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A METODOLOGIA DA PESQUISA ETNOGRÁFICA

4.3 LEVANTAMENTO DO CORPUS

As visitas às escolas ocorreram a partir do segundo semestre de 2002. Esse período foi escolhido em função das dificuldades iniciais de aprendizagem da modalidade escrita, que, no início da 1ª série, são bem salientes – ainda que muito mais acentuadas nas escolas públicas – , e por entendermos que um período maior de adaptação ao novo código, tornaria os alunos mais aptos a trabalhar durante as oficinas de produção textual.

Na nossa proposta de levantamento empírico, não constava a observação não participativa. Apesar do foco das investigações não se dirigir especificamente ao processo de produção textual – não foram utilizados protocolos, nem houve um controle sistemático sobre as etapas da construção dos textos propriamente ditos – compreendíamos a importância de ser a própria pesquisadora, e não as professoras das respectivas turmas de 1ª e 2ª séries, a responsável pela condução desse processo. Tentando não causar constrangimentos às professoras, durante os contatos com elas, não procuramos intervir em seus procedimentos didático-pedagógicos.

Tivemos toda liberdade e autonomia para trabalhar com as crianças em sala de aula (26 alunos na escola particular ²³ e 18 na pública), porque as professoras – sem que isso lhes fosse solicitado – ausentavam-se da sala durante as oficinas. Estávamos portanto, sempre muito atarefados, procurando dar assistência a cada um deles.

Os temas e os gêneros trabalhados nas oficinas foram praticamente os mesmos realizados nas duas escolas (pública e particular), excetuando-se apenas uma oficina para a qual não houve motivação, nem tampouco os alunos da escola pública se mostraram aptos a desenvolvê-la, sendo portanto desconsiderada ² : a elaboração de um panfleto de propaganda para eleger um presidente de classe, nos moldes da propaganda eleitoral bastante divulgada na mídia em geral e nas ruas da cidade (na época da eleição para presidente do país ). A estratégia adotada em sala de aula também foi a mesma nas duas escolas: havia uma discussão prévia sobre o tema, momento em que os alunos expressavam suas opiniões, faziam algumas perguntas, e então, começavam a escrever.

No desenvolvimento dessas estratégias, procuramos nos orientar pelas

seqüências didáticas propostas por Schneuwly e Dolz (2004), apesar de não termos

seguido rigidamente todas as etapas concebidas pelos autores para esse procedimento.

Os nossos procedimentos metodológicos desenvolvidos nas oficinas organizaram- se do seguinte modo:

_____________

23 – A escolar particular escolhida é uma escola tradicionalmente católica, dirigida por uma freira, onde anteriormente só estudavam meninas e atende a uma boa parcela da classe média pessoense. Dispõe de um ótimo espaço físico e oferece curso do jardim ao ensino médio. A escola pública é pequena, só oferece ensino fundamental e localiza-se em um bairro próximo à avenida onde está situada a escola particular. Eram duas realidades bem diferentes, apesar da proximidade geográfica.

24 – A turma de 1ª série da escola pública era bastante heterogênea: havia um aluno de cinco anos, muitos adolescentes (entre 11 e 13 anos), e os de faixa etária mais adequada ao período (7 e 8 anos ). Além disso havia alunos que não liam e não escreviam nem uma palavra, e um outro tanto que tinha bastante dificuldade na escrita.

1- Apresentação geral do tema e do gênero a serem trabalhados em sala.

2- Exposição oral do tema e do gênero com a participação dos alunos: perguntando, acrescentando informações, expressando opiniões.

3- Manuseio com textos de apoio pelos quais os alunos pudessem se orientar. 4- Produção efetiva dos textos.

5- Mediação da pesquisadora na execução da tarefa: orientando, solicitando releitura do texto a fim de que o próprio aluno percebesse nele os prováveis problemas, e em alguns casos, a indicação para a reescritura do texto.

6- Entrega do texto à pesquisadora.

É importante lembrar que a concepção de linguagem de base sociointeracionista guiou o nosso procedimento teórico-metodológico. Procuramos, então, instaurar em sala de aula um clima de produção textual interativa e co- participativa (em algumas oficinas os alunos trabalharam em pares), mas que situasse o pesquisador como principal mediador.

Segundo Pinto (1999), numa perspectiva sociointeracionista da aprendizagem, compreendida como uma forma de co-participação social entre pares e situada na instituição, na cultura e na história, merece destaque a importância das condições afetivas e cognitivas que tem sido enfatizada pela literatura que trata de abordagens e técnicas de ensino de línguas.

Ficávamos circulando pela sala, lendo os textos, fazendo observações, solicitando que fizessem uma releitura, que reescrevessem, tentando estimular aqueles que não queriam escrever, mas também controlando a disciplina (conversa, barulho e desentendimentos entre eles). Por isso, ficou difícil detectar as prováveis falhas no procedimento, porque não havia um outro sujeito na pesquisa que fizesse o papel do observador. Estávamos sós com as crianças e éramos todos sujeitos ativos no processo.

Foram realizadas oito oficinas, sendo quatro no segundo semestre de 2002 e quatro no primeiro semestre de 2003, normalmente com um intervalo de 15 a 20 dias entre cada uma. Em cada oficina trabalhamos um gênero textual diferente e tentamos sempre, na medida do possível, criar condições de motivação

para a produção textual, assim como criar situações em que o uso da escrita fosse necessário. Assim aconteceu no primeiro contato que tivemos com os alunos, momento em que lhes informamos sobre o motivo de nossa presença na escola. Esclarecemos aos alunos que os textos produzidos por eles iriam compor uma coletânea que seria lida por outras pessoas que também se interessavam por textos infantis; e talvez alguns deles tivessem seus textos publicados. Essa informação os deixou motivados, e acreditamos que, com isso, eles tenham atribuído alguma significação e funcionalidade aos seus textos.

Em seguida, entregamos aos alunos uma carta de apresentação, na qual registrávamos nossas preferências, atividades e outras informações sobre nossa vida pessoal. Foi solicitado a eles, então, que também escrevessem uma carta, seguindo os mesmos moldes da que lhes havia sido entregue, já que não tínhamos tempo nem condições (as crianças são um pouco inquietas e ficariam impacientes em ter de ouvir a apresentação oral de cada aluno, gerando indisciplina na sala) para as apresentações orais individuais.

A idéia, novamente, era tentar criar situações em que o ato de escrever se fizesse necessário. Conforme dissemos acima, o fato de não nos conhecermos, associado às dificuldades de uma apresentação oral desenvolvidas por crianças dessa faixa etária, justifica a atividade escrita.

Os outros gêneros trabalhados – em ordem cronológica – foram: propaganda eleitoral (panfleto), notícia informativa sobre a vida de uma personalidade (o presidente Lula), propaganda de um produto de ampla comercialização, texto informativo tipo verbete de enciclopédia sobre o carnaval, uma receita, a lenda do peixe-boi e um texto de opinião sobre a guerra no Iraque. Demos preferência a temas atuais e sobre os quais eles já estivessem comentando entre si: a eleição para presidente do país, a vida do presidente Lula que estava sendo divulgada em programas de tv, o carnaval e a guerra no Iraque. Portanto, os temas não foram escolhidos a priori, os acontecimentos sócio-político-culturais se insurgiram como pré-condições para sua escolha, de modo a investigar como as crianças se posicionavam discursivamente em relação a esses acontecimentos.

Por outro lado, o critério utilizado para a escolha desses gêneros foi o da familiaridade das crianças com eles. Os gêneros mais próximos de seu cotidiano escolar e familiar foram os selecionados, na tentativa de identificar os lugares sociais ocupados pelas criança através do uso da escrita.

É oportuno lembrar, neste momento, que esse critério de escolha se fundamenta na teoria cognitiva sócio-histórica de Vygotsky (1984[1930]), segundo a qual o componente histórico-social tem um papel determinante no desenvolvimento cognitivo das crianças. É a imersão no social que cria a percepção do individual.