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4 ANÁLISE DE DADOS

4.2 LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS DESVIOS ORTOGRÁFICOS

A fim de reconhecer os desvios de ortografia presentes nos textos dos alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II de uma escola de Uberaba-MG, propusemos a eles que elaborassem um texto, relatando uma experiência que julgassem ser relevante e marcante em suas vidas e que quisessem compartilhar com seus colegas de classe.

Foram coletadas 28 produções escritas que foram realizadas pelos alunos em sala de aula. A partir da realização dessas produções, identificamos e analisamos os desvios ortográficos que os alunos apresentaram ao escrever e selecionamos os desvios em uma análise quantitativa e qualitativa. Não contamos quantas vezes o desvio ocorreu nas produções, desse modo, os desvios apresentados nas análises que serão apresentadas foram contados uma única vez, visto que o propósito da análise qualitativa é investigar e discutir tais ocorrências e suas implicações para, a partir dessa análise, levantar propostas de intervenção pedagógica para sanar os desvios analisados.

Das produções escritas coletadas, foi possível retirar um total de 327 desvios10 de ortografia, que foram classificados, inicialmente em dois grupos, conforme proposto por Bortoni- Ricardo (2005). Vale ressaltar que, na subcategorização dos desvios, alguns casos, classificados como ocorrências do tipo 4, podem aparecer listados em mais de um grupo. Isso ocorre porque a mesma ocorrência pode apresentar mais de uma natureza, revelando processos fonético- fonológicos diferentes.

Assim, a partir de uma análise quantitativa, obtivemos um total de 124 desvios provenientes da natureza arbitrária do sistema de escrita, o qual se caracteriza por ocasião de troca ou omissão de letras e ainda algumas palavras grafadas com uma forma morfológica

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Vamos considerar, nesta pesquisa, como desvios de ortografia, os registros que não estão de acordo com as convenções do sistema ortográfico, não consideramos aspectos de coerência e coesão textual que possam surgir, sendo, portanto, analisados os dados de natureza morfofonêmica, no nível da palavra.

diferente. Os desvios caracterizados por troca de letras podem ser exemplificados com a ocorrência de grafias do tipo como “doensas”, “ranxo”, “sabemdo”, dentre outras.

Esses desvios não representam uma transcrição dos hábitos da fala para a escrita, mas sim, conforme salienta Massini-Glagliari (1999), decorrem de uma hipótese de representação gráfica feita pelo aluno e podem ser motivados por diversos fatores, dentre os quais, muito bem exemplifica Bortoni-Ricardo (2005, p. 54), devido ao “conhecimento insuficiente das convenções que regem a língua escrita”, o que pode impactar no processo de alfabetização pelo qual o educando está sendo submetido, segundo a própria autora enfatiza.

Os desvios que foram coletados e que poderiam ser encaixados na primeira categoria proposta por Bortoni-Ricardo (2005) foram subcategorizados por nós, uma vez, que ao realizar a análise dos desvios apresentados, verificamos que havia uma disparidade na ocorrência, mesmo nos desvios ortográficos, que não estão relacionados com a representação dos hábitos da fala para a escrita, dessa forma houve uma necessidade de explicar a ocorrência de tais grafias. A categorização proposta pode ser visualizada nas tabelas a seguir.

Algumas ocorrências com trocas ou supressões de grafemas, apesar de não comprometerem o significado da palavra no contexto no qual estão inseridas, podem causar dificuldade de entendimento no momento de decifrar a grafia, outras ocorrências alteram o significado da palavra e outras estão condicionadas diretamente com a relação equivocada de biunivocidade do sistema de escrita do Português Brasileiro (PB), em que não há sempre a correspondência de um fonema ser representado por uma única letra ou pode ocorrer de várias letras representarem um único fonema.

Dessa forma houve necessidade de dividir essa categoria de desvios do sistema de convenções da escrita e explicar as suas facetas. Assim, adaptamos a diagnose de desvios proposta por Bortoni-Ricardo (2005) em quatro grupos:

Tipo 1 - Desvios decorrentes de dificuldades de relacionar grafema e fonema. Exemplos:

bisicleta para bicicleta; ranxo para rancho.

Tipo 2 - Explicação do processo vs. Fala do aluno: desvios que conseguimos explicar o

processo, mas o aluno não fala da forma escrita. Exemplos: agete.

Tipo 3 - Outros casos de grafia desviante. Exemplo: esfrido, apais, caranha.

Tipo 4 - Transposição da fala para a escrita: desvios decorrentes da transposição de

Sendo que os três primeiros tipos estão inseridos no Tipo 1, proposto por Bortoni-Ricardo (2005), e pertencem à categoria de desvios que não estão associados à interferência da oralidade na escrita. A proporção entre os desvios relacionados à interferência da oralidade e os que se relacionam com a convenção ortográfica pode ser visualizada no gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Gráfico de desvios ortográficos

Assim o primeiro grupo (o que chamamos de Tipo 1) de desvios é composto por aqueles decorrentes de dificuldades de se estabelecerem relações entre grafema e fonema. Podemos constatar os seguintes casos na tabela 1:

Tabela 1 – Tipo I: Desvios decorrentes de dificuldades de relacionar grafema e fonema Nossão (noção) Erado (errado) Nervoza (nervosa) Grassa (graça) Capus (capuz) Churascos (churrascos) Mecher (mexer) Pasa (passa) Recentimento (ressentimento) Cachorinho (cachorrinho) Deser (descer) Conpramos (compramos) Bachei (baixei) Aumosar (almoçar) Rosa (roça) Enjesada (engessada) Deceu (desceu) Fisemos (fizemos) Tam (tão) Cuando (quando) Empurando (empurrando) Caro (carro) Coiçe (coice) Cresendo (crescendo) Negosso (negócio) Sabemdo (sabendo) Misa (missa) Cei (sei) Licho (lixo) Desa (dessa) Doensas (doenças) Min (mim) Tenpo (tempo) Losa (louça) Ranxo (rancho) Escala (escola) Nimguém (ninguém) Pcsina (piscina) Atraz (atrás) Dise (disse) Pasei (passei) Bisicleta (bicicleta) Conpramos (compramos) Enxer (encher) Há (a) Faso (faço) Linpar (limpar) Con (com) Homen (homem) Numca (nunca) Arumei (arrumei) Conprei (comprei) Ten (tem) Picina (piscina) Arumar (arrumar) Ganlhou (ganhou) Mechendo (mexendo) Cede (sede) Cural (curral) Ums (uns) Anciosa (ansiosa) Pissina (piscina) Esplicaram (explicaram) Descauso (descalço) Emquando (enquanto) Manhan (manhã) Consseguia (conseguia) Esaminaram (examinaram) Caregou (carregou) Iso (isso) Tamto (tanto) Tamta (tanta) Conciguimos (conseguimos) Viagei (viajei) Combrei (comprei) Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

As trocas ou uso indevido de letras observadas nas ocorrências acima não prejudicam o entendimento das palavras dentro do contexto no qual elas estão inseridas. Apesar de ainda não estabelecerem as relações entre grafema e fonema, os alunos estão fazendo suas hipóteses de escrita e demonstram a insuficiência no conhecimento das convenções do sistema ortográfico.

Por outro lado, há trocas e supressões que podem ser explicadas por meio de processos fonológicos. Mesmo assim, constatamos que o aluno não fala da forma como escreveu tais palavras. O que pode acarretar essas ocorrências pode ser a pouca familiaridade dos alunos com o sistema de escrita e a deficiência no processo de ensino-aprendizagem das convenções ortográficas, além de não ser descartada, nesses casos, a falta de hábito de revisão e leitura do próprio texto e o traçado das letras. É válido ressaltar que a grafia verificada nas ocorrências desse tipo gera mudança de significado, alterando completamente o sentido pretendido. É o caso das construções que podemos visualizar a seguir:

Tabela 2 - Tipo 2: Explicação do processo fonético-fonológico vs. fala do aluno Partiga (partida) Escapameto (escapamento) Tabém (também)

Filha (fila) Bincamos (brincamos)

Coner (comer) Cassa (casa)

Ebora (embora) Quado (quando)

Aguma (alguma) Allomotivo (altomotivo)

Agete (a gente) Bate (bateu)

Briquedo (brinquedo) Degital (digital)

Traquila (tranquila) Direto (direito)

Anigo (amigo) Prina (prima)

Lipado (limpando) Retaurate (restaurante) Finamente (finalmente) Empurarar (empurrar)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Os desvios apresentados na tabela seguinte também não puderam ser considerados como interferência da fala na escrita, mas demonstram a pouca familiaridade dos alunos com a

modalidade escrita. Muitas trocas e supressões de letras acarretam construções com formas morfológicas diferentes que dificultam o entendimento e geram construções que não pertencem ao vocabulário da língua portuguesa. Optamos, por isso, em atribuir a essas ocorrências o status de outros casos:

Tabela 3 – Tipo 3: Outros casos de grafia desviante

Fii (fui) Engração (engraçado) Orra (hora)

Esfrido11 Agando (andando) Apais (após)

Niha (minha) Mois (nós) Rou (roupa)

Caregeu (carreguei) Avagar (devagar) Lalacha (bolacha) Estarassa (estourasse) Camisondo (começando) thalalar (trabalhar)

Sorinha (sozinha) Xugui (cheguei) Postiu (partiu)

Briqudo (brinquedo) Traqulos (tranquilos) Arrundo (arrumando)

Enjodo (enjoado) Qure (queria) Merhulem (mergulhei)

Caranha (caramba) Mome (nome)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Apenas duas ocorrências de desvios como os que apontam a “diferença ortográfica do sufixo número pessoal da terceira pessoa do plural /ãw/, que é grafado “ão” quando é tônico e “am” quando é átono” (BOTONI-RICARDO, 2005, p.54) foram encontrados nas produções analisadas.

Seguindo a classificação dos desvios encontrados, obtivemos um total de 194 desvios do chamado Tipo 4, composto de desvios provenientes da transcrição dos hábitos da fala para a escrita. Nesse grupo os alunos escrevem como pronunciam as palavras, como é possível verificar com as ocorrências de “imbora”, “treno”, “garupera”, dentre outras.

Os desvios que consideramos do Tipo 4, estão relacionados à dificuldade de separação entre fala e escrita, o que acarreta a transposição de hábitos da fala para a grafia, fazendo com que o aluno escreva exatamente como fala, como por exemplo, “colera” no lugar de coleira e

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“boua” em vez de boa. Como podemos observar no gráfico 8, essa categoria de desvios (Tipo 4 – Transposição da fala para a escrita) foi a que apresentou maior recorrência nas produções escritas analisadas, ou seja, há a influência da oralidade e da variedade linguística na escrita dos alunos do sexto ano do Ensino Fundamental, no contexto pesquisado. Para analisar esses desvios, foi necessário levar em consideração as regras fonológicas que motivaram tais ocorrências, uma vez que

Quando lidamos com alunos que têm acesso muito limitado à norma culta em seu ambiente social, temos de levar em conta a interferência das regras fonológicas e morfossintáticas de seu dialeto de aprendizagem do português padrão. Os “erros” que cometem são sistemáticos e previsíveis quando são conhecidas as características do dialeto em questão. (BORTONI-RICARDO, 200, p. 53).

Assim, os desvios pertencentes à categoria descrita aqui como Tipo 4 foram classificados mediante sua motivação fonético-fonológica, assim como influência sociolinguística que motiva tais desvios.

Segundo Bortoni-Ricardo (2005), para esse tipo de classificação, que envolve a transposição de hábitos da fala para a escrita, é de suma importância investigar o perfil sociolinguístico dos alunos, pois fatores linguísticos e extralinguísticos podem influenciar na utilização ou não das regras fonológicas que vão culminar na ocorrência dos desvios desse tipo.

A partir da constatação da preponderância dos desvios ortográficos provenientes da transcrição dos hábitos da fala para a escrita, realizamos uma análise quantitativa e qualitativa dos dados obtidos, no âmbito dos processos fonético-fonológicos que norteiam tais desvios ortográficos. Cabe relembrar, como já mencionado, que a influência da fala na escrita não se dá de forma aleatória, conforme afirma Cagliari (2009, p. 53), visto que os “erros cometidos pelos alunos revelam uma reflexão sobre os usos linguísticos da escrita e da fala”, desse modo quando o aluno realiza uma construção como “veiz”, associada ao modo como pronuncia, baseia-se à forma fonética para realizar a escrita ortográfica, motivado por um processo fonético-fonológico específico, que pode ser variável ou não.

Diante disso, ao analisar as 194 ocorrências de desvios ortográficos do tipo 4, presentes nos textos escritos pelos alunos, constatamos que os desvios cometidos foram norteados por diferentes processos fonéticos-fonológicos, Vejamos:

Tabela 4 - Hipossegmentação Domel (do meu)

Eugostei (eu gostei) Vaitratar (vai tratar)

Lafora (lá fora) Começoi (começou e)

Donada (do nada) Buzioa (buzinou a)

Oque( O que) Pofavor ( por favor ) Umpoco (Um pouco)

Comfé (Com fé) Deu (de eu)

Praminha (para a minha) Jogarbola ( jogar bola)

Ganheio (ganhei o) Prala (para lá)

Iai ( E aí)

Derepente ( De repente) Derrepente ( De repente)

Comedo ( Com medo) Agente ( a gente) Indeus ( Em Deus) Nodomingo ( No domingo)

Natarrefa (Na tarefa) Ssona (só na)

Pro (Para o) Denos (De nós) Pufavor (Por favor)

Acaza ( A casa) Euma ( E uma)

Pela (para ela) Eai ( E aí) Encima ( Em cima) Ifrente ( Em frente) Fonte: Das Autoras, 2017

Além da hipossegmentação, encontramos, ainda, a hipersegmentação, como podemos perceber na tabela seguinte:

Tabela 5 - Hipersegmentação

Em bora ( Embora) Até que fim é ( Ate que enfim)

Com nosco (Conosco) E u ( Eu)

Em baixo (embaixo) Um ma (uma)

Piguis comde (Pique esconde)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

A regra para reestruturação silábica que ocorre na fronteira das palavras fonológicas e que ocasiona o desvio ortográfico da hipossegmentação ocasiona a ressilabificação decorrente do fenômeno fonolôgico sandi, que vai acarretar a transformação de estruturas silábicas causadas, em geral, pela queda de vogais que “se aplica em formas justapostas e tem como motivação ajuntar ou agregar formas adjacentes” (SILVA, 2015, p. 198).

Para Bortoni-Ricardo (2005), é complicado para o aluno que não estabeleceu a relação entre fala e escrita a diferenciação entre vocábulo fonológico e vocábulo mórfico, o que gera a grafia hipossegmentada das palavras em um único vocábulo formal, podendo ocorrer o processo inverso por motivações prosódicas, os alunos não reconhecem os limites gráficos das palavras e as hipersegmentam.

Tabela 6 - Monotongação

Fejoada (feijoada) Pergunto (perguntou) Pedalera (pedaleira) Colera (coleira) Garupera (garupeira) Cachoera (cachoeira)

Treno (treino) Disparo (disparou

Chego (chegou) Empino (empinou

Bejo (beijo) Brinco (brincou)

Dinhero (dinheiro) Bachei (baixei) Poquinho (pouquinho) Chogue (joguei)

Umpoco (um pouco) Vei (veio)

Num (não) Te do (lhe dou )

Estuque (Estuquei) Fera (feira)

Cuxilo (cochilou) Ti (tio)

Losa (louça) Negosso (negócio)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Foi bastante produtiva a ocorrência desse tipo de processo fonético-fonológico na escrita dos alunos, demonstrando como a oralidade é marcada na escrita. Desvios desse tipo são classificados por Bortoni-Ricardo (2005) como indicadores de variedades sociais, podendo ocorrer com mais frequência em registros não monitorados em todas as regiões do país.

Nos textos analisados, encontramos alguns casos em que os alunos escrevem marcando o processo fonético-fonológico da ditongação, no qual há a inserção de uma semi-vogal (glide) após uma vogal.

Tabela 07 - Ditongação Apois (após) Boua (boa)

Nois (nós) Bão (bom)

Atraiz (atrás) Aseleirou (acelerou) Veiz (vez)

No português brasileiro (PB), esse fenômeno é variável, conforme Silva (2015), e pode ocorrer em alguns dialetos, geralmente em vogais tônicas em final de palavra ou em vogais tônicas seguidas de consoantes palatais.

Outros processos recorrentemente grafados nos textos analisados foram o alçamento das vogais pré e postônicas e a harmonia vocálica, como é possível perceber nas tabelas 08 e 09.

Tabela 8 - Alçamento

Vumitei (vomitei) Catu (cato) Au (ao)

Almusar (almoçar) Munitor (monitor) Recentimente (recentemente) Imbora (embora) Istranhei (estranhei) Insinei (ensinei)

Muida (moída) Escureguei (escorreguei) Conciguimos (conseguimos) Discontaram (descontaram) Durmir (dormir) Indeus (Em Deus)

Nu (no) Si (se) Burracha (Borracha)

Us (os) Trupiquei (tropecei) Di (dei)

Pufavor (por favor) Cheguu (chego) Tavo (estava)

Du (do) Di (de) Club (clube)

Muntamos (montamos)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Tabela 09: Harmonia Vocálica

Filis (feliz) Hipilético (Epilético) Bichiga (bexiga) Pigui pega (Pique-Pega)

Pigui gelo (pique-gelo) Piquiniqui (piquenique)

Piguis comde (pique- esconde) Pigui fruta (Pique-fruta) Ifrente (em frente) Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

O alçamento e a harmonia vocálica são um processo de assimilação de traços que consiste na neutralização das vogais. Segundo Silva (2014, p. 49):

No contexto postônico, o alçamento é sistemático e presente em praticamente todas as variedades do português brasileiro. O alçamento também pode ocorrer em posição pretônica. Alguns estudos do português brasileiro indicam que o alçamento de vogais médias pretônicas é regulado socialmente, por parâmetros sociolinguísticos, combinados com princípios de harmonia vocálica. (SILVA, 2015, p. 49).

Portanto, é natural a recorrência desses fenômenos na escrita dos alunos do sexto ano, que estão construindo suas hipóteses de escrita ainda baseadas na forma como pronunciam as palavras.

Outros processos encontrados, ilustrados nas tabelas 10 e 11, indicam processos que envolvem os traços sonoros e não sonoros. Esses casos foram frequentes nas produções de alunos específicos. Tabela 10 - Vozeamento Vinal (final) Vomos (fomos) Voi (foi) Vicar (ficar) Vicou (ficou)

Pigui fruta (pique-fruta) Piguis comde (pique-fruta)

Pigui pega (pique-pega) Pigui gelo (pique-gelo) Guando (quando) Vui (fui) Agui (aqui) Emquando (enquanto) Vicamos (ficamos) Figo (fico) Azim (assim) Convete (confete) Zabado (sábado)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Tabela 11 - Desvozeamento Craças (graças) Chogando (jogando) Sombassão (zombação) Fautamo (voltamos) Chogue (joguei)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Os processos de vozeamento e desvozeamento se dão por assimilação de traços sonoros e surdos da vogal que segue as consoantes oclusivas, fricativas ou africadas. Nesses processos, o aluno não consegue distinguir os traços mais sonoros dos menos sonoros no momento da realização da sua hipótese de escrita. Isso faz com que cometa esse tipo de desvio.

Tabela 12 - Assimilação e degeminação do /nd/ Andano (andando)

Correno (correndo) Chegano (chegando)

Gritano (gritando) Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Muito comum na fala, a degeminação do /nd/, quando dois sons se tornam um por assimilação, não foi muito proeminente nos textos analisados, demonstrando que os alunos já consolidaram o aprendizado a respeito dessa hipótese de escrita, fazendo a separação entre o que pertence ao campo da fala e ao campo da escrita referente a este tipo de fenômeno fonológico.

Ao analisar os textos, encontramos muitos casos de apagamento, dentre eles o apagamento do r em posição final. Esse processo fonético-fonológico é caracterizado pelo cancelamento de um segmento consonantal ou vocálico, segundo Silva (2015).

Tabela 13 - Apagamento do r final Formas verbais Substantivos/adjetivos

Morre (morrer) Compra (comprar) Ri (rir) Fica (ficar) Mora (morar) Volta (voltar) Perde (perder) Ama (amar) Espera (esperar) Dormi (dormir) Tenta (tentar) Te (ter) Celula (celular) Melho (melhor) Luga (lugar)

O apagamento do r em posição final, principalmente nas formas verbais, é muito comum no português brasileiro, em situações não monitoradas, sendo bastante produtivo o seu uso em todas as variedades do PB, por isso sua ocorrência já não é tão estigmatizada na fala, conforme afirma Bortoni-Ricardo (2005).

Outros casos de apagamento foram identificados, como o do som nasal, juntamente com o alçamento da vogal /a/-/o/, o que gerou as construções “Comero”, “Chegaro”, e “casaro”, fator que aponta a interferência da oralidade e a desnazalização praticada pelos alunos no momento da escrita.

Tabela 14 - Nasalização e desnasalização Tau (tão)

Viaje (viagem) Irma (irmã)

Muinto (muito) Camisente (camisete)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Segundo Hora (2009, p. 42), em estudos realizados no âmbito da nasalidade, “há momentos em que ela é realizada e há momentos em que ela é apagada. Em geral, seu apagamento não é muito produtivo, sendo restrito aos itens lexicais com a terminações –em e – am”. Seu estudo mostra que há fatores que condicionam a desnasalização como a proeminência acentual na penúltima sílaba, sendo que o traço nasal se mantém de acordo com a tonicidade do contexto fonológico.

No caso dos desvios como “casaro”, Hora (2009) esclarece que, devido à terminação –am pertencer restritamente aos verbos, nos quais há frequentemente o apagamento da consoante final, há aí um condicionamento na elevação da vogal baixa, por isso a transformação da forma verbal em casaram para “casaro”.

Outros processos de apagamento ou supressão foram identificados no decorrer da análise dos desvios. Esses processos são considerados de estruturação ou reestruturação silábica, pois envolvem o apagamento, a queda de um segmento, seja ele uma vogal, uma consoante ou uma sílaba inteira.

Tabela 15 - Apagamento ou supressão - estruturação silábica Teve (tivemos) Tavo (estava) To (estou) Tava (estava) Ta(está) Rancamdo (arrancando) Tabalhando (trabalhando) Dento (dentro) Pra (para) Acodei (acordei) Muxo (murcho) Tropelou (atropelou) Dou (doou) Comsamos (começamos) Brigado (obrigado) Ganhamos (ganharmos) Lega (legal)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Mais uma vez os alunos demonstram, ao escreverem da maneira como pronunciam, as regras fonológicas que motivam suas hipóteses de grafia, desconsiderando as convenções do sistema ortográfico e as relações entre fala e escrita.

O apagamento que ocasiona alteração ou supressão do sufixo número-pessoal não foi muito produtivo nos textos analisados, sendo encontradas apenas três ocorrências: “Fomo”, “compramo” e “levamo”, assim como o apagamento da lateral /l/ em posição medial, que pode ser percebida nas ocorrências como “cocha” e “utimo”.

Já a semivocalização da lateral /l/ foi bem recorrente nas produções escritas analisadas.

Tabela 16 - Semivocalização Vouta (volta) Voutaram (voltaram) Voutei (voltei) Voutamos (voltamos) Voutar (voltar) Aumoçar (almoçar) Soutou (soltou) Causa (calça) Descauso (descalço) Pasteu (pastel) Aumoço (almoço) Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Esse processo é bastante comum na escrita, segundo Hora (2009). Ele afirma que semivocalização se dá com mais frequência em posição final pelo fato de que na nossa língua

termos outras formas com a escrita semivocalizada, como degrau e véu. Então, os alunos fazem uma analogia.

No processo de escrita com base na fala, os alunos também fazem inserções, que podem ocorrer em posição inicial, medial ou no final dos vocábulos, como podemos verificar na tabela seguinte: Tabela 17 - Inserção Aprendir (aprendi) Iriarmos (iríamos) Gool (gol) Laros (arroz) Parar (para) Peneu (pneu) Alevou (levou) Querias (queria) Formos( fomos)

Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017

Algumas formas, como “alevou” e “aprendir”, segundo Bortoni-Ricardo (2005), pertencem à categoria de desvios decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis descontínuas, provenientes de variedades submetidas à avaliação negativa e ao estigma social, assim como casos de abaixamento que foram possíveis constatar. Nas produções textuais analisadas, encontramos os seguintes casos de abaixamento: “posemos” (pusemos); “rogir”(rugir); “pelícola” (película); “responde” (respondi) e “marumbi” (Morumbi).

Nas produções analisadas encontramos apenas um caso de troca do r pelo l, caracterizando um rotacismo, com a escrita da palavra “Cabeleleiro” (cabelereiro); um caso de assimilação, no qual o aluno escreve “familha” (família); outro de despalatalização da palatal nasal, com a grafia da palavra “vihemos” (viemos); um de comutação, com a palavra “pedreste” (pedestre); e um de posteriorização, com a construção de “divesti” (divertir). Também houve uma ocorrência de hipercorreção com a palavra “Chegol” (chegou).

Com as ocorrências apresentadas nos textos dos alunos do sexto ano, foi possível verificar que, ao realizar suas produções escritas, os discentes cometem desvios motivados por processos fonético-fonológicos que regulam as realizações da modalidade falada da língua e também desvios que demonstram o conhecimento insuficiente acerca das convenções que regem o sistema de escrita, sobretudo sobre as regras do sistema ortográfico.

Os desvios ortográficos cometidos, são em sua maioria, os que se enquadram na categoria de desvios decorrentes da interferência de hábitos da fala para a escrita (o que chamamos de Tipo 4) e, nesse sentido, alguns processos fonético-fonológicos também foram mais proeminentes que outros na transposição para a escrita dos alunos.

Nossos dados apontaram como fenômenos fonético-fonológicos mais recorrentes: a hipo e hipersegmentação, a monotongação, o alçamento e a harmonia vocálica e o apagamento tanto do r em posição final e de outros segmentos, sejam vocálicos, consonantais ou silábicos. Essa análise dos desvios ortográficos favoreceu, ainda, o levantamento do perfil sociolinguístico dos alunos e, assim, subsidia a construção de um material didático adequado à sua realidade e às suas necessidades.

Dessa forma, os resultados obtidos nessa subseção auxiliam, junto com as respostas que