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Limitação voluntária e estatuto do trabalhador

I - A pessoa que presta a sua atividade intelectual e/ou manual denomina-se trabalhador57. Aquele que tira proveito da atividade

dessa pessoa e paga, em consequência, a respetiva retribuição chama-se empregador. As duas partes podem assumir, variavelmente, posições jurídicas ativas e passivas, no quadro das relações de trabalho. A um e outro sujeito a lei associa um conjunto de direitos, deveres, ónus e sujeições jurídicas. Mas não apenas isto: em torno de cada um dos sujeitos da relação jurídico-laboral gravitam valores, concorrem princípios, acercam normas e posicionam-se institutos, seja de fonte interna, como de fonte internacional, a tal ponto que se poderá falar de um verdadeiro e próprio estatuto jurídico-laboral de cada um dos contraentes. Este

estatuto, como decorre da própria palavra, tem carácter duradouro,

pois, exprime-se em posições jurídicas tendencialmente estáveis.

57 Sobre a noção jurídica de trabalhador, ver MENEZES CORDEIRO, Manual de

Direito do Trabalho..., pp. 107 e segs; MONTEIRO FERNANDES, Direito do

Trabalho..., pp 189 e segs; Bernardo da Gama LOBO XAVIER, Curso de Direito do

Trabalho..., pp 315 e segs; PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho - Parte I

dogmática geral..., pp. 299 e segs, apresentando várias acepções do termo trabalhador.

concordância prática não se pode perder de vista os elementos já referidos: a faculdade de limitação voluntária por via contratual; o princípio in dubio pro libertatis, a reserva de ordem pública e os bons costumes.

2. Limitação voluntária e estatuto do trabalhador

I - A pessoa que presta a sua atividade intelectual e/ou manual denomina-se trabalhador57. Aquele que tira proveito da atividade

dessa pessoa e paga, em consequência, a respetiva retribuição chama-se empregador. As duas partes podem assumir, variavelmente, posições jurídicas ativas e passivas, no quadro das relações de trabalho. A um e outro sujeito a lei associa um conjunto de direitos, deveres, ónus e sujeições jurídicas. Mas não apenas isto: em torno de cada um dos sujeitos da relação jurídico-laboral gravitam valores, concorrem princípios, acercam normas e posicionam-se institutos, seja de fonte interna, como de fonte internacional, a tal ponto que se poderá falar de um verdadeiro e próprio estatuto jurídico-laboral de cada um dos contraentes. Este

estatuto, como decorre da própria palavra, tem carácter duradouro,

pois, exprime-se em posições jurídicas tendencialmente estáveis.

57 Sobre a noção jurídica de trabalhador, ver MENEZES CORDEIRO, Manual de

Direito do Trabalho..., pp. 107 e segs; MONTEIRO FERNANDES, Direito do

Trabalho..., pp 189 e segs; Bernardo da Gama LOBO XAVIER, Curso de Direito do

Trabalho..., pp 315 e segs; PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho - Parte I

dogmática geral..., pp. 299 e segs, apresentando várias acepções do termo trabalhador.

II - A Constituição da República escolheu a pessoa do trabalhador como elemento referencial para dar corpo a um e outro estatuto dos sujeitos da relação jurídico-laboral58: a pessoa do trabalhador é o

58 O estatuto constitucional do trabalhador é configurado como um estatuto

de direito, liberdade e garantia. Recorta-se a partir de um conjunto de preceitos constitucionais que impõem ao Estado deveres de ação e de abstenção e vincula igualmente todas as entidades públicas e privadas (artº. 18º da CR). Surge no quadro da chamada segunda geração dos direitos fundamentais. A primeira geração de direitos fundamentais seria representada por liberdades negativas, estabelecidas a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 e representaria limites negativos à ação do Estado na vida dos cidadãos, na sua liberdade, na sua integridade física e na sua propriedade (Cf. Ricardo LUIS LORENZETTI, Las normas fundamentales de derecho privado, Rubinzal – Culzoni editores, Argentina, 1995, pp. 112), ao passo que a segunda geração de direitos fundamentais já exprime liberdades positivas onde é exigível, não apenas um dever de abstenção da parte do Estado, na concretização de certos e determinados direitos fundamentais, mas sim um dever de atuação do Estado para a concretização de direitos tais como o direito ao trabalho, o direito à qualidade de vida, o direito à saúde. Esta segunda geração de direitos fundamentais é a chamada geração dos direitos económicos e sociais que “tem em vista grupos sociais, tais como velhos, trabalhadores, jovens e crianças” (Cf. Ricardo LUIS LORENZETTI, Las normas fundamentales de derecho privado, pp. 113). Fala-se ainda numa terceira e quarta geração de direitos fundamentais. A terceira geração

de direitos fundamentais, também chamada a geração do direito à qualidade de vida “surge como resposta ao problema da contaminação das liberdades fundamentais”- LORENZETTI, ob. loc. cit. “Os avanços tecnológicos colocam em risco a qualidade de vida, o ambiente, a liberdade informática, o consumo...”. Por isso, esta terceira geração de direitos inclui “a proteção do património histórico e cultural da humanidade, o direito à autodeterminação, a defesa do património genético” – LORENZETTI, pp 113. Seguiu-se-lhe uma quarta geração de direitos

fundamentais que tem sido igualmente apelidada de direito à diferença. Ela segue a concepção de base cristã-humanista que anunciou a pessoa sob a ideia de singularidade substancial irrepetível: cada pessoa constitui um ser único e irrepetível no que tem de essencial e característico que é o seu património individual. Por isso, cada pessoa tem o direito de exprimir e realizar a sua individualidade e o Direito deve tomar em consideração estas características individuais para assegurar a sua não adulteração e impedir discriminações fundadas nestas características individuais. A quarta geração dos direitos fundamentais atribui, assim, à individualidade um significado particular: associa-lhe um conjunto de direitos que resultam de um “processo de diferenciação do indivíduo em relação ao outro” (Cf. Ricardo LUIS LORENZETTI, Las normas fundamentales de

derecho privado, , pp. 112). É neste quadro que surgem direitos tais como a auto- determinação sexual (homosexualidade, mudança de sexo) e se coloca na ordem do dia a discussão em torno de questões como o aborto, a eutanásia, a ortotanásia, etc.

centro polarizador em torno do qual gravitam e para onde concorrem todas as soluções do sistema jurídico sobre o trabalho por conta alheia59.

Quem celebra um contrato de trabalho transporta, irremediavelmente, para a relação laboral todos os seus bens de personalidade. O modo como o trabalhador age e se interage com os demais companheiros do trabalho; o modo como reage ao ambiente de trabalho, à instrução dada pelo empregador ou por um superior hierárquico; o modo como as suas angústias, os seus medos, os seus projetos influenciam a sua relação com o trabalho… traz inseparável a sua personalidade historicamente construída, de acordo com o seu contexto social. O trabalhador não é, portanto, mais uma peça da engrenagem industrial que visa a obtenção de determinados resultados. É uma entidade substancial de natureza racional, e é como tal que deve ser apreendido na relação laboral.

A atividade do trabalhador não tem, pois, valor abstrato. Apresenta uma ligação indissolúvel com a pessoa que a realiza e essa pessoa, na sua essência, constitui uma unidade substancial dotada de singularidade. Por isso se diz que o contrato de trabalho tem carácter intuitu personae60.

III - Essencial no estatuto jurídico do trabalhador é o estado de sujeição a que o mesmo se coloca face ao empregador, por forma a

59 No dizer de António MONTEIRO FERNANDES, “o trabalhador é o personagem central na regulamentação das relações laborais” – Direito do Trabalho..., pp. 189.

60 A primeira característica da locatio conductio operarum apontada pelos romanistas é a personalidade da prestação do locador operarum que, segundo GUARINO, o obriga a prestar pessoalmente, sem a possibilidade de se fazer substituir por outrem, a atividade a que se obrigou pelo contrato. In Diritto Privato

centro polarizador em torno do qual gravitam e para onde concorrem todas as soluções do sistema jurídico sobre o trabalho por conta alheia59.

Quem celebra um contrato de trabalho transporta, irremediavelmente, para a relação laboral todos os seus bens de personalidade. O modo como o trabalhador age e se interage com os demais companheiros do trabalho; o modo como reage ao ambiente de trabalho, à instrução dada pelo empregador ou por um superior hierárquico; o modo como as suas angústias, os seus medos, os seus projetos influenciam a sua relação com o trabalho… traz inseparável a sua personalidade historicamente construída, de acordo com o seu contexto social. O trabalhador não é, portanto, mais uma peça da engrenagem industrial que visa a obtenção de determinados resultados. É uma entidade substancial de natureza racional, e é como tal que deve ser apreendido na relação laboral.

A atividade do trabalhador não tem, pois, valor abstrato. Apresenta uma ligação indissolúvel com a pessoa que a realiza e essa pessoa, na sua essência, constitui uma unidade substancial dotada de singularidade. Por isso se diz que o contrato de trabalho tem carácter intuitu personae60.

III - Essencial no estatuto jurídico do trabalhador é o estado de sujeição a que o mesmo se coloca face ao empregador, por forma a

59 No dizer de António MONTEIRO FERNANDES, “o trabalhador é o personagem central na regulamentação das relações laborais” – Direito do Trabalho..., pp. 189.

60 A primeira característica da locatio conductio operarum apontada pelos romanistas é a personalidade da prestação do locador operarum que, segundo GUARINO, o obriga a prestar pessoalmente, sem a possibilidade de se fazer substituir por outrem, a atividade a que se obrigou pelo contrato. In Diritto Privato

Romano… p. 935.

permitir a este fruir, de harmonia com os seus interesses, da atividade a que o mesmo se vinculou pelo contrato de trabalho. A subordinação jurídica manifesta-se em comportamentos de sujeição pessoal, para ajustar a atividade do trabalhador à realização de obra ou serviço a que se comprometeu, mas também na adaptação da vida pessoal e familiar do trabalhador às exigências do empregador ou da sua organização empresarial. Faz, portanto, um forte apelo à dignidade da pessoa humana.

IV - Do mesmo modo que as limitações voluntárias de um direito de personalidade são “revogáveis”, a todo o tempo (artº. 79º do Código Civil), permitindo-se ao sujeito libertar-se da vinculação livremente consentida, também no contrato de trabalho a lei reconhece ao trabalhador a faculdade de se auto desvincular, independentemente da invocação do motivo. Monteiro FERNANDES fala a este propósito da “recuperação da liberdade pessoal” do trabalhador61, fazendo assim apelo à sua recondução aos direitos de

personalidade.

A ideia está igualmente presente em MENEZES CORDEIRO que fala igualmente em “liberdade pessoal”, rematando que” ninguém pode ser obrigado a trabalhar contra a sua vontade”62. A similitude dos

dois regimes é, assim, por demais, evidente: do mesmo modo que qualquer pessoa pode esquivar-se a acatar as limitações voluntariamente consentidas no seu direito de personalidade, também o trabalhador pode em qualquer momento por termo à

61 Direito do Trabalho…, pp. 583.

relação laboral. Mesmo nas situações em que está vinculado a um prazo maior de pré-aviso, como seja nas situações de representação, direção ou autonomia técnica, pode usar dessa faculdade, indemnizando o empregador pelos eventuais prejuízos decorrentes da desvinculação, ocasionados à empresa (artº. 39º do Código Laboral). Esta norma completa a similitude com o regime dos direitos da personalidade. Neste particular, a regra é igualmente a da livre revogabilidade das limitações legais voluntariamente consentidas, sem prejuízo do dever indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte (artº. 79º nº 2)63.

3. (cont.) Limitação voluntária e vida privada do trabalhador

I – A determinação do comportamento devido pelo trabalhador suscita enorme complexidade quando se trata de avaliar factos da

vida privada do trabalhador.

A interferência da prestação devida com a vida privada do trabalhador surge de forma inextrincável. No tratamento do assunto, a jurisprudência encontra-se dividida e a doutrina também. A lei pouco pode adiantar a este respeito enquanto a doutrina não

63 Essa indemnização tem sido, por vezes, atribuída pelos tribunais. Cf. Ac. do STJ, de 19/02/1997, nos termos do qual “rescindido o contrato de trabalho sem observância do aviso prévio de 60 dias, o trabalhador constitui-se na obrigação de pagar à entidade patronal uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta (artigos 38 e 39 do Decreto- Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro)”. Esclarece este Acórdão que a entidade patronal não tem de deduzir pedido reconvencional, bastando-lhe excecionar a compensação, se pretende compensar crédito seu com crédito do autor dentro dos limites deste. Cf. Ainda Ac. do STJ de 3/07/96 e Ac. do STJ de 16/12/2000, entre outros. Sobre a rescisão com base na lei dos salários em atraso, cf. Ac. do STJ de 26/4/99 e de 23/03/2001, todos recolhidos em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

relação laboral. Mesmo nas situações em que está vinculado a um prazo maior de pré-aviso, como seja nas situações de representação, direção ou autonomia técnica, pode usar dessa faculdade, indemnizando o empregador pelos eventuais prejuízos decorrentes da desvinculação, ocasionados à empresa (artº. 39º do Código Laboral). Esta norma completa a similitude com o regime dos direitos da personalidade. Neste particular, a regra é igualmente a da livre revogabilidade das limitações legais voluntariamente consentidas, sem prejuízo do dever indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte (artº. 79º nº 2)63.

3. (cont.) Limitação voluntária e vida privada do trabalhador

I – A determinação do comportamento devido pelo trabalhador suscita enorme complexidade quando se trata de avaliar factos da

vida privada do trabalhador.

A interferência da prestação devida com a vida privada do trabalhador surge de forma inextrincável. No tratamento do assunto, a jurisprudência encontra-se dividida e a doutrina também. A lei pouco pode adiantar a este respeito enquanto a doutrina não

63 Essa indemnização tem sido, por vezes, atribuída pelos tribunais. Cf. Ac. do STJ, de 19/02/1997, nos termos do qual “rescindido o contrato de trabalho sem observância do aviso prévio de 60 dias, o trabalhador constitui-se na obrigação de pagar à entidade patronal uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta (artigos 38 e 39 do Decreto- Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro)”. Esclarece este Acórdão que a entidade patronal não tem de deduzir pedido reconvencional, bastando-lhe excecionar a compensação, se pretende compensar crédito seu com crédito do autor dentro dos limites deste. Cf. Ainda Ac. do STJ de 3/07/96 e Ac. do STJ de 16/12/2000, entre outros. Sobre a rescisão com base na lei dos salários em atraso, cf. Ac. do STJ de 26/4/99 e de 23/03/2001, todos recolhidos em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

desbravar o terreno. Algumas decisões jurisprudenciais têm entendido que quando o facto da vida privada do trabalhador, pelas suas repercussões, envolver reflexos prejudiciais na relação do trabalho, pode constituir justa causa de despedimento64. Um

Acórdão do STJ de Portugal é perentório em afirmar que, “mesmo tratando-se de factos da vida privada do trabalhador cometidos fora do tempo e do local de trabalho, podem eles ser suscetíveis de abalar a confiança em que se baseia o contrato de trabalho e constituírem justa causa de despedimento, pelos reflexos prejudiciais causados no serviço e no ambiente de trabalho”65. Todavia, a jurisprudência não

é unânime quanto a este ponto de vista, contabilizando-se já um bom número de decisões com uma visão mais prudente no tratamento do tema.

Vejamos alguns casos:

- Um trabalhador, perito de uma companhia de seguros, envolveu-se numa rede de traficantes de droga e foi punido com pena de prisão maior. Na sequência, foi despedido pelo seu empregador. O tribunal confirmou o despedimento, invocando perda da confiança – Ac. do STJ (Portugal) de 31 de Outubro de 1986 – BMJ 360, 468.

- Duas trabalhadoras envolveram-se numa briga, em sitio afastado do local de trabalho, tendo uma delas causado ofensas

64 Neste sentido, Ac. da Rel. do Porto de 16-12-1985 “I – A definição de justa causa dada pelo nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 372-A/75 não envolve apenas os comportamentos do trabalhador no lugar e no tempo de trabalho e diretamente relacionados com este. II – Os meros atos da vida privada do trabalhador também podem integrar aquele conceito, desde que graves e culposos e que determinem a imediata impossibilidade da relação laboral. Col. de Jur., 1985, 5, 212. No mesmo sentido, Ac. da RC de 28 de Janeiro de 1993 – Col. Jur. 1993, 1, 85.

65 Ac. do STJ (Portugal) de 10 de Dezembro de 1997, Ac. Dout do STA, 436, 524.

corporais à outra e, por este facto, esta foi despedida pelo empregador. O tribunal anulou o despedimento e decretou a reintegração da trabalhadora, considerando que a agressão não teve qualquer reflexo na relação de trabalho – Ac. do STJ (Portugal) de 14

de Novembro de 1986 – BMJ, 361, 403.

- Um comandante de aeronave, durante o seu período de descanso tomou uma bebedeira e fez desacatos no hotel onde se encontrava hospedado. Considerando que esse comportamento afetou a imagem da entidade patronal, o mesmo comandante foi despedido e o tribunal confirmou o despedimento – Ac. da RL de 17

de Junho de 1993, Col. Jur., 1993, 3, 187.

- Uma empregada bancária, em dificuldades financeiras, aproveitou-se do conhecimento que tinha junto de clientes do Banco e pediu-lhes dinheiro emprestado, para satisfazer despesas imperiosas. O tribunal considerou que este facto da vida privada da trabalhadora não constitui justa causa de despedimento, por não afetar a relação laboral, nem o prestígio da trabalhadora perante os clientes do Banco – Ac. da RC, de 1 de Junho de 1995: Col. Jur., 1995,

3, 85.

- Uma empresa adotou uma norma regulamentar com vista a prevenir o consumo de álcool e de droga entre os seus trabalhadores. Numa análise de rotina, um trabalhador acusou a presença de

cannabis no organismo e foi despedido, em consequência. O tribunal

considerou que o regulamento da empresa não visava (nem podia visar) proibir o uso de droga, em qualquer circunstância, nomeadamente, fora do âmbito das relações de trabalho. Considerando que o uso da droga não afetou o normal desempenho

corporais à outra e, por este facto, esta foi despedida pelo empregador. O tribunal anulou o despedimento e decretou a reintegração da trabalhadora, considerando que a agressão não teve qualquer reflexo na relação de trabalho – Ac. do STJ (Portugal) de 14

de Novembro de 1986 – BMJ, 361, 403.

- Um comandante de aeronave, durante o seu período de descanso tomou uma bebedeira e fez desacatos no hotel onde se encontrava hospedado. Considerando que esse comportamento afetou a imagem da entidade patronal, o mesmo comandante foi despedido e o tribunal confirmou o despedimento – Ac. da RL de 17

de Junho de 1993, Col. Jur., 1993, 3, 187.

- Uma empregada bancária, em dificuldades financeiras, aproveitou-se do conhecimento que tinha junto de clientes do Banco e pediu-lhes dinheiro emprestado, para satisfazer despesas imperiosas. O tribunal considerou que este facto da vida privada da trabalhadora não constitui justa causa de despedimento, por não afetar a relação laboral, nem o prestígio da trabalhadora perante os clientes do Banco – Ac. da RC, de 1 de Junho de 1995: Col. Jur., 1995,

3, 85.

- Uma empresa adotou uma norma regulamentar com vista a prevenir o consumo de álcool e de droga entre os seus trabalhadores. Numa análise de rotina, um trabalhador acusou a presença de

cannabis no organismo e foi despedido, em consequência. O tribunal

considerou que o regulamento da empresa não visava (nem podia visar) proibir o uso de droga, em qualquer circunstância, nomeadamente, fora do âmbito das relações de trabalho. Considerando que o uso da droga não afetou o normal desempenho

do trabalhador, o tribunal declarou ilícito o despedimento – Ac. do

STJ (Portugal) de 9 de junho de 1999 – Ac. Dout. STA, 459, 455.

II – Entendemos que a perspetiva dogmática que abraçamos pode trazer algum contributo na compreensão deste assunto. Se o contrato de trabalho representa uma limitação voluntária dos direitos da personalidade do trabalhador, então tem que se concluir, antes de mais, que essa limitação pode respeitar igualmente à vida privada do trabalhador. A amplitude da limitação será sempre a que resulta do contrato de trabalho, seja através de cláusulas livremente acordadas, seja por processos de adesão a estatutos de pessoal ou regulamentos internos, submetidos à consideração do trabalhador. No limite a lei suprirá a vontade das partes quanto ao alcance da limitação que deva ser consentida.

Por essa limitação livremente consentida, o empregador adquire, pelo contrato de trabalho, um direito de interferir na vida privada do trabalhador. Não se pode, pois, afirmar de forma perentória e genérica, que o empregador não pode, em caso algum, imiscuir-se na vida privada do trabalhador. Tudo depende da amplitude do