pequenos e grandes cidadãos?

No projeto de intervenção desenvolvido na Escola Parque, pude perceber que os estudantes têm letramentos diversos adquiridos no trabalho, na convivência familiar, na comunidade escolar. Isto pode ser observado nos diálogos em sala, através da comunicação

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por WhatsApp e na própria produção de texto – as redações. Quando afirmo que os sujeitos que estão em sala de aula têm letramentos diversos, faço-o por considerar a seguinte posição de Kleiman:

[...] se um trabalho sobre letramento examina a capacidade de refletir sobre a própria linguagem de sujeitos alfabetizados versus sujeitos analfabetos (por exemplo, falar de palavras, sílabas e assim sucessivamente), então, segue-se que para esse pesquisador ser letrado significa ter desenvolvido e usar uma capacidade metalinguística em relação à própria linguagem. Se, no entanto, um pesquisador investiga como um adulto e uma criança de um grupo social, versus outro grupo social, falam sobre o livro, a fim de caracterizar essas práticas, e muitas vezes correlacioná-las com o sucesso da criança na escola, então, segue-se que para esse investigador o letramento significa uma prática discursiva de determinado grupo social, que está relacionada ao papel da escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não envolve, necessariamente, as atividades específicas de ler ou de escrever (1995, p. 17- 18).

Corroborando com a colocação da autora, compreendo que, em alguns aspectos, como, por exemplo, notícias do cotidiano, contato social, emissão de opinião, os sujeitos escritores são letrados. Por outro lado, falta-lhes serem letrados na construção do texto para concursos.

Se considerarmos que os sujeitos estão na escola não unicamente para se preparar para avaliação de concursos (vestibulares, ENEM, Concursos Públicos) tudo poderia ser diferente, pois o objetivo da escola não deve ser unicamente prepará-los, a partir do que eles não sabem, mas sim ver o que eles já sabem e, a partir do interesse dos estudantes, desenvolver suas habilidades e competências. Está mais que comprovado que a aprendizagem tem uma relação direta com o prazer e interesse pessoal, desta forma, os conhecimentos prévios dos estudantes precisam fazer parte da construção do conhecimento desenvolvido na sala de aula e cotidianamente. Os objetivos para as ações em sala devem partir de suas práticas sociais de uso da linguagem, devem ser amplos e proporcionar aos estudantes a leitura e escrita de textos que sejam pertinentes, práticos, funcionais e façam parte de sua vida.

O que tenho observado, em especial após a entrada no PROFLETRAS, é que as práticas são as mais diversas. Para os mais jovens, celular e internet, para os mais velhos, a televisão e textos para resolver questões da vida, bula, formulários, revistas. Mas todos têm em comum a necessidade de buscar notícias sobre o mundo, o que se passa, o que os afeta etc. Este é um tipo de letramento. Quase não vemos estudantes sem celular, ainda que não tenham, por exemplo, um tênis para ir à escola.

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Durante o desenvolvimento do processo, pude observar que eles, assim como eu, leem mais do que escrevem. Percebo que o advento da internet oportunizou para as pessoas (de modo geral) acesso à informação, o que pode ampliar o repertório de qualquer um, então, grosso modo, poderíamos pensar que, assim, as pessoas poderiam também escrever mais e até melhor. Contudo, lemos mais do que escrevemos. E como são dois atos diferentes, embora interligados, há que se pensar que o fato de ter acesso à informação não garante um movimento em direção à produção textual. E aqui entra o meu papel como mediadora de leitura, ou como agente de letramento como apontam diversos estudos (KLEIMAN, 1995, 1998, 2005, 2007; ROJO, 2005, 2012, 2015; SOUZA, 2005, 2011, 2012). É fundamental o meu papel na orientação da percepção dos caminhos necessários para construir o texto e o texto que já está na vida deles e que talvez nem percebam ou que, como poderemos ver mais adiante nas análises dos textos, precisam de refinamento para que ganhem sentidos. Por isso o interesse pelo trabalho com coesão e coerência ganha corpo no projeto de intervenção realizado.