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ANO I / 2021 / Nº 1 REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITO DO TRABALHO

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R E V I S T A I N T E R N A C I O N A L D E D I R E I T O D O T R A B A L H O

(2)
(3)

Subdiretora

Cláudia Madaleno

Secretária-Geral

Sara Leitão

Secretária-Geral Adjunta

Maria Leonor Ruivo

Propriedade

Instituto de Direito do Trabalho da FDUL

Morada IDT / Sede

Faculdade de Direito de Lisboa, Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa Periodicidade Semestral Nº Registo ERC 127529

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Maria Leonor Ruivo

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Faculdade de Direito de Lisboa, Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa

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Semiannual

ERC Registration No.

127529

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Equador Design - Traçando o Inimaginável, Lda.

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O CONTRATO DE TRABALHO

COMO LIMITAÇÃO VOLUNTÁRIA

DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE - ESBOÇO DE

UMA PERSPETIVA DOGMÁTICA

1

EMPLOYMENT CONTRACT AS A VOLUNTARY LIMITATION TO PERSONALITY RIGHTS – DRAFT OF A DOGMATIC APPROACH

Geraldo Da Cruz Almeida2

Sumário: Resumo. I – O contrato de trabalho como limitação voluntária dos direitos da personalidade. 1. Tempo da venalidade universal. 2. Trabalho e liberdade. 3. A limitabilidade dos direitos da personalidade 4. O contrato de trabalho e os direitos da personalidade. 5. O contrato como critério e medida da limitação. 6. Contrato de trabalho, limitação e ordem pública. 7. O contrato de trabalho como limitação voluntária dos direitos da personalidade. II – Aplicações. 1. Limitação voluntária e drittwirkunk. 2. Limitação voluntária e estatuto do trabalhador. 3. (cont.) Limitação voluntária e vida privada do trabalhador. 4. Limitação voluntária e estatuto do empregador. 5. Limitação voluntária e poder disciplinar. 6. Limitação voluntária e contrato a termo. 7. Limitação voluntária e natureza do direito à greve. 8. Limitação voluntária e cessação das relações jurídico-laborais. Conclusão. Bibliografia.

1 Retomamos, numa perspetiva de segunda edição, a orientação dogmática que subjaz ao nosso Direito do Trabalho cabo-verdiano I, dogmática específica,

fontes e situações individuais de trabalho, Imprensa Nacional, Praia, 2010 e publicada em jeito de síntese nos Estudos em comemoração do Quinto aniversário

do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais- ISCJS,, apresentação José Pina DELGADO, Organização Mário Ramos Pereira SILVA, Leão de PINA e Paulo MONTEIRO JR, Praia, Setembro de 2012, pp. 477 e seguintes. O presente estudo é desenvolvido à luz do sistema jurídico cabo-verdiano.

2 O Autor é mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, Docente do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais de Cabo Verde e Advogado em Cabo Verde. As opiniões expendidas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor.

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Resumo:

Os fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho foram no passado explicados através da chamada conceção comunitário-pessoal, aquela em que o trabalhador se insere na organização do credor, assegurando a este o dever de lealdade em troca do dever assistência. Esta conceção está hoje praticamente abandonada, prefigurando-se em sua substituição outras teorias. A presença permanente e irremediável da pessoa do trabalhador na prestação da atividade a que o mesmo se vinculou pelo contrato de trabalho e a colocação igualmente irremediável dos seus bens da personalidade à disposição do empregador parecem apontar no sentido de que a compreensão dos fundamentos jus-científicos do Direito do trabalho pode ser feita a partir de uma dialética entre o contrato de trabalho e regime jurídico dos direitos da personalidade. Neste quadro, o contrato de trabalho se configura como uma limitação voluntária dos direitos da personalidade, com uma influência decisiva do seu regime ao nível do estatuto do trabalhador, do estatuto do empregador e de outras vicissitudes da relação de trabalho.

Abstract:

The jus-scientific foundations of Labor Law were explained in the past through the so-called community-personal conception, the one in which the worker is inserted in the creditor's organization, assuring him the duty of loyalty in exchange for the duty of assistance. This conception is practically abandoned today, with other theories prefiguring its replacement. The permanent and irremediable presence of the employee in the provision of the activity to which the employee is bound by the employment contract and the equally irremediable placing of his personality assets at the employer's disposal seem to point in the sense that understanding the jus-scientific foundations of Labor law can be made from a dialectic between the employment contract and the legal regime of personality rights. In this context, the employment contract is configured as a voluntary limitation of the rights of the personality, with a decisive influence of its regime in terms of the status of the worker, the status of the employer and other vicissitudes of the employment relationship.

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Resumo:

Os fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho foram no passado explicados através da chamada conceção comunitário-pessoal, aquela em que o trabalhador se insere na organização do credor, assegurando a este o dever de lealdade em troca do dever assistência. Esta conceção está hoje praticamente abandonada, prefigurando-se em sua substituição outras teorias. A presença permanente e irremediável da pessoa do trabalhador na prestação da atividade a que o mesmo se vinculou pelo contrato de trabalho e a colocação igualmente irremediável dos seus bens da personalidade à disposição do empregador parecem apontar no sentido de que a compreensão dos fundamentos jus-científicos do Direito do trabalho pode ser feita a partir de uma dialética entre o contrato de trabalho e regime jurídico dos direitos da personalidade. Neste quadro, o contrato de trabalho se configura como uma limitação voluntária dos direitos da personalidade, com uma influência decisiva do seu regime ao nível do estatuto do trabalhador, do estatuto do empregador e de outras vicissitudes da relação de trabalho.

Abstract:

The jus-scientific foundations of Labor Law were explained in the past through the so-called community-personal conception, the one in which the worker is inserted in the creditor's organization, assuring him the duty of loyalty in exchange for the duty of assistance. This conception is practically abandoned today, with other theories prefiguring its replacement. The permanent and irremediable presence of the employee in the provision of the activity to which the employee is bound by the employment contract and the equally irremediable placing of his personality assets at the employer's disposal seem to point in the sense that understanding the jus-scientific foundations of Labor law can be made from a dialectic between the employment contract and the legal regime of personality rights. In this context, the employment contract is configured as a voluntary limitation of the rights of the personality, with a decisive influence of its regime in terms of the status of the worker, the status of the employer and other vicissitudes of the employment relationship.

I

O contrato de trabalho como limitação voluntária dos direitos da personalidade

1. Tempo da venalidade universal

I - Habitualmente afirma-se: os direitos da personalidade são bens extra commercium e, nesta medida, são bens inalienáveis. A evolução recente aponta, todavia, noutra direção: os direitos da personalidade não são bens extra comércio; o que varia é o seu modo de exercício3. Se é verdade que os bens da personalidade são

inalienáveis e, enquanto tais, não podem mudar de titular, não é menos verdade que, ao dotar o Homem de capacidades naturais, quis a natureza que ele pudesse fruir dos seus bens da personalidade, em seu proveito e em proveito de outrem4. Em rigor essas aptidões

naturais devem facultar ao Homem angariar os meios necessários para a sua subsistência, nos mesmos termos que o faculta aos demais seres vivos. Mas, como é compreensível, essas aptidões não só têm permitido ao Homem sustentar uma economia de subsistência mas também agir de forma extraordinária sobre a natureza, dominando-a e cridominando-ando riquezdominando-a. Nisto se distingue o Homem dos demdominando-ais dominando-animdominando-ais.

3 Ver, no mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil

Português, I Parte geral, Tomo III, pessoas, 2ª edição 2007, pp. 115 e segs. 4 José de Oliveira ASCENSÃO assinala neste ponto particular uma dimensão comunitária, assegurando que “a personalidade é um projecto que o homem deve realizar em comunhão mas também em autonomia”. “Todo o direito da personalidade desemboca assim na garantia do desenvolvimento da personalidade de cada um. Desenvolvimento que supõe o silêncio, mas supõe também o outro. Propicia a aventura pessoal de cada, mas num fundo que não pode deixar de ser o da comunhão e da solidariedade” – Os Direitos de personalidade no Código Civil

brasileiro, http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Ascensao-Jose-Oliveira-OS-DIREITOS-DE-PERSONALIDADE-NO-CODIGO-CIVIL-BRASILEIRO.pdf.

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Nesta medida, as faculdades naturais de que a natureza dotou o Homem passaram a constituir a verdadeira riqueza das Nações. E trata-se, com efeito, de uma riqueza inesgotável não só porque se encontra em permanente renovação, como, à medida em que se realiza o seu aproveitamento, se aperfeiçoa do mesmo passo o seu modo de exercício que promove, consequente, o enriquecimento espiritual individual e coletivo.

E é curioso constatar que a vida hodierna massificou o aproveitamento dos bens da personalidade5 e democratizou, por esta

via, o acesso ao trabalho. Praticamente todas as aptidões e “inaptidões” individuais foram colocadas no comércio jurídico. Todos exploram, de uma maneira ou de outra, os seus bens da personalidade: o inteligente; o “estúpido”; o gordo; o magro; o feio; o bonito; o doente; o são; o alto; o baixo; o calmo; o irrascível... todos exploram os bens de que foram dotados pela natureza e as competências adquiridas ao longo da vida, seja em benefício próprio seja para proveito de terceiros. Fenómenos recentes como os chamados realities shows massificaram esse aproveitamento.

Os direitos da personalidade não são, pois, bens extra-comércio. O seu exercício configura-se como uma limitação porque a lei encara tais direitos como absolutos, colocando o seu exercício no controlo do seu titular. Se é certo que o titular dos direitos da personalidade

5 Bem, na clássica definição de ARISTÓTELES, é aquilo para que todas as coisas tendem – Ética a Nicomaco- Livro I.1 – tradução de Leonel Vallandro e Gerd BORNHEIM, Editor: Victor Civita, pp. 49. Esta noção é próxima da que adota MENEZES CORDEIRO ao definir bem como “a realidade capaz de satisfazer necessidades (sentido objectivo) ou apetências (sentido subjectivo) da pessoa” –

Tratado de Direito Civil I Parte Geral – Pessoas – 2a edição 2007, pp. 97. Bem da personalidade configura-se, portanto, como a característica ou aptidão de uma pessoa para satisfazer uma qualquer necessidade.

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Nesta medida, as faculdades naturais de que a natureza dotou o Homem passaram a constituir a verdadeira riqueza das Nações. E trata-se, com efeito, de uma riqueza inesgotável não só porque se encontra em permanente renovação, como, à medida em que se realiza o seu aproveitamento, se aperfeiçoa do mesmo passo o seu modo de exercício que promove, consequente, o enriquecimento espiritual individual e coletivo.

E é curioso constatar que a vida hodierna massificou o aproveitamento dos bens da personalidade5 e democratizou, por esta

via, o acesso ao trabalho. Praticamente todas as aptidões e “inaptidões” individuais foram colocadas no comércio jurídico. Todos exploram, de uma maneira ou de outra, os seus bens da personalidade: o inteligente; o “estúpido”; o gordo; o magro; o feio; o bonito; o doente; o são; o alto; o baixo; o calmo; o irrascível... todos exploram os bens de que foram dotados pela natureza e as competências adquiridas ao longo da vida, seja em benefício próprio seja para proveito de terceiros. Fenómenos recentes como os chamados realities shows massificaram esse aproveitamento.

Os direitos da personalidade não são, pois, bens extra-comércio. O seu exercício configura-se como uma limitação porque a lei encara tais direitos como absolutos, colocando o seu exercício no controlo do seu titular. Se é certo que o titular dos direitos da personalidade

5 Bem, na clássica definição de ARISTÓTELES, é aquilo para que todas as coisas tendem – Ética a Nicomaco- Livro I.1 – tradução de Leonel Vallandro e Gerd BORNHEIM, Editor: Victor Civita, pp. 49. Esta noção é próxima da que adota MENEZES CORDEIRO ao definir bem como “a realidade capaz de satisfazer necessidades (sentido objectivo) ou apetências (sentido subjectivo) da pessoa” –

Tratado de Direito Civil I Parte Geral – Pessoas – 2a edição 2007, pp. 97. Bem da personalidade configura-se, portanto, como a característica ou aptidão de uma pessoa para satisfazer uma qualquer necessidade.

não os pode alienar, não é menos verdade que os pode onerar, fruindo, por esta via, as potencialidades que os mesmos direitos oferecem, conservando, portanto, o controle sobre os mesmos.

II - O trabalho humano no sentido subjetivo6 é, portanto, aquele

em que uma pessoa coloca, voluntariamente, os seus bens da personalidade à disposição e controlo de outra pessoa, para permitir a esta realizar o aproveitamento lícito desses bens, mediante contrapartidas que resultarem do acordo das partes7.

Revemo-nos, assim, na tese expendida pela Cour de Cassation francesa no sentido de que “desde que por conta e no interesse de um terceiro, em vista da criação de um produto com valor económico, e exercida em condições de subordinação, qualquer atividade, pouco importando que seja lúdica ou isenta de penosidade, está abrangida pelo Direito do Trabalho”8.

Esta conceção resulta mesmo por nós ampliada, na medida em que pode nem sequer haver um produto, como o produto pode nem sequer ter valor económico. Basta tão só que os atributos individuais de uma pessoa (os seus bens da personalidade) sejam colocados à

6 Sobre este conceito, Cf. Laborem exercens, nº. 6: o trabalho “permanece ligado ao facto de que aquele que o realiza ser uma pessoa, um sujeito consciente e livre, quer dizer, um sujeito que decide por si mesmo”. Documento disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html.

7 MENEZES CORDEIRO fala a este propósito do bem-trabalho. Direito do

Trabalho I … pp 431 e segs.

8 Um estudo importante, com referências altamente pertinentes sobre o conceito de trabalho, nomeadamente, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o conceito moderno (ou, dir-se-ia mesmo pós-moderno) de trabalho, pode ser encontrado em Milena SILVA ROUXINOL, Contrato de trabalho –

um modelo formoso e não seguro (ou: quando o trabalhador é um “Adónis musculado deambulando pela praia”) - Direito do Trabalho e as empresas novos desafios, novas soluções – Congresso Internacional de Ciências jurídico-empresariais, ocorrido em Leiria - Outubro de 2017, edição Dezembro de 2017, pp. 7 e segs.

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disposição de um terceiro para este tirar proveito dos mesmos, como lhe aprouver, no quadro da lei, da ordem pública e dos bons costumes.

É o princípio da venalidade universal a que se referia Karl MARX em a Miséria da Filosofia. Como constatou o filósofo: “veio enfim um tempo em que tudo o que os homens olhavam como inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico, e podia alienar-se. É o tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; adquiridas, mas nunca compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc – em que tudo enfim passou para o comércio”. MARX chamou esse fenómeno “tempo da corrupção geral” ou “tempo da venalidade

universal”, “tempo em que todas as coisas morais ou físicas,

tendo-se tornado valores venais são levadas ao mercado pelo tendo-seu justo valor”9.

2. Trabalho e liberdade

I - O principal bem da personalidade que o trabalhador coloca à disposição do empregador é a liberdade10.

As relações entre trabalho e liberdade podem, grosso modo, ser entendidas ao longo da história numa tríplice perspetiva: liberdade

9 – In A miséria da filosofia, Edições Avante, Lisboa 1991, tradução de Zeferino COELHO, a partir da edição francesa de 1961, cuja primeira edição data de 1846-1847.

10 Ver, por todos, MENEZES CORDEIRO, Direito do Trabalho I …, pp. 431 e segs.

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disposição de um terceiro para este tirar proveito dos mesmos, como lhe aprouver, no quadro da lei, da ordem pública e dos bons costumes.

É o princípio da venalidade universal a que se referia Karl MARX em a Miséria da Filosofia. Como constatou o filósofo: “veio enfim um tempo em que tudo o que os homens olhavam como inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico, e podia alienar-se. É o tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; adquiridas, mas nunca compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc – em que tudo enfim passou para o comércio”. MARX chamou esse fenómeno “tempo da corrupção geral” ou “tempo da venalidade

universal”, “tempo em que todas as coisas morais ou físicas,

tendo-se tornado valores venais são levadas ao mercado pelo tendo-seu justo valor”9.

2. Trabalho e liberdade

I - O principal bem da personalidade que o trabalhador coloca à disposição do empregador é a liberdade10.

As relações entre trabalho e liberdade podem, grosso modo, ser entendidas ao longo da história numa tríplice perspetiva: liberdade

9 – In A miséria da filosofia, Edições Avante, Lisboa 1991, tradução de Zeferino COELHO, a partir da edição francesa de 1961, cuja primeira edição data de 1846-1847.

10 Ver, por todos, MENEZES CORDEIRO, Direito do Trabalho I …, pp. 431 e segs.

pela ausência de trabalho; liberdade pelo trabalho e liberdade como criadora de estados pessoais de sujeição11.

II - A primeira perspetiva foi advogada pelos filósofos gregos. ARISTÓTELES, do mesmo passo que justificava o trabalho escravo, reputava o trabalho por conta e sob a direção de outrem contrário ao progresso espiritual. Segundo este pensador, o operário não tem nem direito, nem tempo para se dedicar ao seu desenvolvimento intelectual e moral. Advoga, portanto, uma noção de liberdade a partir do direito ao ócio, reconhecido a uma determinada classe de cidadãos. Este direito só é reconhecido a partir da existência de um exército de pessoas com profissões não nobres, aquelas cuja atividade contribui para a libertação intelectual de pessoas nobres. O ócio é a génese da virtude e só ele permite o aperfeiçoamento moral e o desenvolvimento da atividade politica12. Portanto, aquele

que dedica o seu esforço a obtenção dos meios de subsistência seria assim menos livre. Verdadeiramente livre era o cidadão pertencente a uma cidade igualmente livre13.

11 Ver, sobre este ponto, o nosso Direito do Trabalho Cabo-verdiano I…, pp. 25 e segs.

12 “Ora posto estarmos interessados no melhor regime, e como o melhor regime é aquele em que a cidade é mais feliz, sendo a felicidade, como já dissemos, impossível de se atingir sem a virtude, resulta evidente que a cidade mais bem governada e com homens absolutamente justos (e não só justos em relação a determinado pressuposto do regime) não pode ter cidadãos a viver uma vida de trabalhadores manuais ou comerciantes. Tal modo de vida carece de nobreza e é contrário à virtude. Tão pouco os cidadãos se devem dedicar à agricultura, visto que o descanso é indispensável não apenas para a génese da virtude mas também para a prossecução das actividades políticas” – Política, VII,9.

13 Sobre este conceito de liberdade, cf. Joël WILFERT, As grandes noções da

filosofia (A liberdade), ….pp. 671 e segs; José Luís de Moura JACINTO, O trabalho

e as relações internacionais…, pp. 42 e segs; Bernardo da Gama LOBO XAVIER, in

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III - A segunda perspetiva está presente na Bíblia quando determina o homem a subjugar a terra e bem assim todas as criaturas viventes que se movem sobre a terra14. Há nesta proposição uma

afirmação de liberdade, que vai acompanhada do desígnio do trabalho. Neste sentido, o homem se liberta do jugo da natureza e torna-se cada vez mais livre pelo esforço do seu trabalho.

Nesta aceção, ambos os conceitos – trabalho e liberdade – são intemporais: a natureza colocará sempre ao homem novos desafios e, consequentemente, num duplo papel ativo: de agente propulsor das adversidades que ele próprio engendrou e de agente superador dessas mesmas adversidades. Neste particular, a liberdade adquire-se continuada e ininterruptamente através de um aperfeiçoamento material e espiritual.

IV - De entre estes dois pontos de vistas – liberdade pela ausência de trabalho ou liberdade pelo trabalho - ocorre um terceiro: liberdade como criadora de estados pessoais de sujeição absoluta ou relativa. Na versão absoluta aponta para a escravatura na modalidade de auto-venda. Na vertente relativa aponta para o contrato: a liberdade, usada com peso e medida, permite ao titular criar, por via contratual, estados pessoais de sujeição temporária: a liberdade intervém para se autolimitar, para definir o conteúdo e o tempo da autolimitação ou sujeição e para pôr fim ao próprio estado de sujeição.

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III - A segunda perspetiva está presente na Bíblia quando determina o homem a subjugar a terra e bem assim todas as criaturas viventes que se movem sobre a terra14. Há nesta proposição uma

afirmação de liberdade, que vai acompanhada do desígnio do trabalho. Neste sentido, o homem se liberta do jugo da natureza e torna-se cada vez mais livre pelo esforço do seu trabalho.

Nesta aceção, ambos os conceitos – trabalho e liberdade – são intemporais: a natureza colocará sempre ao homem novos desafios e, consequentemente, num duplo papel ativo: de agente propulsor das adversidades que ele próprio engendrou e de agente superador dessas mesmas adversidades. Neste particular, a liberdade adquire-se continuada e ininterruptamente através de um aperfeiçoamento material e espiritual.

IV - De entre estes dois pontos de vistas – liberdade pela ausência de trabalho ou liberdade pelo trabalho - ocorre um terceiro: liberdade como criadora de estados pessoais de sujeição absoluta ou relativa. Na versão absoluta aponta para a escravatura na modalidade de auto-venda. Na vertente relativa aponta para o contrato: a liberdade, usada com peso e medida, permite ao titular criar, por via contratual, estados pessoais de sujeição temporária: a liberdade intervém para se autolimitar, para definir o conteúdo e o tempo da autolimitação ou sujeição e para pôr fim ao próprio estado de sujeição.

14 Gên. 1:22.

V - A liberdade como criadora de estados de sujeição reclama importantes medidas de proteção, pois, atrai para este conceito toda a dimensão ético-jurídica da pessoa humana. Neste contexto, a liberdade surge como algo de inerente à pessoa humana, tão inextrincável e tão irremediavelmente constitutiva que sem a ideia de liberdade perde sentido a própria ideia de pessoa15.

3. A limitabilidade dos direitos da personalidade

I - Assim, às características da inalienabilidade,

irrenunciabilidade e imprescritibilidade dos direitos da

personalidade16, afigura-se-nos estar associada uma outra

característica, tão permanente quanto as demais, que é a característica da limitabilidade dos direitos da personalidade ou da

negocialidade limitada, na afirmação de MENEZES CORDEIRO17.

Esta característica não tem sido referida, mas a ela se reporta o artº. 79º do Código Civil, disposição que, provavelmente, é a responsável pela sua obnubilação por apresentá-la de forma negativa. Refere, com efeito: “toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos da personalidade é nula, se for contrária aos princípios de ordem pública”. Extrai-se desta norma, a contrario, que toda a limitação conforme à ordem pública é válida, reconhecendo ao titular dos direitos da personalidade o poder

15 Ver, neste sentido, SOARES MARTINEZ, Filosofia do Direito, pp. 40: “ Esta [referindo-se à liberdade] constitui um elemento permanente da personalidade de qualquer homem”.

16 Sobre as características dos direitos da personalidade, cf, ainda MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte geral, Tomo III, pessoas, 2ª edição 2007, pp. 103 e segs.

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jurídico de tirar proveito dos mesmos a favor de terceiros. Nesta conformidade, o titular do direito da personalidade pode celebrar negócios jurídicos nos termos dos quais aceita restrições ao exercício do seu direito, em benefício próprio ou em benefício de terceiros.

Esta formulação parece ser tributária da conceção que encara os direitos da personalidade como estando fora do comércio jurídico, formulação que os novos desenvolvimentos em matéria do aproveitamento dos bens da personalidade justificaria modificar.

Com efeito, não parece ser hoje aceitável que o modo normal de exercício dos direitos da personalidade em benefício de terceiros se apresente como uma limitação. A ideia de limite está associada à ideia de restrição a algo que é livre: livre do comércio jurídico. Mas, como se viu, os direitos da personalidade não são hoje bens extra-comércio.

E é curioso notar que a lei parece não ver a limitação voluntária a favor de terceiros como um modo de exercício, pois, essa limitação incide sobre o próprio exercício. Nesta perspetiva o modo normal de exercício dos direitos da personalidade se traduziria unicamente na sua fruição pelo próprio titular. Os direitos da personalidade seriam bens extra comércio e a fruição por outrem representaria uma limitação18.

Porém, se, como vimos, tais bens gozam em alguma medida de

negociabilidade limitada, na eufemística expressão de MENEZES

CORDEIRO - no que depõe o seu exercício em comunhão - como

18 Falamos aqui indistintamente em bens da personalidade ou direitos da personalidade. Seguindo os ensinamentos de MENEZES CORDEIRO, “tudo joga em conjunto: “direitos da personalidade”; bens da personalidade” e a própria pessoa” – Tratado de Direito Civil Português, I Parte geral, Tomo III, pessoa…, pp. 98.

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jurídico de tirar proveito dos mesmos a favor de terceiros. Nesta conformidade, o titular do direito da personalidade pode celebrar negócios jurídicos nos termos dos quais aceita restrições ao exercício do seu direito, em benefício próprio ou em benefício de terceiros.

Esta formulação parece ser tributária da conceção que encara os direitos da personalidade como estando fora do comércio jurídico, formulação que os novos desenvolvimentos em matéria do aproveitamento dos bens da personalidade justificaria modificar.

Com efeito, não parece ser hoje aceitável que o modo normal de exercício dos direitos da personalidade em benefício de terceiros se apresente como uma limitação. A ideia de limite está associada à ideia de restrição a algo que é livre: livre do comércio jurídico. Mas, como se viu, os direitos da personalidade não são hoje bens extra-comércio.

E é curioso notar que a lei parece não ver a limitação voluntária a favor de terceiros como um modo de exercício, pois, essa limitação incide sobre o próprio exercício. Nesta perspetiva o modo normal de exercício dos direitos da personalidade se traduziria unicamente na sua fruição pelo próprio titular. Os direitos da personalidade seriam bens extra comércio e a fruição por outrem representaria uma limitação18.

Porém, se, como vimos, tais bens gozam em alguma medida de

negociabilidade limitada, na eufemística expressão de MENEZES

CORDEIRO - no que depõe o seu exercício em comunhão - como

18 Falamos aqui indistintamente em bens da personalidade ou direitos da personalidade. Seguindo os ensinamentos de MENEZES CORDEIRO, “tudo joga em conjunto: “direitos da personalidade”; bens da personalidade” e a própria pessoa” – Tratado de Direito Civil Português, I Parte geral, Tomo III, pessoa…, pp. 98.

magistralmente ensina OLIVEIRA ASCENSÃO19, então já não se

justifica falar em limitação, pois, a limitação passa a ser ela própria um modo normal de exercício desses direitos. Nesta medida, todo o titular dos direitos de personalidade pode realizar o aproveitamento desses bens seja em benefício próprio, seja em benefício de terceiros.

III - Deste artº. 79º do Código Civil resultam dois aspetos a considerar: se a invalidade, como vimos, só atinge a limitação voluntária contrária à ordem pública, obtém-se que são válidas as limitações voluntárias conformes à ordem pública. Portanto, a negociabilidade dos direitos da personalidade é permitida ao seu titular, desde que não contrária à ordem pública e aos bons costumes; o segundo é o de que essas limitações requerem o concurso da vontade do titular dos bens da personalidade.

Assim, seguindo a fórmula legal, todos os bens da personalidade são potencialmente limitáveis, estando, todavia, essa limitação sujeita ao limite geral da reserva de ordem pública. A ordem pública funciona, portanto, como um limite de limite ou como um limite à faculdade de limitação.

Oportunamente determinaremos o seu alcance em sede das relações laborais.

IV - Outro dado relevante associado ao modo de exercício dos direitos da personalidade diz respeito ao concurso da vontade que,

19 Os Direitos de personalidade no Código Civil

brasileiro, http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Ascensao-Jose-Oliveira-OS-DIREITOS-DE-PERSONALIDADE-NO-CODIGO-CIVIL-BRASILEIRO.pdf.

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em sede dos contratos que tenham por objeto bens da personalidade, desempenha idêntico papel tanto a montante, como a jusante. Na verdade, não só a limitação ao exercício dos direitos da personalidade - ela própria um modo de exercício - deve ser voluntariamente consentida, como, por vontade do sujeito, ele poderá sempre denunciar a limitação voluntariamente consentida, ainda que com a obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legitimas expetativas da outra parte (artº. 79.º n.º 2 do Código Civil).

Esta forma de autotutela específica está associada à circunstância de esses direitos se encontrarem intrínseca e indissoluvelmente ligados à pessoa do titular dos bens da personalidade. Por isso, a lei sedia na vontade do sujeito a faculdade de conservar (ou não) a limitação voluntariamente consentida20.

V - A regra geral do cumprimento dos contratos enunciada através do brocardo pacta sunt servanda cede o passo a favor da livre revogabilidade (ou denunciabilidade) no domínio dos contratos que tenham por objeto bens da personalidade. Nestes, é o sujeito titular dos bens da personalidade que decide sobre o cumprimento (ou o não cumprimento) dos pactos livremente celebrados. Trata-se de uma proteção fortíssima que reconhece ao sujeito o controlo sobre a sua pessoa e os seus bens da personalidade, mesmo naquelas situações em que por uma decisão impensada, por puro egoísmo ou para proteção de interesses superiores, ainda que de ordem material, o titular dos direitos da personalidade entendeu por bem pôr termo às

20 No sentido coincidente com este ponto de vista, cf. As conclusões de João ZENHA MARTINS, Dos Pactos de limitação à liberdade de trabalho, Coimbra, Almedina, 2016, p. 827.

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em sede dos contratos que tenham por objeto bens da personalidade, desempenha idêntico papel tanto a montante, como a jusante. Na verdade, não só a limitação ao exercício dos direitos da personalidade - ela própria um modo de exercício - deve ser voluntariamente consentida, como, por vontade do sujeito, ele poderá sempre denunciar a limitação voluntariamente consentida, ainda que com a obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legitimas expetativas da outra parte (artº. 79.º n.º 2 do Código Civil).

Esta forma de autotutela específica está associada à circunstância de esses direitos se encontrarem intrínseca e indissoluvelmente ligados à pessoa do titular dos bens da personalidade. Por isso, a lei sedia na vontade do sujeito a faculdade de conservar (ou não) a limitação voluntariamente consentida20.

V - A regra geral do cumprimento dos contratos enunciada através do brocardo pacta sunt servanda cede o passo a favor da livre revogabilidade (ou denunciabilidade) no domínio dos contratos que tenham por objeto bens da personalidade. Nestes, é o sujeito titular dos bens da personalidade que decide sobre o cumprimento (ou o não cumprimento) dos pactos livremente celebrados. Trata-se de uma proteção fortíssima que reconhece ao sujeito o controlo sobre a sua pessoa e os seus bens da personalidade, mesmo naquelas situações em que por uma decisão impensada, por puro egoísmo ou para proteção de interesses superiores, ainda que de ordem material, o titular dos direitos da personalidade entendeu por bem pôr termo às

20 No sentido coincidente com este ponto de vista, cf. As conclusões de João ZENHA MARTINS, Dos Pactos de limitação à liberdade de trabalho, Coimbra, Almedina, 2016, p. 827.

limitações voluntariamente consentidas. Nestes casos, como é sabido, o titular poderá ser obrigado a indemnizar a outra parte pelos danos causados pelo rompimento do contrato, mas a doutrina tem assegurado que essa indemnização não poderá funcionar como sanção compulsória contra o titular dos direitos da personalidade. Ou seja, essa indemnização não poderá ser de tal ordem que leve o sujeito a optar pelo cumprimento do contrato em vez de o romper. Esta livre “revogabilidade” ou denunciabilidade das limitações voluntariamente consentida elege os bens da personalidade em bens jurídicos de natureza superior, que prevalecem21 sobre quaisquer

outros.

4. O contrato de trabalho e os direitos da personalidade

I - O contrato de trabalho tem natureza especial, seja por força da sua colocação sistemática, inserida no Livro II do Código Civil que se ocupa Do Direito das Obrigações, Título II - Dos contratos em Especial (artºs 1149º e 1150º), seja por força da materialidade que lhe está subjacente. Este movimento de especialização resultou do cotejo de duas classes de normas, aparentemente conflituantes: o

21 No sentido não inteiramente concordante, cf. sobre este ponto, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte geral, Tomo III, pessoas, 2ª edição 2007, p. 108. O exemplo que o autor aponta da situação clássica do despejo parece mais tratar-se de um direito pessoal à habitação e não de um direito de personalidade. Seguimos aqui o ponto de vista de OLIVEIRA ASCENSÃO, no sentido de que “só o que estiver eticamente fundado na pessoa cabe no Direito da Personalidade” – Os direitos da personalidade no Código Civil

brasileiro, http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Ascensao-Jose-Oliveira-OS-DIREITOS-DE-PERSONALIDADE-NO-CODIGO-CIVIL-BRASILEIRO.pdf. Por isso, este autor é peremptório em afirmar a superioridade dos direitos da personalidade face a outros direitos.

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regime dos contratos obrigacionais, dominado pela autonomia da vontade, e o regime dos direitos da personalidade, dominado por normas imperativas.

Pelo contrato de trabalho a pessoa se obriga a colocar a sua energia física e intelectual na disposição de outra pessoa. Obriga-se, portanto, a colocar a sua pessoa e os seus bens de personalidade ao serviço de outra pessoa, conferindo a esta poderes para dirigir e moldar a sua vontade e aproveitar-se dos referidos bens da personalidade. Mesmo naqueles contratos de trabalho onde está presente a autonomia técnica que esbate o grau de subordinação do trabalhador face ao empregador, é clara a colocação dos bens da personalidade do trabalhador ao serviço do empregador.

São, assim, os direitos da personalidade que representam a essência material (materialidade subjacente) da natureza especial das normas do Direito do Trabalho22. Na sua atuação, os direitos da

personalidade exercem uma forte e constante pressão sobre o regime jurídico das obrigações, forçando à contenção deste. Os bens jurídicos que constituem o seu objeto, porque de natureza superior, reclamam importantes e constantes medidas de proteção, daí o

22 Por isso, deve-se discordar de MONTOYA MELGAR na consideração de que o carácter especial do Direito do Trabalho tem hoje mais valor histórico do que actual – Derecho del Trabajo…, pp. 43. Afirma o autor que dificilmente o Direito Civil pode funcionar como Direito comum face ao Direito do Trabalho precisamente porque o Direito do Trabalho surgiu justamente como reação frente à insuficiência quantitativa e qualitativa das normas civil – pp. 44. Cremos que estes argumentos podem ser utilizados contra o autor, pois, todo o ramo especial do Direito Civil surgiu como consequência necessária da insuficiência das normas de Direito Civil. Aliás, cremos ser apanágio dos ramos especiais do Direito o eles resultarem da insuficiência das normas comuns para dar causa jurídica a situações particulares suportadas por valores axiológicos particulares.

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regime dos contratos obrigacionais, dominado pela autonomia da vontade, e o regime dos direitos da personalidade, dominado por normas imperativas.

Pelo contrato de trabalho a pessoa se obriga a colocar a sua energia física e intelectual na disposição de outra pessoa. Obriga-se, portanto, a colocar a sua pessoa e os seus bens de personalidade ao serviço de outra pessoa, conferindo a esta poderes para dirigir e moldar a sua vontade e aproveitar-se dos referidos bens da personalidade. Mesmo naqueles contratos de trabalho onde está presente a autonomia técnica que esbate o grau de subordinação do trabalhador face ao empregador, é clara a colocação dos bens da personalidade do trabalhador ao serviço do empregador.

São, assim, os direitos da personalidade que representam a essência material (materialidade subjacente) da natureza especial das normas do Direito do Trabalho22. Na sua atuação, os direitos da

personalidade exercem uma forte e constante pressão sobre o regime jurídico das obrigações, forçando à contenção deste. Os bens jurídicos que constituem o seu objeto, porque de natureza superior, reclamam importantes e constantes medidas de proteção, daí o

22 Por isso, deve-se discordar de MONTOYA MELGAR na consideração de que o carácter especial do Direito do Trabalho tem hoje mais valor histórico do que actual – Derecho del Trabajo…, pp. 43. Afirma o autor que dificilmente o Direito Civil pode funcionar como Direito comum face ao Direito do Trabalho precisamente porque o Direito do Trabalho surgiu justamente como reação frente à insuficiência quantitativa e qualitativa das normas civil – pp. 44. Cremos que estes argumentos podem ser utilizados contra o autor, pois, todo o ramo especial do Direito Civil surgiu como consequência necessária da insuficiência das normas de Direito Civil. Aliás, cremos ser apanágio dos ramos especiais do Direito o eles resultarem da insuficiência das normas comuns para dar causa jurídica a situações particulares suportadas por valores axiológicos particulares.

predomínio das normas imperativas no âmbito dos Direitos da Personalidade. Assim, na sua comunicação com o regime jurídico dos contratos, os direitos de personalidade comunicaram ao contrato de trabalho a natureza das suas normas. Daí o igual predomínio das normas imperativas no regime jurídico do contrato de trabalho.

O Direito do Trabalho balança, assim, entre a autonomia trazida pelo regime jurídico dos contratos obrigacionais e a imperatividade importada da disciplina dos direitos da personalidade. A tensão entre estes dois polos é constante o que tem permitido a uma certa doutrina inclinar-se pela ambivalência ou pela existência de “zonas” particulares nas relações laborais. Temos, todavia, para nós, que é precisamente essa tensão dialética que representa a essência substantiva do Direito do Trabalho. Na sua materialidade o que confere ao contrato de trabalho natureza especial é a presença da pessoa e dos seus bens da personalidade no quadro das relações laborais.

II - Trata-se, aliás, de uma aquisição antiga. No Direito Romano o surgimento da locatio conductio operarum está associado a uma maior valorização da pessoa humana e dos seus direitos de personalidade. Com efeito, o bem jurídico afetado pela escravidão é a liberdade pessoal, liberdade de reger a própria pessoa; liberdade de trabalhar ou de não trabalhar. A locatio conductio operarum representa, assim, a passagem do trabalho servil para o trabalho livre, embora por conta de outrem. É o sucedâneo natural da locatio

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servum fruendum23, que permitia àqueles que não tinham escravos,

ou que os tinha em número insuficiente para a tarefa a realizar, obter mão-de-obra servil, mediante o pagamento de um preço ao dono (dominus).

A transmutação da locatio servum fruendum para a locatio

conductio operarum terá surgido com a categoria de libertos

(libertus) que passaram a arrendar os seus serviços. O fenómeno teve um efeito emulativo que atingiu os ingenui sem meios de subsistência. Por isso, a história regista situações em que escravos, libertos e homens livres (ingenui), são encontrados a desempenhar a mesma atividade, circunstância que, certamente, terá contribuído para a má reputação social daqueles que, nunca tendo sido escravos, recorriam a este modo de obtenção de proventos.

A locatio conductio operarum está, portanto, associada à categoria dos sui iuris submetidos temporariamente ao poder de outrem. Este estado de sujeição temporária adquire-se mediante contrato. Por isso, já no Direito Romano alguns autores apontam para a ideia de limitação voluntária da condição jurídica do sui iuris. GUARINO fala a este respeito de um estado de sujeição quase servil24

e diz a propósito que esse estado determinava uma “limitação” e não uma eliminação da capacidade jurídica, limitação traduzida no carácter temporário da sujeição e na faculdade reconhecida à pessoa sujeita de pré-ordenar ou provocar a sua libertação.

23 Neste sentido, cf. Antonio GUARINO, reconhecendo que a locatio condictio

operarum é derivada da locação de escravos, Diritto Privato Romano, Undezima edizione, Napoli 1997, p. 933.

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servum fruendum23, que permitia àqueles que não tinham escravos,

ou que os tinha em número insuficiente para a tarefa a realizar, obter mão-de-obra servil, mediante o pagamento de um preço ao dono (dominus).

A transmutação da locatio servum fruendum para a locatio

conductio operarum terá surgido com a categoria de libertos

(libertus) que passaram a arrendar os seus serviços. O fenómeno teve um efeito emulativo que atingiu os ingenui sem meios de subsistência. Por isso, a história regista situações em que escravos, libertos e homens livres (ingenui), são encontrados a desempenhar a mesma atividade, circunstância que, certamente, terá contribuído para a má reputação social daqueles que, nunca tendo sido escravos, recorriam a este modo de obtenção de proventos.

A locatio conductio operarum está, portanto, associada à categoria dos sui iuris submetidos temporariamente ao poder de outrem. Este estado de sujeição temporária adquire-se mediante contrato. Por isso, já no Direito Romano alguns autores apontam para a ideia de limitação voluntária da condição jurídica do sui iuris. GUARINO fala a este respeito de um estado de sujeição quase servil24

e diz a propósito que esse estado determinava uma “limitação” e não uma eliminação da capacidade jurídica, limitação traduzida no carácter temporário da sujeição e na faculdade reconhecida à pessoa sujeita de pré-ordenar ou provocar a sua libertação.

23 Neste sentido, cf. Antonio GUARINO, reconhecendo que a locatio condictio

operarum é derivada da locação de escravos, Diritto Privato Romano, Undezima edizione, Napoli 1997, p. 933.

24 Ob. Cit. p. 937.

III - O liberto tem um estatuto jurídico diminuído. A circunstância de esse estatuto poder ser conformado por negócio jurídico fragiliza a sua condição jurídica. Por isso, vários éditos foram publicados com vista a estabelecer restrições à liberdade do dominus na fixação de condições à manumissão.

Regista-se um conjunto de normas cuja principal função é a proteção da liberdade pessoal do liberto. O Livro XXXVIII, Tit. I do Digesto disciplina os serviços do liberto (De operis libertorum). ULPIANO nos comentários ao Édito Livro XXXVIII refere que “o Pretor publicou este édito para restringir a reclamação das imposições feitas por causa da liberdade; porque observou que a prestação das imposições feitas por causa da liberdade se estendeu demasiado, de tal sorte que oprimia e gravava as pessoas libertas”25. Os Títulos I e

II do Livro XXXVIII do Digesto espelham algum propósito de reforçar a condição jurídica do liberto, em atenção ao favor libertatis. Em D.XXXVIII.1.13 pode ler-se, nomeadamente: “se alguém foi comprado com a condição de que fosse manumitido e houvesse chegado à liberdade em virtude da constituição do Divino Marco, não terá nem efeitos os serviços a que se impusera”. Em Dig. XXXVIII.I.15 o liberto é desobrigado de serviços quando, “por inferioridade, não os pode realizar e ao patrono as suas ações foram limitadas a serviços” (Dig. XXXVIII.2.1§1).

IV - Quando o liberto arrenda os seus serviços, os jurisconsultos romanos começam a realizar a distinção entre a pessoa do liberto e a obra que o mesmo realiza (operae). Parece ter sido esta a primeira

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manifestação do trabalho abstrato: a atividade do liberto configura-se como uma coisa corpórea distinta e configura-separada da sua própria pessoa26. Mas deve-se ir mais longe na compreensão deste fenómeno:

o seu sentido último é o da busca de uma solução jurídica para a situação em que uma pessoa livre realiza trabalho a favor de outra pessoa sem que seja confundida com um escravo. Neste sentido, a criação da categoria das operae surge associada à proteção da liberdade pessoal do liberto: “o homem livre não podia arrendar nem dar de usufruto a sua própria pessoa física; só podia arrendar as

operae próprias e obrigar-se a dar operae”, consoante a feliz

formulação de VOLTERRA27.

V - A obrigação de fixar de um prazo certo ao contrato estava associada à necessidade de proteção da liberdade pessoal do liberto. O objetivo é o de evitar que ele possa celebrar um contrato de trabalho por toda a vida que se assemelhe à escravidão. Por isso, se anunciou a nulidade dos contratos de trabalho por toda a vida, numa fórmula que faria um longo percurso histórico até meados do século XX.

Daremos a este ponto particular maiores desenvolvimentos quando tratarmos das ligações entre o contrato a prazo os direitos da personalidade do trabalhador.

Há nestas medidas legislativas um claro propósito de proteção da liberdade pessoal do mercenarium a quem o Direito Romano associava igualmente outras medidas de proteção: cite-se a própria

26 VOLTERRA, apud Armando Torrent RUIZ, Manual de Derecho Privado

Romano Madrid, Edisofer, 2008, pp. 466. 27 TORRENT RUIZ, ob. cit. pp. 466.

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manifestação do trabalho abstrato: a atividade do liberto configura-se como uma coisa corpórea distinta e configura-separada da sua própria pessoa26. Mas deve-se ir mais longe na compreensão deste fenómeno:

o seu sentido último é o da busca de uma solução jurídica para a situação em que uma pessoa livre realiza trabalho a favor de outra pessoa sem que seja confundida com um escravo. Neste sentido, a criação da categoria das operae surge associada à proteção da liberdade pessoal do liberto: “o homem livre não podia arrendar nem dar de usufruto a sua própria pessoa física; só podia arrendar as

operae próprias e obrigar-se a dar operae”, consoante a feliz

formulação de VOLTERRA27.

V - A obrigação de fixar de um prazo certo ao contrato estava associada à necessidade de proteção da liberdade pessoal do liberto. O objetivo é o de evitar que ele possa celebrar um contrato de trabalho por toda a vida que se assemelhe à escravidão. Por isso, se anunciou a nulidade dos contratos de trabalho por toda a vida, numa fórmula que faria um longo percurso histórico até meados do século XX.

Daremos a este ponto particular maiores desenvolvimentos quando tratarmos das ligações entre o contrato a prazo os direitos da personalidade do trabalhador.

Há nestas medidas legislativas um claro propósito de proteção da liberdade pessoal do mercenarium a quem o Direito Romano associava igualmente outras medidas de proteção: cite-se a própria

26 VOLTERRA, apud Armando Torrent RUIZ, Manual de Derecho Privado

Romano Madrid, Edisofer, 2008, pp. 466. 27 TORRENT RUIZ, ob. cit. pp. 466.

actio locati e as diversas exceptiones 28: exceptio metus que,

certamente, possibilitava o mercenarium reagir perante situações de vis absoluta, e a própria exceptio doli.

5. O contrato como critério e medida da limitação

I – Do artº. 79º nº. 1 do Código Civil resulta implícita a faculdade reconhecida ao sujeito de aceitar limitações voluntárias ao exercício dos direitos da personalidade, ou como diríamos, a faculdade de realizar o aproveitamento lícito dos seus bens da personalidade a favor de terceiros.

Como vimos, se a invalidade só atinge a limitação voluntária contrária à ordem pública, obtém-se que são válidas as limitações voluntárias conformes à ordem pública. Estas limitações são de duas ordens: as primeiras fundam-se em considerações de solidariedade social (doação de órgãos; doação do sangue); razões de profilaxia (o consentimento na administração de certos medicamentos dolorosos; sujeição a determinadas intervenções cirúrgicas) e bem assim as situações já conhecidas de vacinação pública, testes de alcoolémia, rastreio de certas doenças contagiosas e outras intervenções justificadas por razões de investigação criminal ou de sobrevivência coletiva de uma determinada comunidade; as segundas fundam-se no contrato que constitui critério e medida do aproveitamento ou ingerência de terceiros no exercício dos direitos de personalidade de

28 Sobre estas diversas exceptiones e a sua aplicação na actio locati, Cf. MENEZES CORDEIRO, in Isenção de Horário – Subsídios para a dogmática actual do

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cada pessoa. Nisto interfere a liberdade individual como criadora de estados pessoais de sujeição.

II - A lei civil realiza neste ponto particular uma das mais conseguidas harmonizações entre os interesses do titular dos direitos da personalidade e os interesses de terceiros. A lei consente a limitação – interesse de terceiro - mas deixa no domínio do sujeito titular a opção de a aceitar ou não – interesse do sujeito. Nenhuma indicação lhe é dada sobre o sentido da decisão, que se pretende serena e livre de quaisquer constrangimentos.

Essa liberdade situa-se a dois níveis: ao nível da resolução inicial de aceitar, voluntariamente, limitações ao exercício dos seus direitos da personalidade e ainda ao nível do cumprimento das limitações voluntariamente assumidas. Do mesmo passo que faculta ao titular dos direitos de personalidade estabelecer limitações ao exercício dos direitos de personalidade, deixa na discricionariedade do sujeito a possibilidade de decidir, até ao último momento, pelo cumprimento das obrigações que envolvam a limitação voluntária dos direitos da personalidade.

III - A sanção que o direito liga à limitação voluntária dos direitos da personalidade, quando contrária à ordem pública, já se viu, é a nulidade. Isto tem como consequência que o sujeito titular do direito da personalidade a poderá invocar a todo o tempo (artº. 286º do Código Civil). Este mesmo direito assiste a qualquer interessado, nomeadamente, ao Ministério Público, assim como poderá ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

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cada pessoa. Nisto interfere a liberdade individual como criadora de estados pessoais de sujeição.

II - A lei civil realiza neste ponto particular uma das mais conseguidas harmonizações entre os interesses do titular dos direitos da personalidade e os interesses de terceiros. A lei consente a limitação – interesse de terceiro - mas deixa no domínio do sujeito titular a opção de a aceitar ou não – interesse do sujeito. Nenhuma indicação lhe é dada sobre o sentido da decisão, que se pretende serena e livre de quaisquer constrangimentos.

Essa liberdade situa-se a dois níveis: ao nível da resolução inicial de aceitar, voluntariamente, limitações ao exercício dos seus direitos da personalidade e ainda ao nível do cumprimento das limitações voluntariamente assumidas. Do mesmo passo que faculta ao titular dos direitos de personalidade estabelecer limitações ao exercício dos direitos de personalidade, deixa na discricionariedade do sujeito a possibilidade de decidir, até ao último momento, pelo cumprimento das obrigações que envolvam a limitação voluntária dos direitos da personalidade.

III - A sanção que o direito liga à limitação voluntária dos direitos da personalidade, quando contrária à ordem pública, já se viu, é a nulidade. Isto tem como consequência que o sujeito titular do direito da personalidade a poderá invocar a todo o tempo (artº. 286º do Código Civil). Este mesmo direito assiste a qualquer interessado, nomeadamente, ao Ministério Público, assim como poderá ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

6. Contrato de trabalho, limitação e ordem pública

I - A ordem pública é um conceito indeterminado. Exprime-se pela presença de valores protegidos por normas imperativas29. A sua

concretização varia no tempo e no espaço. Goza, portanto, das características de personalidade30, no sentido de que em cada

comunidade imperam valores específicos e variados de ordem pública; de atualidade porque, em cada momento histórico, variam os valores de ordem pública imperantes em cada comunidade e de

excecionalidade, porquanto só intervém nas situações de gritante

violação dos valores vigentes numa determinada comunidade31.

A ordem pública é um conceito operativo de todos os ramos do direito. Como tal, não podia deixar de registar a sua presença no campo do Direito do Trabalho que confere a este conceito uma importância particular32.

29 A doutrina jurídica distingue a ordem pública interna da ordem pública internacional. FERRER CORREIA define ordem pública interna como “o conjunto de todas as normas que num sistema jurídico dado revestem natureza imperativa (normas inderrogáveis, jus cogens)”. Trata-se no dizer desse internacional-privatista de normas que restringem a liberdade individual. Diferentemente é o conceito de ordem pública internacional que visa limitar a aplicabilidade no território do Estado do foro de leis estrangeiras (cf. Lições de Direito Internacional

Privado I, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 405 e segs).

30 A doutrina internacionalprivatista não aponta a personalidade como uma característica da ordem pública internacional. Cf., nomeadamente, Luís de LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. I, introdução e direito de conflitos –

Parte Geral, Almedina, 2016, 3ª edição refundida, pp. 469 e segs. Esta característica deve, todavia, ser apontada para permitir revelar as particularidades dos valores de ordem pública imperantes em cada comunidade politicamente organizada. Parece ser neste sentido que certa doutrina internacionalprivatista afirma que “nada há de mais nacional que a ordem pública internacional”.

31 Sobre outras características da ordem pública internacional, cf. LIMA PINHEIRO, ob. loc. cit..

32 Cf. Bernardo XAVIER assinalando que “este principio de ordem pública se exprime no estabelecimento de normas que consagram um padrão de garantias

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II – A pessoa é o substrato inalienável de toda a coletividade organizada. A sua proteção concita forte presença e intervenção da reserva de ordem pública.

No domínio do Direito do Trabalho as intervenções de ordem pública estão justificadas pela presença da pessoa no cumprimento do objeto do contrato de trabalho: a atividade do trabalhador. Se o contrato de trabalho é configurado como uma limitação voluntária dos direitos da personalidade, a ordem pública e bons costumes33

funcionam, neste particular, como um limite à faculdade de limitação34.

III – A ordem pública determina uma forte presença do Estado no domínio das relações laborais. Desde logo, pela possibilidade que o titular do direito tem, quando acossado pelas necessidades sociais, de limitar de forma excessiva o exercício dos seus direitos da personalidade, em termos que poderá contender com a ordem pública e os bons costumes.

Trata-se igualmente de uma aquisição histórica: quer nos direitos antigos, quer na Idade Média muitas situações de privação da liberdade ou de limitação excessiva da liberdade, como seja a celebração de um contrato de servidão, por toda a vida, resultaram

paara o trabalhador que não podem ser diminuidas nem pela vontade comum das partes” – Manual de Direito do Trabalho… p. 58.

33 Sobre o requisito dos bons costumes, cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de

Direito Civil português, I, III, pp. 117.

34 Cf. Sobre este ponto, Helena Carolina SCHROEDER, Os “limites da limitação

voluntária” dos direitos da personalidade diante do mínimo existencial e do núcleo duro dos direitos fundamentais, XIII seminário internacional – demandas sociais e políticas públicas nas sociedades contenporâneas & IX mostra internacional de trabalhos científicos - 2016 - https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/

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II – A pessoa é o substrato inalienável de toda a coletividade organizada. A sua proteção concita forte presença e intervenção da reserva de ordem pública.

No domínio do Direito do Trabalho as intervenções de ordem pública estão justificadas pela presença da pessoa no cumprimento do objeto do contrato de trabalho: a atividade do trabalhador. Se o contrato de trabalho é configurado como uma limitação voluntária dos direitos da personalidade, a ordem pública e bons costumes33

funcionam, neste particular, como um limite à faculdade de limitação34.

III – A ordem pública determina uma forte presença do Estado no domínio das relações laborais. Desde logo, pela possibilidade que o titular do direito tem, quando acossado pelas necessidades sociais, de limitar de forma excessiva o exercício dos seus direitos da personalidade, em termos que poderá contender com a ordem pública e os bons costumes.

Trata-se igualmente de uma aquisição histórica: quer nos direitos antigos, quer na Idade Média muitas situações de privação da liberdade ou de limitação excessiva da liberdade, como seja a celebração de um contrato de servidão, por toda a vida, resultaram

paara o trabalhador que não podem ser diminuidas nem pela vontade comum das partes” – Manual de Direito do Trabalho… p. 58.

33 Sobre o requisito dos bons costumes, cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de

Direito Civil português, I, III, pp. 117.

34 Cf. Sobre este ponto, Helena Carolina SCHROEDER, Os “limites da limitação

voluntária” dos direitos da personalidade diante do mínimo existencial e do núcleo duro dos direitos fundamentais, XIII seminário internacional – demandas sociais e políticas públicas nas sociedades contenporâneas & IX mostra internacional de trabalhos científicos - 2016 - https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/

sidspp/article/download/15765/3665

do exercício livre dos direitos da personalidade. Como observa GUARINO, os primeiros escravos em Roma teriam sido os próprios romanos que se colocaram nesse estado para pagamento de dívidas (devedores insolventes)35. Acrescem as situações de auto-venda e de

condições penosas do exercício da atividade laboral aceites pelo trabalhador porque impulsionadas pelas necessidades pessoais e da sua família.

7. O contrato de trabalho como limitação voluntária dos direitos da personalidade

I – Modernamente os fundamentos dogmáticos do Direito do Trabalho têm sido explicados a partir da chamada conceção

comunitário-pessoal ou a partir da conceção obrigacional, qua tale,

o que tem sido objeto de justas críticas36. A conceção

comunitário-pessoal terá sido ultrapassada desde os anos oitenta do século passado. A conceção obrigacional e a chamada teoria da

remuneração sempre se revelaram insuficientes. Essa insuficiência

apresentou o seu lado extremo quando se realizou a abstração do trabalho relativamente à pessoa que o executa, a chamada teoria do

trabalho abstrato, que, ao separar o trabalho do homem da sua

própria personalidade, deitou por terra qualquer possibilidade de,

35 Apud Eduardo Vera-Cruz PINTO, in História do Direito Comum da

Humanidade, ius commune humanitatis ou lex Mundi, Lisboa, 2006, pp. 209, nota 370.

36 Na doutrina lusófona estas críticas foram apresentadas por MENEZES CORDEIRO no seu estudo Da situação Jurídico-laboral: perspectivas dogmáticas do

Direito do Trabalho, Revista da Ordem dos Advogados, 1982, pp 89 e segs e retomado pelo Autor no seu Manual de Direito do Trabalho, Coimbra 1991. Recentemente retomou o assunto em Direito do Trabalho I – Direito Europeu –

(28)

através dela, se obter uma compreensão séria dos fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho37.

Hoje a grande generalidade da doutrina jus-laborista compreende que o trabalhador como pessoa não pode ser separado da sua personalidade no âmbito das relações laborais. A perspetiva segundo a qual o trabalhador deixa a sua cidadania na porta da empresa foi substancialmente invertida: passou-se a falar em

cidadania na empresa.

II - Recentemente PALMA RAMALHO, aproveitando-se dos elementos pessoalidade e organização, propôs-se reconstituir os fundamentos dogmáticos do contrato de trabalho, admitindo a existência de duas zonas: uma zona obrigacional e uma zona laboral, aquela representada pelo binómio atividade laborativa/remuneração e esta pelo binómio subordinação jurídica/poderes laborais38.

Todavia, ao que cremos, a tomada em consideração dos direitos da personalidade dispensa o recurso a “zonas” para a compreensão dos fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho. A construção de zonas atinge a tessitura do sistema interno e faz perder a unidade que deve ser garantida em torno da pessoa39. A presença da pessoa

37 No sentido concorde com este ponto de vista, cf. Bernardo da Gama Lobo Xavier e outros, assegurando a indissociabilidade do bem trabalho da pessoa do trabalhador – Manual de Direito do Trabalho…, pp. 55 e segs.

38 Esta tese já vem sendo defendida pela Autora desde 1993, com o seu Do

Fundamento do Poder disciplinar, Coimbra 1993, pp. 428 e segs e retomada na sua tese de doutoramento Da autonomia dogmática do Direito do Trabalho , Almedina 2000, pp. 784 e segs e sustentada em vários outros escritos nomeadamente no seu

Tratado de Direito do Trabalho – Parte I Dogmática Geral, 4ª edição, pp 481 e segs.

39 Este ponto de vista encontra suporte na seguinte ideia de WOLKER BEUTHIEN e ANTON S. SCHMÖLZ: “a personalidade não é nenhum objecto existente fora da pessoa mas antes uma parte essencial da própria pessoa viva. A liberdade da pessoa

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através dela, se obter uma compreensão séria dos fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho37.

Hoje a grande generalidade da doutrina jus-laborista compreende que o trabalhador como pessoa não pode ser separado da sua personalidade no âmbito das relações laborais. A perspetiva segundo a qual o trabalhador deixa a sua cidadania na porta da empresa foi substancialmente invertida: passou-se a falar em

cidadania na empresa.

II - Recentemente PALMA RAMALHO, aproveitando-se dos elementos pessoalidade e organização, propôs-se reconstituir os fundamentos dogmáticos do contrato de trabalho, admitindo a existência de duas zonas: uma zona obrigacional e uma zona laboral, aquela representada pelo binómio atividade laborativa/remuneração e esta pelo binómio subordinação jurídica/poderes laborais38.

Todavia, ao que cremos, a tomada em consideração dos direitos da personalidade dispensa o recurso a “zonas” para a compreensão dos fundamentos jus-científicos do Direito do Trabalho. A construção de zonas atinge a tessitura do sistema interno e faz perder a unidade que deve ser garantida em torno da pessoa39. A presença da pessoa

37 No sentido concorde com este ponto de vista, cf. Bernardo da Gama Lobo Xavier e outros, assegurando a indissociabilidade do bem trabalho da pessoa do trabalhador – Manual de Direito do Trabalho…, pp. 55 e segs.

38 Esta tese já vem sendo defendida pela Autora desde 1993, com o seu Do

Fundamento do Poder disciplinar, Coimbra 1993, pp. 428 e segs e retomada na sua tese de doutoramento Da autonomia dogmática do Direito do Trabalho , Almedina 2000, pp. 784 e segs e sustentada em vários outros escritos nomeadamente no seu

Tratado de Direito do Trabalho – Parte I Dogmática Geral, 4ª edição, pp 481 e segs.

39 Este ponto de vista encontra suporte na seguinte ideia de WOLKER BEUTHIEN e ANTON S. SCHMÖLZ: “a personalidade não é nenhum objecto existente fora da pessoa mas antes uma parte essencial da própria pessoa viva. A liberdade da pessoa

nas relações jurídicas cria relações internas de hierarquia, de subordinação, de especialidade, de subsidiariedade e até de prejudicialidade. Estas relações integram o sistema interno que, no seu modo de funcionamento, tem que garantir a superioridade do valor pessoa. Em razão dessa superioridade, o regime dos direitos da personalidade exerce, como vimos, uma pressão constante sobre o regime jurídico dos contratos, seja enfraquecendo a potencialidade das suas normas e princípios - note-se, nomeadamente, que a autonomia da vontade, princípio fundamental do regime dos contratos, se revela enfraquecida nos contratos de trabalho, em geral, e mais enfraquecida ainda no domínio dos contratos de trabalho com menores, v.gr., - seja forçando a presença de outras normas, tendo sempre em vista a tutela do bem jurídico pessoa e dos seus direitos da personalidade. A criação de zonas rompe com esta dialética natural e não se ajusta a uma perspetiva unitária.

III - Embora o tratamento do tema das relações entre os direitos da personalidade e o contrato de trabalho seja relativamente recente40, a doutrina jurídica portuguesa já começa a dar sinais de

é um bem da vida” – citados por MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, I

Parte Geral Tomo III Pessoas…pp. 234, nota 917.

40 A explosão de estudos sobre esta matéria parece datar de finais do século passado a inícios do século XXI. Foi efetivamente em 1995 que Radindranath V. A. CAPELO DE SOUSA, deu à luz a sua tese sobre O Direito Geral de Personalidade, Coimbra. Em 2002, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, MENEZES CORDEIRO inventariou o material necessário sobre Os

direitos de personalidade na civilística portuguesa, Almedina, 2002, pp. 21 e segs. Posteriormente PALMA RAMALHO discorreu sobre o Contrato de trabalho e direitos

fundamentais da pessoa, em Homenagem à Professora MAGALHÃES COLLAÇO, estudo republicado em Estudos de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2003, vol. I, pp. 157 e segs. A matéria foi posteriormente objeto de desenvolvimento, entre outros, em Pedro Romano MARTINEZ e outros Código do Trabalho anotado, Almedina 2017 , pp. 138 e segs, com anotações de Guilherme DRAY, na sequência,

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