• Nenhum resultado encontrado

Limitações à liberdade e à propriedade

3.1 Considerações preliminares

Tendo em vista que ao Estado compete a realização do bem

comum112, é evidente que o exercício dos direitos individuais deve estar em

consonância com o bem-estar coletivo.

Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

Através da Constituição e das leis os cidadãos recebem uma série de direitos. Cumpre, todavia, que o seu exercício seja compatível com o bem- estar social. Em suma, é necessário que o uso da liberdade e da propriedade esteja entrosado com a utilidade coletiva, de tal modo que não implique uma barreira capaz de obstar à realização dos objetivos públicos (grifado no original).113

Note-se, entretanto, que limitar o exercício do direito não se confunde com limitar o próprio direito. A esse respeito, imprescindível lembrar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, mais uma vez, quando afirma:

Convém desde logo observar que não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões daquelas, porém tal como admitidas em um dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade – é a brilhante observação de Alessi – uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isto sim, limitações à liberdade e à propriedade (grifado no original).114

O autor enfatiza que “[...] descaberia falar em limitação a direitos, pois os atos restritivos, legais ou administrativos, nada mais significam senão a

formulação jurídica do âmbito do Direito [...]”.115

112 Como explica Dalmo de Abreu Dallari: “[...] verifica-se que o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares. Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem comum, entendido este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. Mas se essa finalidade foi atribuída à sociedade humana no seu todo, não há diferença entre ela e o Estado? Na verdade, existe uma diferença fundamental, que qualifica a finalidade do Estado: este busca o bem comum de um certo povo, situado em determinado território. Assim, pois, o desenvolvimento integral da personalidade dos integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo” (Elementos de teoria geral do Estado, p. 107).

113 Curso de direito administrativo, p. 818. 114 Ibid, mesma página.

As limitações, portanto, correspondem ao perfil do direito à liberdade e à propriedade. Não importam em sacrifício a tais direitos.

Evidentemente, para que sejam legítimas, devem estar de acordo com os princípios e regras constitucionais.

3.2 Poder de polícia: sentido amplo e sentido estrito

Em que pese aos inconvenientes do uso da expressão “poder de polícia” para designar a atividade estatal que delineia o âmbito da liberdade e da

propriedade, prevalece, ainda, o referido termo na doutrina.116

Averba Celso Antônio Bandeira de Mello:

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia“. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos [...]. A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa (grifado no original). 117

116 Conforme menciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “Trata-se de designativo manifestamente infeliz. Engloba, sob um único nome, coisas radicalmente distintas, submetidas a regimes de inconciliável diversidade: leis e atos administrativos; isto é, disposições superiores e providências subalternas. Já isto seria, como é, fonte das mais lamentáveis e temíveis confusões, pois leva, algumas vezes, a reconhecer à Administração poderes que seriam inconcebíveis (no Estado de Direito), dando-lhe uma sobranceria que não possui, por ser imprópria de quem nada mais pode fazer senão atuar com base em lei que lhe confira os poderes tais ou quais e a serem exercidos nos termos e forma por ela estabelecidos.

Além disso, a expressão ‘poder de polícia’ traz consigo a evocação de uma época pretérita, a do ‘Estado de Polícia’, que precedeu ao Estado de Direito. Traz consigo a suposição de prerrogativas dantes existentes em prol do ‘príncipe’ e que se faz comunicar inadvertidamente ao Poder Executivo. Em suma: raciocina-se como se existisse uma ‘natural’ titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsecamente, fruto de um abstrato ‘poder de polícia’.

[...] Atualmente, na maioria dos países europeus (de que a França é marcante exceção), em geral, o tema é tratado sob a titulação ‘limitações administrativas à liberdade e à propriedade’, e não mais sob o rótulo de ‘poder de polícia’ [...].

O certo é que, embora nos pareça uma terminologia indesejável, ela persiste largamente utilizada entre nós, não se podendo, então, simplesmente desconhecê-la [...]” (grifado no original). Op. cit., p. 821.

Como é possível observar, o poder de polícia, em sentido amplo, abarca tanto os atos do Legislativo como do Executivo e, em sentido estrito, refere- se, apenas às intervenções do Executivo.

Cumpre ressaltar que, no Estado de Direito, toda atividade estatal está submetida ao princípio da legalidade, cujo conteúdo evoluiu ao longo da História.

Esse modelo de Estado sucedeu, cronologicamente, o denominado

Estado de Polícia e teve início na segunda etapa do Estado Moderno.118

Na primeira etapa, conhecida como Estado de Polícia, a forma de

Governo era a monarquia absoluta.119 Nesta época, não havia limites para a atuação

do monarca. A manutenção da “ordem social” era realizada a partir da leitura que o Príncipe fizesse dessa expressão, ou seja, a “polícia” realizava-se ao talante das decisões arbitrárias, como manifestação da força pela força e era sinônimo da atividade estatal, incluindo tanto as atividades de administrar como as de legislar e julgar.120

Como explica Luis Manuel Fonseca Pires – valendo-se da expressão utilizada por Clóvis Beznos - somente “[...] no Estado de Direito, sob a primeira de suas formas, o Estado Liberal de Direito, que o homem é valorizado como titular de direitos naturais e a liberdade passa a ser entendida como ‘(...) algo imanente à

condição humana’ “.121

Prossegue o autor:

Recebe o nome de Estado de Direito porque ao Direito foi conferida a atribuição de assegurar as liberdades individuais. O fundamento deste novel modelo de Estado – de Direito – encontra-se no direito natural: direitos inerentes à natureza humana que por isto devem ser respeitados pelo poder institucionalizado, pois, segundo esta doutrina, tais direitos precedem a própria existência do estado e são a razão, o fundamento e a finalidade do ente estatal. O Direito, por esta perspectiva, deve promover a igualdade e prestigiar a liberdade individual, o que leva a estruturar mecanismos de contenção do poder do Estado, e desta forma as restrições e condicionamentos são pertinentes na medida em que apenas visam o bom convívio social [...] (grifado no original).122

118 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 17. Note-se, com base nos ensinamentos da autora, que o Estado Moderno teve início na Europa, após o Renascimento.

119 Ibid., p. 17-18

120 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e à propriedade, p. 139. 121 Ibid., p. 141.

Note-se, ainda, que, neste modelo de Estado, a idéia da vontade do rei como fonte do Direito foi substituída pela idéia da lei como resultante da vontade geral. Em outras palavras, o poder só é legítimo quando resultante da lei.

Consagra-se, portanto, o princípio da legalidade sob a idéia de que o único poder legítimo é o que emana da vontade popular, e por tal se entende a manifestação da lei como expressão desta vontade que ocorre por representantes da sociedade os quais congregam sob um órgão estruturado e intitulado com Poder Legislativo. Por esta ordem de idéias, o Legislativo, dentro da divisão de poderes, contempla uma primazia em relação às demais funções públicas (Judiciário e Executivo). Estrutura-se o Estado de Direito, portanto, sob os princípios da legalidade, da igualdade e da separação de poderes (grifado no original).123

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Na segunda etapa do Estado Moderno, instaurou-se o chamado Estado de Direito, estruturado sobe os princípios da legalidade, igualdade e separação de poderes, todo objetivando assegurar a proteção dos direitos individuais, não apenas nas relações entre particulares, mas também entre estes e o estado. É da mesma época o constitucionalismo, que vê na Constituição um instrumento de garantia da liberdade do homem, na medida em que impões limites às prerrogativas dos governantes (grifo nosso).124

Inseparável dos princípios da legalidade e da igualdade - acrescenta a autora – é o controle judicial dos atos do poder público, ou de modo mais amplo, o princípio da justicialidade.125

Como pontos fundamentais da concepção clássica do Estado de Direito, menciona:

1. o reconhecimento da liberdade dos cidadãos, dotados de direitos fundamentais, universais, inalienáveis;

2. o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser afetado em sua liberdade senão em virtude de lei e que traz, como conseqüência, a vinculação da Administração Pública à lei;

3. o princípio da justicialidade, que exige a existência de um órgão independente para decidir os litígios;

4. o princípio da igualdade de todos perante o direito, vedado qualquer tipo de discriminação;

5. a concepção substancial do direito que, fazendo-o decorrer da natureza do homem, imprime-lhe caráter de justiça (grifado no original).126

123 Ibid., p. 142. 124 Op. cit., p. 20. 125 Op. cit., p. 22. 126 Op. cit., p. 22-23.

Quanto ao princípio da legalidade, no Estado Liberal de Direito, embora vinculasse a Administração, esta podia fazer não só o que a lei expressamente autorizasse, como, também, o que a lei não proibisse.

Se, conforme assinala Manuel Manuel Maria Diez, no Estado Liberal abriu- se caminho à tese conhecida pela denominação de “matérias reservadas à lei”, cuja virtude era reconhecer a antijuridicidade de qualquer forma de intervenção estatal sobre os direitos individuais de liberdade e de propriedade acaso não houvesse uma lei formal permitindo esta possibilidade, por outro lado, acrescentamos que é forçoso reconhecer que remanescia um campo livre à atuação da Administração Pública: era a chamada vinculação negativa, que na explanação de Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramon Fernandez, consistia em propugnar a idéia de que a Administração podia fazer não só o que a lei expressamente autorizava, mas ainda o que a lei não proibia, e era na seara desta autonomia que se entendia haver a “discricionariedade” do Poder Público. Não a discricionariedade no sentido contemporaneamente compreendido como a possibilidade de proceder a um juízo de conveniência e oportunidade dentro de parâmetros traçados pela lei, mas como um espaço livre de lei.

Esta “discricionariedade”concebida com tão franca larguesa e sem critérios, conduzia a Administração a agir isenta de qualquer controle jurisdicional toda vez que não houvesse disposição legal a respeito.127

O modelo liberal revelou-se insuficiente, ao longo do tempo, conduzindo o Estado a rever sua postura de inércia e passar a intervir nas relações econômicas e sociais, para ajudar os menos favorecidos, dando início ao chamado Estado Social de Direito, em que a preocupação se desloca da liberdade para a

igualdade.128 Em outras palavras, passou a vigorar a concepção de que o Estado

deveria intervir nas relações econômicas e sociais de modo a garantir a igualdade. Observa-se que, no Estado Social de Direito, houve o fortalecimento do Poder Executivo, porque a Administração tornou-se prestadora de serviços. Como conseqüência do grande volume de atribuições assumidas pelo Estado, concentrado, sobretudo, nas mãos do Executivo, este passou a ter atribuição normativa, valendo-se de Decretos-Leis, Leis Delegadas, etc, uma vez que sua atuação não poderia depender do demorado procedimento legislativo. Além disso,

ao Poder Executivo foi outorgada grande parte da iniciativa das leis.129

Contemporânea à construção do Estado Social de Direito é a doutrina de Hans Kelsen, cuja teoria pura do direito contribui para reduzir o campo da discricionariedade, pois enquanto no Estado Liberal era possível à Administração

127 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Op. cit., p. 144-145.

128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 29. 129 Ibid., p. 31.

fazer ou deixar de fazer o que a lei não previsse, no Estado Social, a Administração só pode fazer o que a lei permite.

O princípio da legalidade passa, assim, a apresentar outro sentido, substituindo-se a doutrina da vinculação negativa pela vinculação positiva da Administração à lei. A discricionariedade é concebida, então, como um poder jurídico, uma vez que a razão, os meios e os seus fins devem encontrar fundamento de validade na lei.130

Se, por um lado, ao submeter toda a atividade da Administração Pública à lei, o Estado Social de Direito (ou Estado Legal) representa avanço, sob o aspecto da evolução sofrida pela própria idéia de lei, houve um retrocesso, pois à medida que o Executivo passou a editar normas, a lei deixou de ser manifestação da

vontade geral do povo e instrumento de garantia dos direitos fundamentais.131

Mas, uma nova fase do Estado de Direito se desenvolve: a do Estado Social e Democrático de Direito, onde o princípio da legalidade parece

reencontrar o seu prestígio.132

De acordo com as lições de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

As conseqüências negativas produzidas pelo positivismo formalista (Estado Legal) e o insucesso do chamado Estado Social na conquista dos valores não apregoados pelo liberalismo acabaram por provocar reações no plano jurídico-constitucional, em que se procuraram introduzir novas concepções pretensamente mais aptas para produzir a justiça social. Acrescenta-se ao conteúdo do Estado Social de Direito um elemento novo, que é a participação popular no processo político, nas decisões de Governo, no controle da Administração Pública.

Além disso, protesta-se pelo retorno do Estado Legal ao Estado de Direito; quer-se novamente vincular a lei aos ideais de justiça; pretende-se submeter o Estado ao Direito, não à lei em sentido puramente formal. Daí hoje falar-se em Estado Democrático de Direito, que abrange os dois aspectos: o da participação popular (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito) (grifado no original).133

A lei, no Estado de Direito, tem sentido formal, pelo fato de que, ressalvadas algumas hipóteses, emana do Poder Legislativo, mas, também, sentido

material, à medida que deve realizar os valores consagrados pela Constituição, sob

130 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e à propriedade, p. 150. 131 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 31.

132 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e à propriedade. Op. cit., p. 151-2.

a forma de princípios fundamentais (enunciados no Título I do texto constitucional).134

No mesmo sentido, as lições de José Afonso da Silva:

O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, [...] porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei.135

Em decorrência do princípio da legalidade, que, além de radicar na própria estrutura do Estado de Direito, está previsto expressamente nos arts. 5°, II; 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal, a Administração só pode concretizar aquilo que já estiver estabelecido na lei, ou seja, não pode impor nenhuma limitação

à liberdade e à propriedade se não houver lei que previamente a autorize.136

Celso Antônio Bandeira de Mello traz o seguinte ensinamento:

Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração “é a longa manus do legislador” e que a “atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais” (grifado no original).137

Consoante a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “[...] o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos

individuais em benefício do interesse público”.138 Segundo explica:

O poder de polícia reparte-se entre Legislativo e Executivo. Tomando-se como pressuposto o princípio da legalidade, que impede à Administração impor obrigações ou proibições senão em virtude de lei, é evidente que, quando se diz que o poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício de

134 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 43. 135 Curso de direito constitucional positivo, p. 420.

136 Curso de direito administrativo, p. 102. 137 Ibid., p. 101.

direitos individuais, está-se pressupondo que essa limitação seja prevista em lei.

O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.

A Administração Pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas coercitivas).139

No caso, por exemplo, do Programa de Redução ao Trânsito de Veículos Automotores no Município de São Paulo - popularmente conhecido como “rodízio de veículos” - criado pela Lei n° 12.490/9 7 e regulamentado pelo Decreto n° 37.085/97 - o Estado, através do exercício de seu poder de polícia, limitou a circulação de veículos em determinadas vias públicas e em certos dias e horários, com o objetivo de melhorar as condições do trânsito.

Note-se, portanto, que essa atividade estatal, por se tratar de exercício do poder de polícia, não implica em violação ao direito de circulação das pessoas, mas apenas limita o exercício desse direito individual em prol da realização de um interesse público, como, inclusive, já pronunciou o Superior Tribunal de Justiça. 140

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em vários julgados, afastou a inconstitucionalidade da referida lei municipal e respectivo decreto que regulamentou os “rodízios”, entendendo não haver ofensa ao direito de ir e vir das pessoas.141

139 Ibid, mesma página.

140 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MUNICIPAL. PROGRAMA DE RESTRIÇÃO AO TRÂNSITO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (RODÍZIO MUNICIPAL). DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DO PRAZO PREVISTO NO ART. 18, DA LEI Nº 1.533/51. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSÁRIA DILAÇÃO PROBATÓRIA.

[...]

4. Nada obstante, e apenas obiter dictum, há de se considerar que, no caso sub examine, a atividade engendrada pelo Estado atinente à implementação do programa de restrição ao trânsito de veículos automotores no Município de São Paulo, cognominado de rodízio", insere-se na conceituação de Poder de Polícia, que, consoante cediço, é a atividade engendrada pelo Estado com vistas a coibir ou limitar o exercício dos direitos individuais em prol do interesse público [...]” (RMS n° 19.820 – SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09.10.2 007).

141 Ap. 178.419-5/5-00, 6ª Câmara de Direito Público, TJSP, rel. Des. Afonso Faro, j. 01-12-2003; Ap. 89.195-5/8, Primeira Câmara de Direito Público de Férias, TJSP, rel. Des. Luis Ganzerla, j. 23.11.99, entre outras.

Importante frisar que “não existe qualquer incompatibilidade entre os

direitos individuais e os limites opostos pelo poder de polícia do Estado [...]”.142

Nas palavras de Themístocles Brandão Cavalvanti, o poder de

Documentos relacionados