• Nenhum resultado encontrado

4. PECULIARIDADES DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS 1 INTRODUÇÃO

4.4 A AÇÃO COLETIVA PARA A DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

4.4.4 Liberdade de Adesão do Titular do Direito Individual

Trata-se de característica própria da ação coletiva do direito brasileiro que, neste particular, se diferencia do modelo norte-americano. Na class action for damages do direito norte-americano, uma vez aceita a ação coletiva pelo juiz, os possíveis titulares dos direitos subjetivos individuais são dela notificados de maneira mais eficaz permitida pelas circunstâncias do caso. Feito isso, vigora o critério do opt out, a saber, os que deixaram de optar pela exclusão serão automaticamente abrangidos pela coisa julgada, dispensada a anuência expressa240.

O legislador brasileiro optou por solução diversa, qual seja, o princípio da integral liberdade de adesão ou não ao processo coletivo, que em caso positivo deve ser expressa e inequívoca por parte do titular do direito. Compreende-se nessa liberdade de adesão: 1º) a liberdade de litisconsorciar-se ou não ao substituto processual autor da ação coletiva; 2º) a liberdade de promover ou de prosseguir a ação individual, simultânea à ação coletiva, e,

238 ZAVASCKY. Teori Albino, op. cit., p. 181. 239 Id. Ibid., p. 169.

finalmente; 3º) a liberdade de executar, ou não, em seu favor, a sentença de procedência resultante da ação coletiva.

Estabelece o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor que, proposta ação coletiva, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Ademais, o artigo 103, dispõe que nas ações coletivas de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada será erga

omnes tão somente no caso de procedência do pedido, sendo que, em caso de improcedência, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

No tocante às ações individuais propostas em data anterior, estabelece o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor que as ações coletivas não induzem litispendência; todavia, os efeitos da coisa julgada erga omnes decorrentes da sentença de procedência nelas proferidas não beneficiarão os autores das ações individuais, caso não seja requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento de ação coletiva.

No que se refere à sentença de procedência, a sua execução (cumprimento) em favor do respectivo titular individual dependerá sempre de sua iniciativa (artigo 97), inclusive quando se tratar de ação coletiva (artigo 98), posto que dependerá de expressa concordância do titular individual do direito homogêneo.

Deste conjunto normativo resta evidente que o titular de direito subjetivo individual que não aderir à ação coletiva está imune a qualquer conseqüência desfavorável à sua situação jurídica. Ao assim proceder correrá menos riscos do que se optar pela adesão. Se aderir, poderá ter voltados contra si os efeitos da coisa julgada decorrentes da eventual sentença de improcedência da ação coletiva. Se não aderir, terá em seu benefício a sentença de procedência que nela vier a ser proferida. Esse benefício somente lhe será negado caso, além de não aderir, prefira dar continuidade, desde logo, à sua demanda individual paralela, hipótese em que estará vinculado a sentença nela proferida.

A liberdade de vinculação assegurada ao titular do direito material no direito brasileiro realça a natureza dos direitos individuais homogêneos que em regra são tutelados em juízo pelos seus próprios titulares. A tutela coletiva, assim, resulta não de contingência imposta pela

natureza do direito tutelado, mas sim de política legislativa, na busca de mecanismos que potencializem a eficácia da prestação jurisdicional241.

4.4.5 Litispendência

Tecnicamente, o estudo da litispendência no âmbito das ações coletivas envolve duas vertentes: a primeira relaciona-se com a verificação da litispendência entre a ação coletiva e a ação individual que verse sobre direito que esteja vinculado à primeira. A segunda diz respeito à determinação da litispendência entre ações coletivas, ainda que de espécies diversas.

O artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor consagra duas regras com objetos distintos. A primeira afasta categoricamente a litispendência entre ações coletivas e ações individuais. A segunda disciplina a extensão dos efeitos da coisa julgada material havida no processo coletivo ao interessado que ajuizou ação buscando a reparação de lesão ao seu direito individual242.

No primeiro caso, a justificativa para a inexistência de litispendência é que ação coletiva, em tese, não substitui a ação individual, não esgota seu objeto, nem possibilita, por si só, a obtenção total dos mesmos resultados que poderiam ser obtidos mediante a ação individual. Com efeito, na ação individual, a cognição é completa sob o aspecto horizontal, envolvendo todos os pontos do direito material controvertido, inclusive os pertinentes à específica relação obrigacional de que é titular o demandante; na ação coletiva, todavia, o âmbito cognitivo é restrito ao núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados.

Desta maneira, pode haver identidade quanto às partes e quanto à causa de pedir, o pedido, porém, é diverso. O que pode haver, desta feita, é conexão de ações, nos moldes do artigo 103 do Código de Processo Civil, a determinar, na medida do possível, o processamento conjunto, no juízo da ação coletiva, de todas as ações individuais, anteriores ou supervenientes243.

Por seu turno, no tocante à litispendência entre ações coletivas, é a identidade do pedido, de causa de pedir e de substituídos processuais que revela a repetição da mesma ação coletiva, apesar de as partes ativas formais serem diferentes.

241 ZAVASCKY. Teori Albino, op. cit., p. 177.

242 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o código

de defesa do consumidor e os anteprojetos do código brasileiro de processos coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 196.

Postas estas premissas, insta salientar que dispõe o Código de Defesa do Consumidor que, havendo concomitância entre ação coletiva e ação individual, o autor da demanda individual, caso queira beneficiar-se da decisão da ação coletiva, deverá requerer a suspensão de sua demanda no prazo de 30 dias contados a partir da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

A esse respeito, leciona Ada Pellegrini Grinover:

...se o autor preferir, poderá requerer a suspensão do processo individual no prazo de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Nesse caso, ele se beneficiará da coisa julgada que vier a se formar na ação coletiva. Sendo improcedente, o processo individual retomará seu curso, tudo de acordo com os critérios da extensão subjetiva do julgado secundum eventum litis adotado pelo Código244.

Contudo, caso não se tenha pedido a suspensão da ação individual, não se poderá aproveitar do resultado da sentença coletiva.

Como visto, é possível a existência de litispendência entre ações coletivas, haja vista que, a despeito dos legitimados serem diversos, mas tendo em vista a idêntica função que exercem no processo, bem como o mesmo conflito de interesses levado a juízo e com fundamento na mesma causa de pedir, daí se falar em litispendência entre ações coletivas, desde que em defesa do mesmo direito, nos mesmos moldes do disposto no artigo 30 do Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero - América245.