3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
3.6. Limitação da responsabilidade: multas tributárias
Uma vez definido o alcance da responsabilidade do artigo 133 do CTN em
relação aos tributos, importante adentrarmos à possibilidade de responsabilização
pelas multas punitivas eventualmente devidas pelo fundo de comércio ou
estabelecimento comercial adquiridos, que não tenham sido constituídas
(formalizadas) pela Autoridade Fiscal na data da referida aquisição.
Nos termos do próprio artigo 133 do CTN, a responsabilidade do sucessor seria
aplicável, em tese, apenas ao valor do “tributo” devido e, sendo razoável, aos juros e
eventuais multas moratórias decorrentes de atraso. Assim, não sendo estendida para
as multas punitivas eventualmente devidas pelo fundo de comércio ou
estabelecimento adquirido.
Diferenciando a multa punitiva da multa moratória, destacamos que a multa
moratória seria o acréscimo que o contribuinte (ou responsável) estará sujeito no caso
de atraso no pagamento. Ou seja, não há caráter punitivo na multa de mora, mas sim
indenizatório. Por outro lado, a multa punitiva pode ser tratada como uma sanção
subjetiva de caráter punitivo, decorrente da falta de recolhimento do tributo
(independente, por exemplo, do tempo decorrido).
Considerando essa diferenciação, por muitos anos o STF entendeu que as
multas punitivas impostas à sucedida não estariam incluídas na responsabilidade da
empresa sucessora, em razão de seu caráter sancionatório pessoal e subjetivo
72.
Exemplificando tal entendimento, vejamos o seguinte julgado
73:
ICMS. Multa Punitiva. Não responde por ela o sucessor no negócio. O
art. 133 do CTN responsabiliza solidariamente o sucessor do sujeito passivo pelos tributos que este não pagou, mas não autoriza a exigência de multas punitivas, que são de
responsabilidade pessoal do antecessor (CTN, art. 137. súmula n. 192). Esse art. 133 não comporta interpretação extensiva, que os arts. 106, 122, 134 e 137 do CTN, interpretados sistemática e analogicamente condenam. (Não destacado no original).
72 Nesse mesmo sentido: RE 76.153, RE 77.471, RE 83.514, RE 85.435, RE 85.511, RE 89.438 e RE
90.834.
73 Supremo Tribunal Federal. RE 77571/SP, Rel. Ministro Rodrigues Alckmin. Julgado em 04 de março
Aliás, exatamente nesse sentido entendia o Professor Ives Gandra da Silva
Martins
74, em meados de 2007:
(...) a responsabilidade sucessória, para o caso de alienação de fundo ou estabelecimento-empresa, é só por tributos, pois em face da doutrina e da jurisprudência do STF, a penalidade, QUE NÃO É TRIBUTO, conforme definição do art. 3º do CTN, não passa da figura do infrator para o inocente.
Entretanto, em que pese o entendimento histórico do STF favorável à tese dos
contribuintes, seguido por outros tribunais e parte da melhor doutrina (como
exemplificado), o tema nunca deixou de ser debatido. A manutenção desse debate faz
mais sentido ao considerarmos que o artigo 129 do CTN
75, de fato, permite a
interpretação de que a responsabilidade pelo “tributo”, previsto no artigo 133 do CTN,
aplicar-se-ia “por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em
curso de constituição à data dos atos nela referidos (...)”.
Diante desse cenário, o STJ, guardião das leis, se viu obrigado a reanalisar o
dispositivo sob o viés da legalidade. Inicialmente, a Segunda Turma do STJ, quando
do julgamento do Recurso Especial 959.389/RS
76, definiu que a multa (de mora ou
punitiva), aplicada antes da sucessão, poderia ser exigida da sucessora, haja vista
representar dívida pecuniária incorporada ao passivo da sucedida.
Pouco depois, ao interpretar o artigo 133 em julgamento sob o rito de recurso
representativo de controvérsia, o STJ definiu que a não aplicação das multas punitivas
ao sucessor se refere exclusivamente às multas não lançadas até a data da sucessão.
De acordo com essa interpretação, a multa aplicada antes da sucessão
incorporar-se-á ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, no
74 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Inteligência do artigo 133 do Código Tributário Nacional – Origem
do Dispositivo – evolução jurisprudencial e doutrinária – inaplicabilidade à hipótese consultada – Parecer. São Paulo: 2007. p. 60.
75 Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente
constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
76Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 959.389/RS, Rel. Min. Castro Meira. Julgado em 07 de maio de 2009, DJe 21 de maio de 2009.
caso, o adquirente do fundo de comércio. A esse respeito, vejamos o teor do referido
julgado da Primeira Seção do STJ
77:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. artigo 543-C, DO CPC. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO. SUCESSÃO DE EMPRESAS. ICMS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA OPERAÇÃO MERCANTIL. INCLUSÃO DE MERCADORIAS DADAS EM
BONIFICAÇÃO. DESCONTOS INCONDICIONAIS.
IMPOSSIBILIDADE. LC N.º 87/96. MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, NO RESP 1111156/SP, SOB O REGIME DO artigo 543-C DO CPC.
1. A responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos
tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. (Precedentes:
REsp 1085071/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 08/06/2009; REsp 959.389/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 21/05/2009; AgRg no REsp 1056302/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 13/05/2009; REsp 3.097/RS, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/10/1990, DJ 19/11/1990) 2. "(...) A hipótese de sucessão empresarial (fusão, cisão, incorporação), assim como nos casos de aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento comercial e, principalmente, nas configurações de sucessão por transformação do tipo societário (sociedade anônima transformando-se em sociedade por cotas de responsabilidade limitada, v.g.), em verdade, não encarta sucessão real, mas apenas legal. O sujeito passivo é a pessoa jurídica que continua total ou parcialmente a existir juridicamente sob outra "roupagem institucional". Portanto, a multa fiscal não se transfere, simplesmente continua a integrar o passivo da empresa que é: a) fusionada; b) incorporada; c) dividida pela cisão; d) adquirida; e) transformada. (Sacha Calmon Navarro Coelho, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense, 9ª ed., p. 701) (...).
Apesar do entendimento definido pelo STJ, parte da doutrina (como veremos a
seguir) manteve o entendimento de que as multas moratórias jamais poderiam ser
inseridas no conceito de tributo insculpido no artigo 3º do CTN como “toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
77 Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp 923.012/MG, Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 09
sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”.
Daniel Monteiro Peixoto
78, atendo-se à literalidade do artigo 3º do CTN, entende
que a “estratégia argumentativa, apresentada sob as vestes de redefinição” apenas
dão a entender que a norma não foi bem elaborada. Entretanto, ao agir desta maneira,
“com base em argumento sistemático, de modo corretivo às eventuais imperfeições
da regra”, estar-se-á, em última análise, reconstruindo a própria regra.
José Eduardo Soares de Melo
79, por seu turno, entende que “embora se possa
asseverar que a multa aplicada antes da sucessão teria de ser incorporada ao
patrimônio do contribuinte, a cobrança da mesma do sucessor carece de legitimidade”,
pois implicaria atribuir-lhe uma exigência não existente no conceito de tributo.
Diante desse cenário contestatório, e de modo a dirimir de uma vez o debate,
alguns anos depois o STJ editou a Súmula 554, com o seguinte teor:
Súmula 55480: Na hipótese de sucessão empresarial, a
responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.
Acatando o entendimento do STJ, o CARF também editou súmula, com efeito
vinculante, definindo o tema no âmbito administrativo federal:
Súmula CARF 11381: A responsabilidade tributária do sucessor
abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão, independentemente de esse crédito ser formalizado, por meio de lançamento de ofício, antes ou depois do evento sucessório.
78 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Responsabilidade Tributária e os atos de formação, administração,
reorganização e dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 484 e 485.
79 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário, 9ª edição, São Paulo: Editora Dialética,
2010. p. 285.
80 Superior Tribunal de Justiça. Súmula 554. Primeira Seção. Julgado em 09 de dezembro de 2015, DJ
15 de dezembro de 2015.
81 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Súmula 113. Aprovada em 03 de setembro de