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2.1 A IGREJA E A IMPRENSA CATÓLICA

2.2 A IMPRENSA NA REGIÃO COLONIAL ITALIANA DO RIO GRANDE DO SUL

2.2.2 LA LIBERTÀ E SEU PROGRAMA

O primeiro número de La Libertà foi publicado em 13 de fevereiro de 1909. O jornal era de propriedade do padre palotino Carmine Fasulo, então pároco de Caxias do Sul. Com tipografia própria, esta era a segunda tentativa de implantar um jornal católico na região e novamente na cidade de Caxias. Fasulo tinha consciência das dificuldades que enfrentaria e convidava o clero a apoiar a sua iniciativa; além disso, definia seu jornal como único italiano e

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francamente católico da diocese. A folha tinha publicação semanal, circulando às terças-feiras e sendo composta por quatro páginas. Os primeiros números eram dedicados a justificar a publicação, expor os seus objetivos, especificar o seu programa. Trazia em primeira página a sua orientação editorial, com um lembrete, alertando a seus colaboradores de que não aceitaria escritos contrários ao seu espírito.

La Libertà aspira à suprema autoridade eclesiástica diocesana, saindo hoje pela

primeira vez na arena jornalística.

Tendo em vista as normas seguidas por aqueles que nos precederam, cumprimos o dever de manifestar neste primeiro número qual será o programa por nós proposto a desenvolver e o diremos em poucas palavras.

O nosso jornal será semanal de índole essencialmente católica, apostólica, romana, será papal no mais estrito sentido da palavra. Nós não sabemos conceber um jornal católico sem que seja papal. Para um verdadeiro católico, depois de Deus, o Papa é tudo.

La Libertà fará seu não só o comando mas os mesmos desejos do Romano

Pontífice.

Nós não entendemos e não queremos iludir ninguém. La Libertà nasce católico e viverá católico e se um dia devesse morrer o último suspiro será consagrado ao augusto vigilante do Vaticano, lugar tenente de Cristo na Terra.

La Libertà poderá morrer, mas Deus não morre.

Com isso não se deve entender que o nosso jornal tratará exclusivamente de assuntos religiosos. Nós levaremos aos nossos egrégios leitores tudo o que os possa interessar também do lado material.

Portanto trataremos de agricultura, indústria, higiene e também um pouco de medicina prática, tudo coisas que consideramos não só úteis mas também necessárias ao desenvolvimento da vida social.

La Libertà será rico em notícias mundiais e mais especialmente da Itália e deste

Estado do Rio Grande do Sul.

Com amor à religião entendemos consolidar nos nossos leitores o amor à pátria de origem e esta de adoção, convictos como somos que um bom católico será sempre um ótimo cidadão. Não foi ensinado pelo próprio Jesus Cristo a dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus?

Se pode pois declarar que La Libertà querendo ser tal não só de nome mas de fato, será decisivamente alheio à política partidária. [...]

Atingiremos nossos objetivos? Não sabemos. Aquilo que podemos dizer, porém, se é que, dada a santidade dos fins a que estamos propostos, possamos esperar encontrar, especialmente da parte dos católicos, a generosa correspondência ao qual se devem aos homens de boa vontade.

Se tanto obtivermos, até agora podemos afirmar que a nossa modesta Libertà é reservada a glória de um longo porvir, glória que deverá redundar em honra das opiniões que haveremos extenuamente de justificar no atual e presente programa inspirado no daquele do reinante pontífice: instaurare omnia in Cristo.237

A liberdade é entendida apenas como liberdade em Cristo e, como sua palavra emana da suprema autoridade de Roma, é nela que o jornal se apoiará. O espírito moderno estava impregnado da idéia de destruir a palavra santa, pois no mundo predominava uma só política, ou

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seja, a de “guerrear a fé católica e seus defensores”. Essas forças desagregadoras procuravam lançar a ruína sobre a obra cristã - combater esse mal era a função da boa imprensa.238

A dita verdade da imprensa ímpia não passava de um arrazoado de opiniões desmentidas de um dia para o outro. Os impostores de uma sociedade “amodernada” iludiam a “turba servil” que se julgava portadora de idéias liberais e respeitadoras da dignidade humana. No entanto, a verdade é somente a eterna palavra de Cristo, o Verbo feito homem que surgira para sujeitar os “déspotas cruéis” que esfaimaram os povos e os reduziram à última das misérias. A liberdade pregada pelos que se julgavam esclarecidos levava o homem ao caminho do crime, e a toda uma “corrente abjeta de paixões.” O progresso e a riqueza traziam ao homem o luxo arrastando-o à “sentina fétida de todos os vícios”. A Modernidade andava lado a lado com a corrupção moral e, tal qual a decadência da antiga Roma, assim também se comparavam os tempos atuais em que vivia a Cidade Eterna,

chegando a um estado, uma cidade ao auge da riqueza, desenvolvem-se a efeminação e a moleza, o luxo domina, as virtudes emigram, corrompem-se os costumes, as paixões conflagram violentas: por fim a peste, a guerra, os terremotos devastam esse país, reduzem a ruínas esta cidade239

A História já não seguia o caminho redentor proposto por Cristo. A Modernidade era encarada sob um ângulo de decadência da raça humana. Cabe, aqui, uma indagação, nesse sentido: qual é missão mais nobre do que tentar salvá-la? Esse era o papel boa imprensa que - combatendo aos “jacobinos e aos livres pensadores” e sustentada por aqueles que, vendo a luz, resolveram “abrir seu coração e sua bolsa” – desfraldava a sua bandeira de guerra em prol de um jornalismo que defendesse a verdade, a liberdade e destruísse com “prudentes e cerradas polêmicas os preconceitos e os erros”, apontando para os “mentirosos e empíricos”, ao tirar a máscara “lisonjeira de que se revestem certas cabeças ocas, verdadeiros exploradores do povo”. A um jornal de verdade não seria dado o espaço para “as notícias chulas, as histórias escandalosas e os dramas lamentáveis”, pois o “jornalista honrado não se vende a partidos e não pode abrir vergonhosamente a mão para receber uma porção do prato de manteiga”.240

Estes eram os deveres dessa imprensa, isto é, não sucumbir ao mero jornalismo comercial, o qual exigia menos esforço intelectual do que os dividendos dos proprietários e acionistas, e que certamente, acarretava prejuízo à seriedade e ao caráter da empresa que, em seu 238 La Libertà, 20 fev. de 1909. 239 La Libertà, 27 fev. de 1909. 240 La Libertà, 17 abr. de 1909.

declive natural, disseminava mais “o lodo da vida do que a honra, mais o veneno do que as flores.”241

Por fim, surge a questão crucial: a relação entre Cristianismo e Pátria. Seguindo a argumentação, o conceito de Pátria surge primeiramente como patrimônio material, fruto da guerra e do egoísmo humano. “A Pátria era o solo do campo e das florestas, o depósito de minério, o porto, o rio, o lago”. Entretanto, o mero sentido material da conquista não dura muito e é sobreposto por um mais nobre, que é o sentimento de amor aos antepassados e aos deuses. Pátria ganha, aqui, um sentido sobrenatural, pois diz respeito não só a matéria mas também ao espírito. A herança da educação em família é que mantém a sobrevivência desse sentimento, visto que a Pátria torna-se uma extensão da família que universaliza o amor e une as fronteiras entre os povos. Unidos pelo sentimento fraternal, os povos se irmanam e lançam as pedras milenares do progresso humano.242

Desta maneira, a idéia que surge aqui é a de uma Pátria universal, “a Pátria do homem é o mundo”, “nós, cristãos, somos por um cosmopolitismo intenso”243, e o centro deste mundo cosmopolita era, claramente, a Itália e, especificamente, Roma. No entanto, o excessivo amor à pátria havia desvirtuado o seu sentido e dado margem ao egoísmo e às violências praticadas contra ela. A arrogância e a intolerância tornaram-se os qualificativos da nova ordem, surrupiando o centro vital da suposta pátria universal. Os acontecimentos de 1870 na Itália são o marco desses novos tempos.

Os anos 70 foram fatais para a Itália porque essa data é a data do ódio. Desde os 70 passaram anos de opressão para quem sustentava sua condição de crente. Aos que tinham fé, se viam fechadas as portas de empregos, dos cargos, das honras, mantidos como homens de natureza inferior à da humana. A opressão dura e mantida pela etiqueta de um partido liberal (a ironia do nome é significativa) que não sabe compreender a alma italiana e a qual dá cegamente ao povo cristão o mesmo tratamento dos circos romanos.244

O patriotismo do católico italiano era diverso daquele dos italianos oficiais. Os primeiros amavam a Itália das grandes figuras humanísticas como Verdi, Ticiano, Miguel Ângelo, Rafael; amavam a língua italiana que sonoramente espalhava a voz do Evangelho pelo mundo; a Itália que, em seu coração, vivia Pedro, o vigário de Cristo e que deveria continuar a sua missão de levar a civilidade para cada parte do mundo.245 Sem dúvida amar essa Itália, ainda 241 La Libertà, 22 mai. de 1909. 242 La Libertà, 08 mai. de 1909. 243 La Libertà, 29 mai. de 1909. 244 La Libertà, 15 mai. de 1919. 245

que aviltada pelos inimigos, era repetir o gesto mais sublime de toda a História da humanidade – isto é, aquele em que Cristo, embora traído e condenado à morte pelo seu povo, não o abandonava e não rogava a Deus que lhe imputasse o castigo divino, mas sim, pedia que lhes perdoassem, pois estes não sabiam o que estavam fazendo.246 Deste modo, Jesus não abandona o seu povo e morre fiel à sua Pátria.

Desta forma, o universalismo patriótico condensa-se na estirpe italiana, amar à Itália é amar o mundo, mas, sobretudo, amar à Itália católica é dar continuidade à sagrada missão de Cristo. Patriotismo e Cristianismo encontram-se, justificam-se um ao outro; para o jornal, os italianos eram o segundo povo eleito.

Carmine Fasulo, no entanto, não teria vida longa à frente do jornal: no mês de dezembro de 1909, abandonara a cidade devido aos mesmos motivos que haviam levado Pedro Nosadini de volta à Itália. Desta forma o jornal passa às mãos do padre João Fronchetti, pároco de Conde d’Eu que, juntamente com mais dois sócios, Adolfo Morreau e João Carlotto, adquire o maquinário, transferindo-o àquela localidade. Ali passa a publicar a folha, dedicando-se quase exclusivamente a esta tarefa, enquanto as funções ministeriais da paróquia eram executadas pelos capuchinhos, então auxiliares e apoiadores de Fronchetti. A mudança de direção acarretaria também a mudança de nome: La Libertà passaria a chamar-se já no mês de janeiro de 1910, Il

Colono Italiano, o mesmo nome da antiga publicação de 1898. A escolha do mesmo título era

significativa, pois o jornal propunha-se a divulgar as mesmas idéias reformistas, reafirmando os propósitos de ser “o amigo, conselheiro e defensor do colono”; define-se, ainda, francamente católico; atenderia religiosamente aos comandos das autoridades eclesiásticas e, conservar-se-ia plenamente livre e independente, pois seria decisivamente alheio à política partidária.247 A única questão a acrescentar ao programa era a de que, agora, além das notícias mundiais (basicamente italianas) e estaduais (somente as das colônias), seriam incluídas as do Vêneto e Tirol - isso se explicava pelo fato de que João Fronchetti tinha nacionalidade austríaca, ocupando, inclusive o cargo de vice-cônsul da Áustria na região.248

246 La Libertà, 05 jun. de 1909. 247 La Libertà, 15 jan. de 1910. 248

POSSAMAI, Paulo. Imprensa e italianidade: RS (1875-1937). In: DREHER, Martin Norberto (org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST, 2004. p. 579.