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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Raquel Pires

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Academic year: 2018

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Raquel Pires

Limitações à circulação de veículos como instrumento de

política urbana

MESTRADO EM DIREITO

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Raquel Pires

Limitações à circulação de veículos como instrumento de

política urbana

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito do Estado, área de concentração Direito Urbanístico, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano.

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Banca Examinadora

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Primeiramente, a Deus, que me concedeu força e inspiração, nos momentos mais difíceis; que me capacitou para continuar minha caminhada, quando tudo parecia tão difícil;

Aos meus pais, pelo apoio e amor incondicional; pela bondade que irradia em seus corações;

Ao meu noivo Omar, pela paciência e por estar sempre presente; por me fazer acreditar que tudo é possível;

Ao professor doutor Márcio Cammarosano, de quem tive o privilégio de ser orientanda e aluna desde a época em que fui ouvinte, nas aulas de Mestrado. Pela confiança depositada em minha pessoa; pelo prazer de compartilhar de sua amizade; pelo brilhantismo de seus ensinamentos; por cada palavra de incentivo e pela oportunidade de acompanhá-lo em suas aulas de direito administrativo, na graduação;

A todos os amigos e colegas da PUC – SP, em especial, à Mariana Mencio, que em todos os momentos que precisei, sempre se mostrou solícita e receptiva. Igualmente, à Patrícia de Mello Barboza e à Renata Fiori Pucetti, pelo prazer do convívio enriquecedor e pela torcida sincera;

Às amigas, Juliana, Annaiza, Tatiane e Milena, que mesmo longe, estão sempre presentes;

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Limitações à circulação de veículos como instrumento de política urbana

Resumo

O trabalho busca analisar as limitações à circulação de veículos enquanto instrumento de política urbana, que, à luz da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade de modo a garantir o direito coletivo a cidades sustentáveis. Demonstra os impactos do modelo de circulação centrado nos automóveis sobre a qualidade de vida da população. Verifica a importância do planejamento do trânsito e do transporte, aliado ao uso e ocupação do solo urbano. Apresenta o conceito de mobilidade urbana, bem como o Projeto de Lei n° 1.6 87/2007, como mudanças positivas no cenário de crise das condições de deslocamento na cidade. Evidencia que o Município tem competência para regular o trânsito e o tráfego local e, portanto, para estabelecer limitações à circulação de veículos, que estão relacionadas à liberdade de trânsito e tráfego. As regras municipais, expedidas no exercício de poder de polícia do Estado, para serem consideradas legítimas, devem ser estabelecidas por lei, de iniciativa concorrente, além de estarem sujeitas ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

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Limitations on movement of vehicles as an instrument of urban policy

Abstract

The work aims to analyze the limitations on movement of vehicles as an instrument of urban policy, which under the light of the Federal Constitution and the Statute of the City, aims to regulate the full development of the social functions of the city in order to guarantee the collective right to sustainable cities. It demonstrates the impacts of the model of circulation centered in automobiles on the quality of life of the population. It notes the importance of the integrated planning among transit, traffic and the use and occupation of urban land. It introduces the concept of urban mobility and the Law Project 1.687/2007, as positive changes in the displacement crisis conditions in the city. It shows the municipal legal authority to regulate the local transit and traffic and, therefore, to establish limitations on the movement of vehicles, which are related to the freedom of transit and traffic. The municipal rules, as issued in the exercise of police power of the State, to be regarded as legitimate, must be established by law, of concurrent initiative, besides being subjected to the principles of reasonableness and proportionality.

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Introdução...9

1. Processo de urbanização e o surgimento do direito urbanístico no Brasil...11

1.1 Urbanização e qualidade de vida...11

1.2 Urbanificação, urbanismo e direito...13

1.3 Atividade urbanística...16

1.4 Definição de direito urbanístico...19

1.5 Interfaces entre o direito urbanístico e o direito administrativo...22

2. Política urbana e circulação...27

2.1 Políticas públicas...27

2.2 Política urbana...29

2.2.1 A competência dos entes federativos...30

2.2.2 O direito a cidades sustentáveis...34

2.2.3 O planejamento urbanístico...37

2.3 Circulação...38

2.3.1 O modelo centrado nos automóveis...40

2.3.2 A construção de um novo paradigma...43

2.3.3 A mobilidade urbana...44

2.3.4 Projeto de Lei nº 1.687/2007...45

3. Limitações à liberdade e à propriedade...49

3.1 Considerações preliminares...49

3.2 Poder de polícia: sentido amplo e sentido estrito... ...50

3.3 Limitações e sistema jurídico constitucional...58

4. Limitações à circulação de veículos...61

4.1 Limitações à liberdade de trânsito e tráfego...61

4.2 Competência legislativa sobre trânsito e tráfego...62

4.3 O que pode ser objeto de ato infralegal...66

4.4 A razoabilidade e a proporcionalidade das limitações...70

Conclusão...81

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Introdução

Sabe-se que a Constituição de 1988 consagra um capítulo próprio para tratar da política de desenvolvimento urbano, estabelecendo, no art. 182, seu objetivo, qual seja: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Para viabilizar a concretização dos preceitos constitucionais, veio a lume o Estatuto da Cidade, que apontou a garantia do direito às cidades sustentáveis como uma das diretrizes da política urbana (art. 2°, I). Assim, tanto na formulação como na implementação dessa política, o Poder Público tem o dever de zelar pelo equilíbrio das funções sociais da cidade – dentre elas, a circulação - de modo a garantir a realização do direito a cidades sustentáveis.

Nesse contexto, verifica-se que medidas para desafogar o trânsito e o tráfego nas cidades estão cada vez mais em pauta nas políticas urbanas.

Por outro lado, se é verdade que a atividade urbanística destinada a criar condições para a circulação encontra fundamento na garantia de realização do direito de todos às cidades sustentáveis, da mesma forma, não pode estar alheia ao direito à circulação dos indivíduos, também, assegurado constitucionalmente (art. 5°, XV e LXVIII).

Com o objetivo precípuo de analisar até que ponto as limitações urbanísticas à circulação de veículos se fundamentam à luz do sistema jurídico brasileiro - considerando, sobretudo, a observância dos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como as questões relativas à competência para regular a matéria - é que foi despertado o interesse em produzir esta dissertação.

Para tanto, inicia-se com uma abordagem acerca do processo de urbanização, procurando identificar as causas que conduziram ao quadro urbano atual, marcado por congestionamentos crônicos, tráfego caótico, degradação das condições ambientais, enfim, problemas relacionados diretamente à qualidade de vida da população.

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Em seguida, parte-se para a análise da política urbana, tal como prevista na Constituição de 1988, o que reclama um perpassar de olhos pelo conceito de políticas públicas em geral, antes de se investigar o conteúdo do direito a cidades sustentáveis e sua relação com as condições de circulação no espaço urbano. Nesse ponto, já é possível vislumbrar a finalidade tipicamente urbanística das limitações à circulação de veículos estabelecidas com o propósito de facilitar as condições de circulação nas cidades.

Note-se que é sob a perspectiva da finalidade urbanística que será detida a análise do objeto do presente trabalho, conquanto as limitações à circulação de veículos possam, também, apresentar uma finalidade ambiental – relacionada à melhoria das condições do meio ambiente.

Feita essa ressalva, no terceiro capítulo, será dado enfoque sobre o conceito e as características do poder de polícia do Estado, buscando evidenciar a diferença entre limitar o direito e limitar o exercício do direito, bem como fixar o sentido e o alcance do princípio da legalidade para as limitações estabelecidas no exercício de função administrativa.

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1. Processo de urbanização e o surgimento do direito urbanístico

no Brasil

1.1 Urbanização e qualidade de vida

O fenômeno da urbanização é típico da sociedade industrializada e não significa, apenas, o crescimento das cidades, mas “[...] designa o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural [...]”.1

Notadamente, a urbanização, no Brasil, ocorreu de maneira avassaladora:

Em menos de 40 anos, entre as décadas de 1940 e 1980, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana. Impulsionado pela imigração de um vasto contingente de pobres, esse movimento socioterritorial, um dos mais rápidos e intensos de que se tem notícia, ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que privou as faixas de menor renda de condições básicas de urbanidade e de inserção efetiva à cidade. Além de excludente, tal modelo mostrou-se também altamente concentrador [...].2

O país que, em 1940, apresentava índice de população urbana equivalente a 30,24%, passou a registrar, no ano 2000, mais de 80% da população vivendo em áreas urbanas.3

Essa urbanização crescente, mas prematura, segundo adverte Jorge Wilheim:

[...] decorreu de fatores nem sempre desenvolvimentistas, como o êxodo rural, por causa da má condição de vida no campo e da liberação de mão-de-obra em razão da mecanização da lavoura ou da transformação de plantações em campos de criação de gado.4

Evidentemente:

A urbanização gera enormes problemas. Deteriora o ambiente urbano. Provoca a desorganização social, com carência de habitação, desemprego, problemas de higiene e de saneamento básico. Modifica a utilização do solo e transforma a paisagem urbana.5

1 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, p. 26.

2 ROLNIK, Raquel. A lógica da desordem. Disponível em: <http://www.polis.org.br/utilitarios/editor2.0/UserFiles/File/Raquel%20Rolnik-(2).pdf>. Acesso em: 01 jun. 2009.

3 População urbana (percentual). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/subtema.php?idsubtema=107>. Acesso em 20 jan. 2010.

4 Urbanismo no subdesenvolvimento, p.24. RJ: Saga, 1969 apud SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 27.

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As cidades não estavam preparadas para atender à enorme demanda populacional ocasionada pela ocupação desenfreada do solo urbano, o que fez emergir graves problemas sociais, como mostra Daniela Libório:

A cidade, na condição de espaço voltado para a coletividade, desconhecia certos fenômenos que se sucederam a esta repentina e intensa ocupação. Problemas de saúde pública (água, alimentos e saneamento) e de uso do espaço, com a conseqüente ordenação das vias de circulação e a oferta de serviços públicos mínimos, fizeram o Poder Público elaborar políticas públicas e editar normas jurídicas até então inéditas. Foi o processo de urbanização, e não a existência das cidades que fez se desenvolver o urbanismo e, posteriormente, o Direito Urbanístico.6

Enquanto, na década de 40, as cidades brasileiras eram vistas como a possibilidade de avanço e modernidade em relação ao campo, na década de 90, essa imagem passou a ser associada à violência, poluição, tráfego caótico, etc. “[...] É que a evolução mostrou que, ao lado de intenso crescimento econômico, o processo de urbanização com crescimento da desigualdade resultou numa inédita e gigantesca concentração espacial da pobreza”.7

Assim como em outros países em desenvolvimento, o processo de urbanização brasileiro foi resultado da ocupação irracional do solo urbano, a partir da abertura de novos bairros de moradia, cada vez mais distantes das áreas centrais. A população de baixa renda acabou sendo expulsa para as áreas periféricas dos Municípios, passando a se aglomerar em regiões desprovidas de condições mínimas de uma vida com qualidade. É corrente que tanto a prestação de serviços públicos como o acesso a equipamentos de saúde, educação, áreas de lazer, rede de esgotos, etc., figuram absolutamente deficitários nessas áreas mais pobres.

A par do agravamento do quadro de desigualdade social existente no Brasil, a urbanização tem provocado impactos ambientais significativos, que são causa de enchentes, desmoronamentos, poluição dos recursos hídricos, poluição do ar, desmoronamentos, etc.

Consoante a análise de Raquel Rolnik, as cidades brasileiras são definidas por um modelo de exclusão territorial, que exclui a maioria pobre do acesso às áreas urbanas formais e estruturadas, de maneira a reproduzir desigualdades. Explica a autora:

6Elementos de direito urbanístico, p. 03.

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[...] Em uma cidade dividida entre a porção rica, legal e infra- estruturada e a porção pobre, ilegal e precária, a população em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades econômicas e culturais que o ambiente urbano oferece. O acesso aos territórios que concentram as melhores condições de urbanidade é exclusivo para quem já é parte deles.8

Ainda, segundo pensa a urbanista, esse modelo tem caráter predatório e completa a “lógica da desordem”, condenando a cidade a um padrão insustentável tanto do ponto de vista ambiental como econômico:

Em primeiro lugar, a concentração das oportunidades em um fragmento da cidade e a ocupação extensiva de periferias cada vez mais distantes impõem um padrão de circulação e mobilidade dependente do transporte sobre pneus e, portanto, de alto consumo energético e potencial poluidor. Em segundo lugar, a ocupação das áreas frágeis ou estratégicas do ponto de vista ambiental – como mananciais de água, complexos dunares ou mangues – é decorrente de um padrão extensivo de crescimento por abertura de novas fronteiras e expulsão permanente da população mais pobre das áreas ocupadas pelo mercado (grifo nosso).9

Se é verdade que a expansão urbana impôs a dependência do transporte sobre pneus, elevando o consumo de energia e o nível de poluição, por outro lado, esse uso ampliado do transporte motorizado acabou por estimular a própria expansão urbana e a dispersão das atividades, trazendo reflexos importantíssimos nas condições de circulação e, conseqüentemente, na qualidade de vida das pessoas que vivem nas cidades.

1.2 Urbanificação, urbanismo e Direito

A solução para os problemas advindos com a urbanização, conforme aponta José Afonso da Silva, está na intervenção do Poder Público através da ordenação dos espaços habitáveis. Segundo enfatiza, isto ocorre com a

urbanificação, definida como “[...] processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana, que é a reurbanização, ou na criação de núcleos urbanos, como as cidades novas da Grã Bretanha e Brasília”.10

Explica o autor que “a urbanização criou problemas urbanos que precisavam ser corrigidos pela urbanificação, mediante a ordenação dos espaços habitáveis – de onde ser originou o urbanismo como técnica e ciência”. Embora

8 A lógica da desordem, p. 10. Le Monde Diplomatique Brasil, ago/08, p. 10-11. Disponível em: <http://www.polis.org.br/utilitarios/editor2.0/UserFiles/File/Raquel%20Rolnik-(2).pdf>. Acesso em: 01 jun. 2009.

9 Ibid., mesma página.

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esteja o urbanismo correlacionado à cidade industrial, isso não significa que regras urbanísticas inexistissem nas cidades antigas e medievais.

[...] Arruamento, estabelecimento de praças, alinhamento dos edifícios, são exigências urbanísticas que existiram na Antigüidade Clássica, como na Idade Média e mesmo no Brasil Colonial, quando também se iniciou o calçamento das vias públicas. Tratava-se, no entanto, de um urbanismo primitivo e empírico. (grifado no original).11

Num primeiro momento, o urbanismo foi concebido como uma arte de embelezar a cidade, preocupando-se essencialmente com a ordenação do espaço físico da cidade.

Foi a partir da obra de Ebenezer Howard (Garden Cities of Tomorrow, 1902) – conforme noticia Toshio Mukai – que o urbanismo começou a ganhar nova amplitude, passando a abranger, também, o campo.12

Desenvolveu-se, assim, o conceito moderno de urbanismo, cuja preocupação, além de ultrapassar os aspectos meramente físicos do território e se estender, também, ao campo, passou a revelar um sentido social, à medida que se vinculou à melhoria das condições de vida do homem.

Nesse sentido, afirmou Campos Venuti que ”a consideração científica dos problemas da cidade leva a reconhecer que esta última não se apresenta como entidade com vida autônoma, destacada e a considerar separadamente do território em que surge...”, o que dá uma amplidão maior ao urbanismo, “ultrapassando os limites da cidade para abrigar um território inteiro, quer na sua parte urbana, quer na sua parte rural, sendo que “urbanismo” não mais significa “do urbano” mas “do território”, no sentido de que o objeto dessa ciência não mais coincide com o seu significado etimológico (urbanismo procede do latim urb, urbis, significando a cidade e seus habitantes).13

Acresça-se, também, que há uma forte ligação entre o urbanismo contemporâneo e o meio ambiente, haja vista o inter-relacionamento entre a qualidade ambiental e a qualidade de vida humana.

Nas lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto – autor do primeiro livro de direito urbanístico brasileiro que se tem notícia, denominado Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, de 1975 – o conceito de urbanismo está relacionado à expressão “espaços habitáveis”. Conforme verifica:

[...] o Urbanismo transcedeu os problemas urbanos. Eles são compreendidos e tratados dentro de um todo em que a cidade se integra

11 Ibid., p. 27-28.

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com os espaços circunvizinhos e com outras cidades, em plano local, regional, nacional e, em próximo futuro, até mesmo continental e global. [...]

A dimensão social veio somar-se à física para tornar o Urbanismo a disciplina físico-social dos espaços habitáveis. (grifado no original).14

Lúcia Valle Figueiredo observa o seguinte:

[...] Daí se vê a amplitude que vem ganhando o termo, pois, na realidade, não se vai restringir apenas à cidade, à urbs, inserindo-se o problema do solo rural quer nas normas referentes ao Direito Urbanístico, quer nas concepções de Urbanismo.15

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Embora difícil de definir os contornos do urbanismo, pode-se aí incluir tudo o que se refere ao regulamento das construções, ao parcelamento do solo urbano, ao zoneamento, à preservação do patrimônio histórico artístico nacional, à higidez do meio ambiente, abrangendo a proteção das águas e das florestas.16

Por seu turno, José Afonso da Silva enfatiza que: “[...] o urbanismo objetiva a organização dos espaços habitáveis visando à realização da qualidade de vida humana” (grifado no original). 17

De acordo com o pensamento de Antônio Bezerra Baltar, que reflete a concepção da famosa Carta de Atenas, elaborada em 1933:

o urbanismo é uma ciência, uma técnica e uma arte ao mesmo tempo, cujo objetivo é a organização do espaço urbano visando ao bem-estar coletivo – através de uma legislação, de um planejamento e da execução de obras públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação do corpo e do espírito, circulação no espaço urbano.18

Corroborando as lições, aqui, trazidas, vale a pena reproduzir, também, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual:

[...] Urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. Entenda-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação, recreação.

14 P. 50. Note-se, entretanto, que antes da referida obra, estudos relativos ao direito urbanístico iniciaram-se com Hely Lopes Meirelles em capítulos de seu clássico Direito Municipal Brasileiro (1957) e no seu Direito de Construir (1961), além de artigos publicados em revistas especializadas, conforme observação trazida por José Afonso da Silva (Direito urbanístico brasileiro, explicações na nota de rodapé 2, p. 36).

15Disciplina urbanística da propriedade, p. 33. 16 Ibid, p. 31.

17 Ibid, p. 31.

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Assim sendo, o Urbanismo é incumbência de todos os níveis de governo e se estende a todas as áreas da cidade e do campo onde as realizações humanas ou a preservação da Natureza posam contribuir para o bem-estar individual e coletivo. Mas, como nas cidades se concentram as populações, suas áreas exigem mais e maiores empreendimentos urbanísticos, visando a oferecer o maior bem para o maior número – objetivo supremo do moderno Urbanismo (grifado no original).19

Mais adiante, o autor evidencia o papel tanto das normas técnicas

como das normas jurídicas para o alcance das finalidades urbanísticas, inferindo a relação entre Urbanismo e Direito:

O urbanismo de hoje, como expressão do desejo coletivo na organização dos espaços habitáveis, atua em todos os sentidos e em todos os ambientes, através de normas de duas ordens: normas técnicas de planejamento e construção, recomendadas pelas ciências e artes que lhe são tributárias; e normas jurídicas de conduta social, exigidas e impostas pelo ordenamento legal vigente. As primeiras disciplinam a utilização do solo, o traçado urbano, as áreas livres e os espaços verdes, as edificações, o sistema viário, os serviços públicos e o que mais se relacione com a ordenação comunitária; as últimas visam assegurar coercitivamente a observância das regras técnicas. Aquelas são normas-fins; estas, normas-meios. Ambas imprescindíveis para o atingimento dos objetivos urbanísticos.

Aí está a íntima correlação entre Urbanismo e Direito, permitindo-nos afirmar, mesmo, que não há, nem pode haver atuação urbanística sem imposição legal. Isto porque o Urbanismo é feito de limitações de ordem pública ao uso da propriedade particular e ao exercício de atividades individuais, que afetam a coexistência social. Para a ordenação da vida em sociedade, cada componente do agregado humano deve ceder parcela mínima de seus direitos, recebendo em retribuição segurança, higiene, conforto e bem-estar coletivos. Mas, como o egoísmo é da natureza humana, necessário se torna que um poder superior aos indivíduos – o Poder Público – intervenha imparcialmente na repartição dos encargos, impondo a todos, indistintamente, as restrições reclamadas pelo interesse da comunidade. Esta repartição de encargos só o Direito pode realizar, com igualdade, coercitividade e justiça. Eis aí o fundamento e a razão de ser das imposições de ordem urbanística. Imposições que se estendem a todos e a tudo que possa propiciar o maior bem para o maior número. O estudo dessas imposições é matéria do direito urbanístico (grifado no original).20

1.3 Atividade urbanística

A atividade urbanística é tida como a essência do objeto do direito urbanístico, razão pela qual não poderíamos deixar, aqui, de tecer algumas considerações acerca de seu significado.

José Afonso da Silva, pautando-se nos ensinamentos de Joseff Wolff, explica que essa atividade traduz-se na ação destinada a realizar os fins e

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aplicar os princípios do urbanismo.21 Segundo pensa, a atividade urbanística é uma função pública e consiste na “[...] intervenção do Poder Público com o objetivo de ordenar os espaços habitáveis [...]”22

Se função pública “[...] é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica”23, dizer que a atividade urbanística é função pública significa que ela é exercida no cumprimento do dever de alcançar um interesse público, que se traduz, no caso, no pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades.

Para José Afonso da Silva, a atividade urbanística se opera mediante intervenção na propriedade privada e na vida econômica e social das aglomerações urbanas (e, também, no campo). Por isso, gera conflitos entre o interesse coletivo à adequada ordenação dos espaços habitáveis, para o melhor exercício das funções sociais da cidade, e os interesses individuais. À medida que se exerce constrangendo e limitando interesses privados, a atividade urbanística “há de exercitar-se segundo normas de lei naquilo em que crie direitos ou imponha obrigações aos particulares”.24

Ao conceituar a atividade urbanística como intervenção do Poder Público e dizer que ela está submetida ao princípio da legalidade, poder-se-ia supor que o autor pretendeu considerá-la, além de função pública, como função administrativa, atrelada à idéia aplicação de atos concretos, baseados na lei, para cumprir as finalidades assinaladas no ordenamento jurídico.

Entretanto, numa análise mais apurada, não se pode deixar de reconhecer que se trata uma atividade complexa, que implica a expedição de atos jurídicos da mais diversa natureza, resultantes de uma etapa intelectual e outra material, ou seja, a atividade urbanística envolve tanto planejamento como execução. Vale dizer, com base naquilo que é elaborado intelectualmente ou planejado, a Administração deve tomar decisões, expedir ordens, firmar contratos, realizar obras públicas, regulamentar o uso dos logradouros públicos, etc.

21Direito urbanístico brasileiro, p. 31. 22 Ibid, p. 34.

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Ao se referir à atividade urbanística, Mariana Mencio se manifesta no sentido de que ela abrange tanto a função política como a função administrativa do Estado:

[...] a atividade urbanística envolve o sentido amplo de Administração Pública, pois abrange atividades de governo e administração, isto é, planejamento e execução. No primeiro caso, encontra-se a vertente da elaboração da política urbana, através da edição de leis de zoneamento, uso e ocupação do solo, Planos Diretores, leis orçamentárias, e, no segundo caso, das atividades de intervenção urbanística, que compreendem atos de expedição de licenças de construção, autorizações, concessão de outorga onerosa.25

Segundo Daniela Libório, “de forma geral, melhor será colocar a expressão no plural, atividades urbanísticas, tendo em vista que estas se reportam a todas as ações destinadas a realizar o urbanismo e a urbanificação”26 (grifado no original). No que diz respeito às divisões internas da atividade urbanística, a autora explica que:

[...] a dinâmica da realização urbanística prescinde de certa seqüência entre suas etapas: plano urbanístico; elaboração de normas jurídicas específicas; execução de atividade urbanística e, dentro da execução, a utilização de instrumentos urbanísticos [...].27

Considerando-se que tanto a formulação da política urbana, como a elaboração de normas jurídicas fazem parte da atividade urbanística, sem embargo de entendimentos contrários, é forçoso reconhecer que tal atividade representa não apenas exercício de função administrativa, mas envolve, também, as funções políticas e legislativas do Estado.

Importante registrar que “o planejamento é – como diz Joseff Wolff – o princípio de toda atividade urbanística, pois quem impulsiona e exerce essa ação de ordenação precisa ter consciência do que quer alcançar com tal influxo [...]”.28

Depreende-se, portanto, que a atividade urbanística não pode configurar um aglomerado de intervenções sem rumo, mas deve ser racionalmente planejada.

25Regime jurídico da audiência pública na gestão democrática das cidades, p. 27. 26 Elementos de direito urbanístico, p. 61.

27 Ibid., p. 62.

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1.4 Definição de direito urbanístico

Impõe-se, agora, dizer, com precisão, o que se entende por direito urbanístico.

No conceito formulado por José Afonso da Silva, “O direito urbanístico objetivo consiste no conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade” (grifado no original).29

Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto “[...] pode-se conceituar o Direito Urbanístico como o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento relacionado aos espaços habitáveis”.30

O autor adverte, porém, que não se trata de um Direito Urbano, que se refere à cidade, em oposição ao campo. De acordo com o seu pensamento, direito urbanístico é a “disciplina jurídica do Urbanismo”, que não se opõe, mas se integra ao rural, sendo aplicável a todos os espaços habitáveis.31

Dizer que as normas que compõem o Direito Urbanístico disciplinam os espaços habitáveis significa, portanto, que elas alcançam não apenas o espaço urbano, como, também, as áreas rurais que nele interferem, como, também, é o entendimento esposado por Hely Lopes Meirelles:

As exigências urbanísticas desenvolveram-se de tal modo nas nações civilizadas e passaram a pedir soluções jurídicas, que se criou em nossos dias o direito urbanístico, ramo do direito público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo. Na amplitude desse conceito, incluem-se todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer de suas quatro funções essenciais na comunidade: habitação, trabalho, circulação e recreação, excluídas somente as terras de exploração agrícola, pecuária ou extrativa, que não afetem a vida urbana (grifado no original) Segundo essa conceituação, cabem no âmbito do direito urbanístico não só a disciplina do uso do solo urbano e urbanizável, de seus equipamentos e de suas atividades, como a de qualquer área, elemento ou atividade em zona rural que interfira no agrupamento urbano, como ambiente natural do homem em sociedade. Essa concepção de ampla abrangência do direito urbanístico é a dominante entre seus iniciadores alienígenas e seus primeiros cultores no Brasil (grifado no original).32

29Direito urbanístico brasileiro, p. 49.

30Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, p. 56. 31 Ibid., mesma página.

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Assim, embora a etimologia do vocábulo “urbanismo” seja vinculada à “urbs” (cidade), é preciso ter o desvelo para não se identificar o âmbito de incidência do direito urbanístico como restrito às áreas urbanas dos Municípios. Na verdade, suas normas abrangem o território municipal como um todo, inclusive, as áreas rurais, que - embora em menor medida - também, podem estar voltadas ao desenvolvimento de uma das funções sociais da cidade, que foram definidas, na Carta de Atenas como: habitação, trabalho, circulação e lazer.

Neste sentido, manifesta-se Júlia Maria Plenamente Silva:

[...] Ainda que as funções sociais da cidade desenvolvam-se com maior intensidade no núcleos urbanos, o Município, para atender o interesse local, não pode deixar de promovê-las também no território rural. Deverá, contudo, respeitar as características do território que ensejarão tratamento diferenciado, bem como a competência da União para tratar de direito agrário e, dessa forma, regular as atividades econômicas e rurais.33

Hely Lopes Meirelles afirma que:

[...] o direito urbanístico visa precipuamente à ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também sobre as áreas rurais, no vasto campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente relacionadas com as condições da vida humana em todos os núcleos populacionais, da cidade e do campo [...].34

Segundo o autor, a ação urbanística do Município

[...] é plena na área urbana e restrita na área rural, pois que o ordenamento desta, para suas funções agrícolas, pecuárias e extrativas compete à União, só sendo lícito ao Município intervir na zona rural para coibir empreendimentos ou condutas prejudiciais à coletividade urbana, ou para preservar ambientes naturais de interesse público local.35

Feita essa advertência, resulta que, de fato, as normas urbanísticas incidem amplamente na zona urbana, mas isso não significa que estejam alheias às zonas rurais, na medida em que estas possam afetar a vida urbana.

Corroborando esse entendimento, Carlos Ari Sundfeld aponta o seguinte:

Tem se discutido se as áreas rurais são ou não alcançadas pela regulação do direito urbanístico; pergunta a que os especialistas vêm dando resposta enfaticamente positiva, baseados em uma visão integrada da cidade (visão, essa, aliás, acolhida pelo art. 40, § 2º, do Estatuto da Cidade, segundo o qual o plano diretor municipal “deverá englobar o território do Município como um todo”). É preciso, porém, algum cuidado com as simplificações. A Constituição isola, em capítulos separados, a política urbana (arts. 182-183) e a política fundiária (arts. 184-191), esta última ligada ao problema social

33O planejamento urbano enquanto dever jurídico do Estado, p. 51. 34 Op. cit., p. 526.

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da distribuição das terras (reforma agrária) e de sua exploração econômica. Assim, o direito agrário é efetivamente um limite do direito urbanístico, pois a política urbana não pode tomar para si definições que são próprias da política fundiária (agrária). Mas isso não quer dizer que o direito urbanístico seja alheio ao meio rural, pois a ele cabe a disciplina (a) da passagem de uma área da zona rural para a zona urbana (segundo o art. 182, § 1º, da CF, cabe ao plano diretor municipal fixar a “política de expansão urbana”), (b) da proteção dos recursos naturais necessários ao desenvolvimento da cidade como um todo (como as águas e o ar), independentemente da zona em que situados, (c) das relações em geral entre o meio rural e o meio urbano e (d) das questões espaciais do meio rural, naquilo que não esteja diretamente vinculado à política agrária.36

Registre-se, portanto, que o objetivo do direito urbanístico não consiste em ordenar as atividades agropastoris ou extrativas, mas suas normas recaem sobre a ordenação do uso e ocupação das áreas rurais que estejam relacionadas com o planejamento urbano.

Este raciocínio coaduna-se com o pensamento de Lúcia Valle Figueiredo, que define o direito urbanístico como “[...] o conjunto de normas disciplinadoras do ordenamento urbano”37.

Destaca-se, também, o pensamento do doutrinador espanhol Antonio Carceller Fernández, segundo o qual:

O Direito urbanístico, ou talvez mais propriamente a legislação urbanística, é um conjunto de normas jurídicas que, por si mesmas ou através do planejamento que regulam, estabelecem o regime urbanístico da propriedade do solo e a ordenação urbana e regulam a atividade administrativa direcionada ao uso do solo, à urbanização e à edificação.38

É de se notar, ainda, que, dentro de um mesmo município, existem vários núcleos tipicamente urbanos que, apesar de situados na zona urbana, não contêm a sede do governo municipal, ou seja, que não se ajustam ao conceito jurídico-político de cidade39, mas nem por isso deixam de ser objeto de regulação do

direito urbanístico.

36 O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/01, explicações na nota de rodapé 10. 37Disciplina urbanística da propriedade, p. 32.

38 Tradução livre do autor. No texto original: “El Derecho urbanístico, o quizá más propriamente la legislación urbanística, es um conjunto de normas jurídicas que, por sí mismas o a través del planeamiento que regulan, establecen el regímen urbanístico de la propriedad del suelo y la ordenación urbana y regulan la actividad administrativa encaminada al uso del suelo, la urbanización y la edificación” (Introducción al derecho urbanístico, p. 17).

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Por essas razões, é importante ressaltar que, para fins urbanísticos, deve-se compreender por cidade tanto o território urbano – que seja ou não sede do governo municipal – como, também, as áreas até então rurais à medida que passem a ser utilizadas com atividades abrangidas pelo conceito funções sociais da cidade.

Este pensamento encontra-se afinado com a proposta trazida por Júlia Maria Plenamente Silva, segundo a qual o direito urbanístico corresponde ao

[...] ramo do direito público que tem por objeto normas jurídicas de ordenação de todo o território de um município, destinadas ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, consistente em habitação, trabalho, lazer e circulação.

Assim, [...] ao elaborar e executar o planejamento urbano, deverá o Poder Público ter por finalidade a consecução das funções sociais da cidade, interesse público qualificado que identifica o direito urbanístico enquanto ciência, de modo que se não visar o alcance das funções sociais da cidade, não estará o Estado cumprindo o dever jurídico decorrente das normas de direito urbanístico.40

Frise-se, portanto, que as normas urbanísticas têm por finalidade a otimização das funções sociais da cidade e, por conseguinte, proporcionar a melhora na qualidade de vida das pessoas que nela vivem.

1.5 Interfaces entre o direito urbanístico e o direito administrativo

O direito urbanístico é considerado um ramo relativamente novo do Direito, cujas normas passaram a ser desenvolvidas à medida que os aglomerados urbanos foram adquirindo complexidade.

Igualmente inserido no campo do direito público, que se ocupa dos interesses da coletividade, caracterizado pela idéia de função, de dever de atendimento dos interesses públicos, não se pode deixar de reconhecer sua imbricada relação com o direito administrativo. Aliás, boa parte da doutrina o considera, apenas, um braço do direito administrativo, por considerar que suas normas não passam de normas referentes ao poder de polícia.

José Afonso da Silva, embora discordante dessa posição a qual considera reducionista, entende que as normas de direito urbanístico, todavia, não adquiriram unidade substancial e, portanto, ainda, é cedo para atribuí-lo autonomia científica. Segundo pensa: “[...] é prudente considerá-lo como uma disciplina de

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síntese, ou ramo multidisciplinar do Direito, que aos poucos vai configurando suas próprias instituições” (grifado no original).41

Por outro lado, o autor enfatiza que autonomia é um conceito relativo, ou seja, dizer que uma disciplina jurídica é autônoma não implica que ela seja independente, tendo em vista que o Direito é uma unidade. Por essa razão, nenhuma disciplina jurídica possui autonomia jurídica, mas pode possuir autonomia didática e autonomia científica:

[...] a primeira justificada pela oportunidade de circunscrever o estudo a um grupo de normas que apresentam particular homogeneidade relativamente a seu objeto mas ainda se acham sujeitas a princípios de outro ramo; a segunda quando, além da necessidade indicada, verifica-se a formação de princípios e institutos próprios.42

Nessa ordem de raciocínio, um ramo do Direito só adquire autonomia científica quando suas normas se desenvolveram a ponto de gerar, em torno de seu objeto específico, princípios, conceitos e institutos próprios.

Para José Afonso da Silva, como já mencionado, o direito urbanístico, ainda, não firmou essa autonomia científica “[...] dado que só muito recentemente suas normas começaram a desenvolver-se em torno do objeto específico que é a ordenação dos espaços habitáveis ou a sistematização do território [...]”.43

Por sua vez, adverte Toshio Mukai:

De nossa parte, embora admitindo o posicionamento de José Afonso da Silva, concebendo o direito urbanístico como disciplina de síntese, sem autonomia própria, entendemos necessário, no estágio atual do urbanismo brasileiro, não deixar de enfatizar a enorme vinculação ee dependência do nosso direito do urbanismo ao direito administrativo, tendo em vista que ele evolui basicamente, no Brasil, como um desenvolvimento técnico-jurídico do direito administrativo (sua origem é esta), conforme se pode observar em nossa doutrina, na jurisprudência e até mesmo em nossa parca legislação existente.44

Em contrapartida, já se vislumbram entendimentos doutrinários que propugnam a autonomia do direito urbanístico. Nesta esteira, figura o posicionamento da prof° Daniela Campos Libório di S arno:

É possível falar em autonomia do Direito Urbanístico por ter ele objeto próprio e específico, que o diferencia de todo e qualquer outro ramo da ciência jurídica. Independe que alguns dos instrumentos utilizados também

41 Ibid., p. 44.

42Direito urbanístico brasileiro, p. 42. 43 Ibid, p. 43.

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encontrem guarida em outros ramos do Direito Público, pois se estão sob sua égide, nada mais natural que seus ramos da ciência jurídica tenham semelhanças próprias de teoria geral, porém não lhes inibindo a particularidade de objetivos. Assim, não entendemos o Direito Urbanístico como um simples capítulo do Direito Administrativo.45

Pode-se afirmar que a tese da autonomia do direito urbanístico só se revela sustentável à medida que é possível identificar um conjunto sistematizado de normas - princípios e regras - que lhe conferem identidade. Em outras palavras, é preciso que do universo do sistema jurídico se possa extrair um conjunto de normas com unidade e coerência próprias, de tal sorte que passam a compor o objeto do direito urbanístico.46

Consoante as lições de Márcio Cammarosano:

Falar em autonomia deste ou daquele ramo do direito implica identificar, compondo cada qual, plexos normativos a respeito de um dado objeto, com reconhecimento da incidência de princípios peculiares que conferem identidade própria ao ramo considerado, ensejando estudá-lo como sistema.47

De acordo com as explicações trazidas pelo autor, o direito urbanístico é composto de normas que eram objeto de estudo do direito administrativo. Conforme verifica:

Essas normas consubstanciam a disciplina jurídica dos espaços urbanizados e a urbanizar. E em razão mesmo do vertiginoso adensamento populacional, formando grandes centros e conglomerados urbanos, com os imensos e variados desafios daí decorrentes, a reclamar planejamento e soluções da maior abrangência e complexidade, a disciplina normativa dos espaços vocacionados para tanto adquiriu tal dimensão que passou a reclamar estudos jurídicos nela concentrados, cada vez mais aprofundados e sistematizados.

Referida produção normativa intensa e complexa, e a concomitante exigência de estudos jurídicos especializados, chegou a tal ponto que tornou-se forçoso reconhecer a formação de um novo ramo do direito: o direito urbanístico, sem embargo de sua herança genética do direito administrativo.48

45Elementos de direito urbanístico, p. 57.

46 A palavra sistema, consoante a lição de Geraldo Ataliba, denomina a composição de elementos sob uma perspectiva unitária (Sistema constitucional tributário brasileiro, p. 04). Norberto Bobbio traz as seguintes explicações: “Entendemos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema nos perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação (grifado no original) (Teoria do ordenamento jurídico, p. 71).

47 Direito administrativo, urbanístico e ambiental: interfaces. In: BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio (coord.). Direito ambiental e urbanístico, p. 14.

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Mais adiante, o professor conclui dizendo tratar-se o direito urbanístico de disciplina jurídica que possui identidade própria, com matriz constitucional e princípios basilares a informá-lo, conquanto compartilhe categorias já conhecidas do direito administrativo, do qual emana. Sustenta, portanto, sua autonomia, ainda que sempre relativa.49

Convém lembrar, também, o que ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] um ramo jurídico é verdadeiramente “autônomo” quando nele se reconhecem princípios que formam em seu todo uma unidade e que articulam um conjunto de regras de maneira a comporem um sistema, “um regime jurídico” que o peculiariza em confronto com outros blocos de regras (grifado no original).50

No que toca ao direito urbanístico, dentre os seus princípios informadores, merecem destaque o da função social da propriedade e o das funções sociais da cidade, por constituírem o núcleo da política urbana. É, precipuamente, com base em tais princípios que se legitima a atividade urbanística.

José Afonso da Silva embora considere que os princípios do direito urbanístico carecem de elaboração científica mais precisa, adverte que já é possível perceber a formação de certas instituições e institutos que delineiam sua estrutura. Em suas palavras:

[...] o conjunto de normas que configura a ordenação jurídica dos espaços habitáveis dá origem a verdadeiras instituições de direito urbanístico, como: o planejamento urbanístico (traduzido formalmente em planos urbanísticos), o parcelamento do solo urbano ou urbanizável, o zoneamento de uso do solo, a ocupação do solo, o reparcelamento. Em cada uma dessas instituições encontramos institutos jurídico-urbanísticos, como: o arruamento, o loteamento, o desmembramento, a outorga onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas, o direito de superfície, o direito de preempção, a transferência do direito de construir, a regularização fundiária, os índices urbanísticos (taxa de ocupação do solo, coeficiente de aproveitamento do solo, recuos, gabaritos) (grifado no original).51

Conquanto a autonomia do direito urbanístico seja tema recorrente entre os estudiosos do assunto, mais importante do que solucionar essa questão é admitir que autonomia não é sinônimo de independência.

É certo que o Poder Público encontra no direito administrativo vários institutos de que se utiliza no exercício de atividade urbanística. Além do mais, muitos dos atos provenientes da atividade urbanística são expedidos no exercício de

49 Ibid., p. 16.

50Curso de direito administrativo, p. 28.

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função administrativa. É ela que viabiliza os instrumentos que são considerados próprios do direito urbanístico, como a licença urbanística, por exemplo.

Cumpre agregar, ainda, que, independentemente da questão de sua autonomia, não pairam dúvidas no que diz respeito ao direito urbanístico ser ramo pertencente ao direito público, porquanto: “[...] as relações que estabelecem têm sempre como titular uma pessoa de direito público; protegem interesse coletivo e são compulsórias”.52

Retomando-se as lições de Márcio Cammarosano, afirmar que o direito urbanístico, assim como o direito ambiental e o direito administrativo, constitui ramo do direito público implica reconhecer que suas normas são informadas por alguns princípios de direito público comum - dentre os quais se reporta àqueles explicitados no art. 37 da Constituição da República – além do fato de existirem algumas categorias jurídicas compartilhadas, como as noções de limitação à liberdade e à propriedade, função administrativa, ato e processo administrativo.53

52 Ibid, p. 44.

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2. Política urbana e circulação

Cumpre, desde logo, ressaltar que “a Constituição de 1988, pela primeira vez na história constitucional do País, consagra um capítulo à política urbana”.54

Para melhor compreender o tratamento constitucional dispensado a essa política, cumpre, antes, indagar o significado de políticas públicas.

2.1 Políticas públicas

Consoante a proposta trazida por Maria Paula Dallari Bucci, “[...] as políticas são instrumentos de ação dos governos [...]” e apresentam como núcleo a

função de governar.55

Integram a função política ou de governo – conforme nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello - “[...] atos de superior gestão da vida estatal ou de enfrentamento de contingências extremas que pressupõem, acima de tudo, decisões eminentemente políticas [...]”56. Segundo define, “política pública é um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os une ao objetivo comum de empreender ou prosseguir um dado projeto governamental para o País”.57

Na mesma linha, Maria Sylvia Zanella di Pietro concebe a função política como “[...] aquela que traça as grandes diretrizes, que dirige, que comanda, que elabora os planos de governo nas suas várias áreas de atuação [...]”.58 Segundo

coloca, há uma estreita relação entre os conceitos de função política e função administrativa: “Basicamente, a função política compreende as atividades co-legislativas e de direção; e a função administrativa compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia”.59

No que tange ao exercício da função política, a par das demais funções do Estado – legislativa, jurisdicional e administrativa – é preciso reconhecer que ela se distribui entre os três poderes da União. Predomina, no entanto, a atuação do Poder Executivo.

54 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 816. 55Direito administrativo e políticas públicas, p. 252.

56Curso de direito administrativo, p. 37. 57Curso de direito administrativo, p. 814.

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Na realidade, existe uma preponderância do Poder Executivo no exercício das atribuições políticas; mas não existe exclusividade no exercício dessa atribuição. No direito brasileiro, de regime presidencialista e com grande concentração de poderes nas mãos do Presidente da República, é justificável a tendência de identificar-se o Governo como o Poder Executivo. E quando se pensa em função política como aquela que traça as grandes diretrizes, que dirige, que comanda, que elabora os planos de governo nas suas várias áreas de atuação, verifica-se que o Poder Executivo continua, na atual Constituição, a deter a maior parcela de atuação política, pelo menos no que diz respeito às iniciativas, embora grande parte delas sujeitas à aprovação, prévia ou posterior, do Congresso Nacional; aumenta a participação do Legislativo nas decisões do Governo.

Pode-se dizer que no direito brasileiro as funções políticas repartem-se entre Executivo e Legislativo, com acentuada predominância do primeiro (grifado no original).60

Neste mesmo sentido, Maria Paula Dallari Bucci sustenta que o mais adequado seria a formulação das políticas públicas ficar a cargo do Poder Executivo, a quem compete realizá-las de acordo com as diretrizes e limites aprovados pelo Legislativo.61

A autora identifica certa proximidade entre as noções de política pública e plano, uma vez que freqüentemente as políticas públicas são exteriorizadas através de planos. No entanto considera que “a política é mais ampla que o plano e define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados [...]”.62

Para Nelson Saule Júnior:

As políticas públicas compreendem o planejamento, os planos e programas de ação e projetos. Com relação ao plano que é o principal instrumento de planejamento, e que materializa a política públicaos objetivos, as diretrizes, as metas, os órgãos do sistema de gestão, os instrumentos e procedimentos da política devem ser estabelecidos por lei.63

Cumprem, aqui, algumas considerações acerca da idéia de planejamento que, à luz do sistema constitucional, revela-se um dever jurídico.

Com base em José Afonso da Silva:

O processo de planejamento encontra fundamentos sólidos na CF de 1988, quer quando, no art. 21, IX, reconhece a competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, quer quando, no art. 174, § 1°, inclui o planejamento entre os instrumentos de atuação do Estado no domínio econômico, estatuindo que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual

60 PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 53. 61Direito administrativo e políticas públicas, p. 271. 62 Ibid., p. 259.

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incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”, ou, ainda, quando, mais especificamente, atribui aos Municípios competência para estabelecer o planejamento e os planos urbanísticos para o ordenamento do seu território (arts. 30, VIII, e 182). O planejamento, assim, não é mais um processo dependente da mera vontade dos governantes. É uma previsão constitucional e uma provisão legal. Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, que são os instrumentos consubstanciadores do respectivo processo [...] (grifado no original).64

Importante ressaltar que o planejamento que - num primeiro momento, envolve a elaboração de estudos técnicos multidisciplinares, destinados a identificar necessidades e apontar soluções que se amoldem à realidade local - só adquire sentido jurídico quando manifestado em planos que, em face do princípio da legalidade, disposto no art. 5°, II e art. 37 da Co nstituição Federal, devem ser aprovados por lei. Antes disso, o planejamento não passa de um processo técnico.65 Nelson Saule Júnior aponta que “na Constituição estão previstas as políticas públicas que devem ser implementadas e os instrumentos desta política, como os planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social [...]”. Em se tratando de política urbana, infere que estão previstos os planos nacionais e regionais de ordenação do território e, no âmbito do Município, o plano diretor, como instrumento básico desta política.66

2.2 Política urbana

A Constituição de 1988 vinculou, expressamente, a política urbana ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e à garantia do bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput), estabelecendo o plano diretor como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, §1°), a ser executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes fixadas em lei (art. 182, caput).

É notória a importância que a nossa Lei Maior representou para a afirmação da existência e na fixação dos objetivos e instrumentos do direito urbanístico, como expressa Carlos Ari Sundfeld:

64Direito urbanístico brasileiro, p. 88.

65 O planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos [...]” (grifado no original). SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 87.

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O papel que a Constituição de 1988 implicitamente assinalou ao direito urbanístico é o de servir à definição e implementação da “política de desenvolvimento urbano”, a qual tem por finalidade “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (art. 182, caput). O direito urbanístico surge, então, como o direito da política de desenvolvimento urbano, em três sentidos: a) como conjunto das normas que disciplinam a fixação dos objetivos da política urbana (exemplo: normas constitucionais); b) como conjunto de textos normativos em que estão fixados os objetivos da política urbana (os planos urbanísticos, por exemplo); c) como conjunto de normas em que estão previstos e regulados os instrumentos de implementação da política urbana (o próprio Estatuto da Cidade, entre outros) (grifado no original).67

Realizar as funções sociais das cidades importa criar condições para que estas se prestem às necessidades sociais de moradia, habitação, trabalho, educação, saúde, lazer, circulação, etc.

Trata-se de objetivo afeto diretamente à qualidade de vida daqueles que vivem nas cidades – idéia, inclusive, reforçada no texto constitucional pela expressão “bem-estar de seus habitantes”.

Feitos esses registros, impende, agora, analisar as competências urbanísticas, para que seja possível compreender o papel de cada ente federativo na consecução dos fins da política de desenvolvimento urbano.

2.2.1 A competência dos entes federativos

Até a promulgação da Constituição de 1988, não havia uma distribuição constitucional de competências relativa ao Direito Urbanístico, mas a doutrina já sustentava que a matéria incidia no âmbito tanto da União, como dos Estados e dos Municípios.

Do texto constitucional, decorre que à União cabe editar normas gerais de direito urbanístico (art. 24, I e § 1°), estabelecer planos urbanísticos nacionais e regionais (art. 21, IX), além de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano (art. 21, XX).

Aos Estados compete suplementar as normas gerais estabelecidas pela União (art. 24, I e § 2°). A propósito, esclar ece José Afonso da Silva: “Abre-se aos Estados, aí, no mínimo, a possibilidade de estabelecer normas de coordenação

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dos planos urbanísticos no nível de suas regiões, além de sua expressa competência para estabelecer regiões metropolitanas (art. 25, § 3°)”.68

No que toca aos Municípios, cabe, primeiramente, lembrar que a Constituição de 1988 reconhece expressamente sua autonomia, nos termos do art. 34, VII, alínea “c”.

Roque Carrazza apresenta a seguinte definição:

A autonomia municipal, sob a ótica do direito, é a faculdade que a pessoa política município tem de, dentro do círculo de competência pré-traçado pela Constituição, organizar, sem interferências, seu governo e estabelecer sponte propria, suas normas jurídicas (João Mangabeira). Este último aspecto (competência para legislar) ganha particular relevo, para que bem se caracterize a autonomia jurídica do Município.69

Quanto à competência constitucionalmente atribuída, aos Municípios cumpre legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I). Neste ponto, Hely Lopes Meirelles esclarece o seguinte: ”o que define e caracteriza o ‘interesse local’, inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União”.70

Mais adiante, conclui o autor “[...] que tudo quanto repercutir direta e imediatamente na vida municipal é de interesse peculiar do Município, embora possa interessar também indiretamente e mediatamente ao Estado-membro e à União [...]”.71

Conforme adverte José Afonso da Silva:

[...] A competência municipal não é meramente suplementar de normas gerais federais ou de normas estaduais, pois não são criadas com fundamento no art. 30, II. Trata-se de competência própria que vem do texto constitucional.

Em verdade, as normas urbanísticas municipais são as mais características, porque é nos Municípios que se manifesta a atividade urbanística na sua forma mais concreta e dinâmica. Por isso, as competências da União e do Estado esbarram na competência própria que a Constituição reservou aos Municípios, embora estes tenham, por outro lado, que conformar sua atuação urbanística aos ditames, diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano estabelecidos pela União e às regras genéricas de coordenação expedidas pelo Estado.72

68 Op. cit., p. 124.

69 Autonomia municipal, tributação e constituinte. Revista de direito constitucional e ciência política, p. 14 apud VICHI, Bruno de Souza. Política urbana: sentido jurídico, competências e responsabilidades, p. 138.

70Direito municipal brasileiro, p. 111. 71 Ibid., p. 112.

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Aos Municípios cabe, ainda, promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII) e executar a política de desenvolvimento urbano, de acordo com as diretrizes gerais fixadas pela União (art. 182).

Hely Lopes Meirelles lembra que:

[...] Visando o Urbanismo, precipuamente, à ordenação espacial e à regulação das atividades humanas que entendem com as quatro funções sociais – habitação, trabalho, recreação, circulação -, é óbvio que cabe ao Município editar normas de atuação urbanística para seu território, especialmente para a cidade, provendo concretamente todos os assuntos que se relacionem com o uso do solo urbano, as construções, os equipamentos e as atividades que nele se realizam, e dos quais dependem a vida e o bem-estar da comunidade local (grifado no original).73

Entretanto, por mais que a atuação urbanística preponderante fique a cargo dos Municípios, a quem compete executar a política urbana, através do Plano Diretor, de forma a atender as peculiaridades locais, esta não deve ficar atrelada, apenas, a objetivos intra-urbanos, mas fazer parte de uma política de desenvolvimento econômico e social mais abrangente. Isso porque:

A concepção da política de desenvolvimento urbano da Constituição decorre da compatibilização do art. 21, XX, que dá competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, com o art. 182, que estabelece que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes e é executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei. Entenda-se: conforme as diretrizes instituídas por lei federal nos termos do art. 21, XX. Por certo também que essas diretrizes instituídas pela União é que consubstanciam a política de desenvolvimento urbano, pois que uma política há de ser uma política nacional de desenvolvimento urbano que, por seu turno, há de ser elemento da política nacional de desenvolvimento em geral. Foi com base nesse dispositivo que a União expediu o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) (grifado no original).74

A repartição constitucional de competências urbanísticas traduziu a necessidade de envolver todos os entes federativos no enfrentamento dos problemas urbano, como mostra Nelson Saule Júnior:

[...] a constitucionalização de normas referentes ao direito urbanístico foi uma necessidade que se impôs diante dos problemas urbanos que não podem mais ser compreendidos como uma questão local, de uma região mais desenvolvida, mas sim como uma questão nacional pelos efeitos que ocasiona nos aspectos econômicos e sociais para a maioria da população brasileira que vive nas cidades, tornando-se relevante para o enfrentamento

73 Op. cit., p. 548.

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