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Limites à utilização da internet durante a relação de emprego

Como já dito no capítulo inicial da pesquisa, o bom senso deve sempre ser preservado nas relações de trabalho. Cabe, portanto, ao empregador aplicar uma punição ao empregado, e, assim, as permissões, proibições e limitações podem ser impostas e devem ser respeitadas pelos empregados, mas tudo dentro da lei. As penalidades que o empregado receber depende das circunstâncias em que foi praticado o ato. O empregador pode dar advertência, suspender ou rescindir o contrato por justa causa. Por essa razão, o empregado precisa ter consciência de que, mesmo a empresa tendo liberado o uso de meios tecnológicos, o acesso a algumas ferramentas no ambiente de trabalho preciso ser feito com ética, disciplina e seriedade, além de observar as limitações legais, mencionadas as seguir.

No local de trabalho, são presenciadas, muitas vezes, a possibilidade de conexão irrestrita às já mencionadas NTICs, de modo a possibilitar o uso e acesso às redes sociais, a e-mails corporativos e pessoais, e a toda e qualquer informação tecnológica. Enquanto algumas corporações dependem e, portanto, liberam irrestritamente o uso tecnológico, outras empresas limitam seu uso durante a jornada de trabalho. É algo que depende muito da atividade fim da empresa e também de acordos tácitos ou expressos a respeito das NTICs.

É um novo cenário, como já mencionado, de modo que a organização tradicional do trabalho e os direitos dela emanantes se condicionam, necessariamente, a estas modificações advindas da revolução tecnológica. Nas palavras de Sako (2014, p. 34), a “mudança radical de paradigmas na forma de produzir, trabalhar e de se relacionar repercute no direito do trabalho, em aspectos como organização e representação de trabalhadores, tempo e condições de trabalho e remuneração.”

Nesse sentido, é válido afirmar que, na maioria dos casos, o contrato de trabalho “tradicional” perde seus traços característicos, uma vez que o regime de dependência é alterado e se torna mais flexível. Também o ordenamento jurídico laboral sofre contínuas e substanciais novidades, pois, ainda que a sociedade tenha na categoria “trabalho” sua célula central, desenvolve novos sistemas de gestão e administração que destoam enormemente dos modelos jurídicos tradicionais. No ensinamento de Sako (2014, p. 35),

a dimensão laboral tecnológica traz novos conflitos, especialmente, sobre o uso e limites das novas tecnologias da empresa pelos trabalhadores e seus representantes sindicais, controle empresarial de ditos usos, exercício do poder de direção e vigilância do empresário.

Essa gama de alterações nas estratégias corporativas levam também a crises de solidariedade entre os trabalhadores, a exemplo da fragmentação, individualização, corporativismo, além da precarização das condições de vida e de trabalho de alguns grupos. Até mesmo a atividade sindical é alterada, de modo que, a pretexto de defesa dos direitos dos trabalhadores, centram suas atividades no diálogo e passam a participar até mesmo das decisões estratégicas da empresa e a dividir os riscos do mercado com os trabalhadores. Nas palavras do autor, esse conjunto de fatores “deixa de ser um marco único de referência normativa, cedendo, a cada dia, aos apelos pela desregulamentação e flexibilização.” (SAKO, 2014, p. 35).

Conforme o autor,

Os direitos fundamentais são diretamente afetados nas relações de trabalho, em aspectos como intimidade informática, sigilo das comunicações, meio ambiente informatizado, seguro e saudável, tempo de trabalho, direitos de propriedade intelectual, relações laborais transnacionais, negociação coletiva e direito de greve no trabalho a distância. O trabalho tecnológico afasta-se dos paradigmas conceituais, especialmente, o que se entende por centro de trabalho, relação de emprego, subordinação jurídica. As novas formas de trabalhar rompem o equilíbrio tradicional entre o contrato de trabalho e as partes desse contrato, uma vez que a produtividade não depende mais da presença física do trabalhador e nem da utilização intensiva da mão-de-obra. (SAKO, 2014, p. 35).

Ainda, destaca Sako (2014, p. 49) que:

A subordinação jurídica, portanto, é evidente; o que muda é apenas a forma como é exercida, provocando inclusive, uma desestabilização do equilíbrio das forças. Mesmo no trabalho intelectual, o teletrabalhador não é menos subordinado que o profissional liberal que se ocupa do software. Surge um novo feudalismo, que exige do trabalhador adaptação tecnológica e digitalizada inerentes ao mundo virtual, que permaneça ligado à rede ou

stand alone, em contato direito com a empresa, devendo responder às

mensagens de seu alphapage, atender às urgências, trabalhar quando chamado ou em condições habituais, a fortiori. Dissipam-se os elementos tradicionalmente exigidos para a configuração da relação de emprego (CLT, art. 3º), sem que desapareça a subordinação jurídica, agora centrada na informática, e a dependência econômica do trabalhador em relação ao tomar de seus serviços.

Sendo o cenário que opera conjuntamente com trabalho & conectividade, para qualificar a relação como de emprego, efetivamente, salienta ainda a autora que será necessário verificar a presença de outros elementos, como: fixação de prazos para conclusão do trabalho, aplicação de sanções por atrasos, exigência de apresentação de resultados satisfatórios, dependência econômica, propriedade dos instrumentos de trabalho e dos programas informáticos etc. (SAKO, 2014).

Nesse contexto, surge na leitura do processo de busca da pesquisa uma expressão que chama a atenção “direito à desconexão”, que pode ser entendido como aquele direito do trabalhador de estar disponível para o empregador nas suas horas de descanso, feriados e momentos diversos. Souto Maior (2003, p. 23) esclarece a esse respeito que o não trabalho aqui referido não é visto no sentido de não trabalhar completamente e sim no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste cenário marcado pela evolução da tecnologia, pela definição do mercado e pelo atendimento, em primeiro plano, das exigências do consumo, como exposto no Art. 62 (I e II), CLT, abaixo transcrito:

Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento). (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994). (BRASIL, 1943).

Ante tantas tecnologias que usam meios de comunicação e todos com acesso a internet, torna-se corriqueiro e perceptível ver os trabalhadores de férias conectados com suas tarefas profissionais, usando algum meio de acesso para dar andamento às suas tarefas, e atividades na empresa. O trabalhador assina as férias, não vai à empresa, mas a empresa e as atividades não saem da vida do trabalhador. Isso afeta sua vida, seu bem-estar com a família e com pessoas próximas.

O direito à desconexão do trabalho representa, nas palavras de José Filho (2016), a defesa do empregado contra atos abusivos do empregador, principalmente no que diz respeito ao tempo de sujeição do trabalhador ao poder diretivo empresarial, em

autêntico „jus resistentiae‟, buscas à valorização e concretização do direito fundamental ao lazer como medida profilática de saúde e segurança do trabalho.

[...].

Com o advento da lei 12.551/2011, que alterou a redação do artigo 6ª da CLT, houve a ruptura da subordinação jurídica clássica, surgindo o fenômeno atual da „deslocalização do trabalho‟, no qual há uma crescente flexibilização do local da prestação de serviços com a utilização de mecanismos de controle telemáticos e informatizados. A utilização do „cibertrabalho‟, a despeito de gerar redução de custos para as empresas, apresenta como desvantagem a possibilidade de deterioração das condições do trabalho, fazendo surgir, na feliz expressão de Ricardo Antunes e Ruy Braga, uma nova classe operária, os chamados „infoproletários‟.

Nesse sentido, nota-se que essa força de trabalho invisível está sujeita a uma maior ingerência empresarial nos momentos destinados ao lazer, já que não é possível separar o tempo de ociosidade e de trabalho efetivo. Mas, o avanço tecnológico não poderá implicar retrocesso social ou aumentar a degradação das relações de emprego, devendo-se conferir a esses empregados o direito de permanecer desligados ou “desconectados” do polo patronal e da exigência de serviços nos períodos de descanso, minimamente para que reestabelecerem seu

equilíbrio mental e físico e poderem ter produtividade e saúde para prosseguir suas jornadas.

Também importante mencionar que a questão da desconexão e os direitos fundamentais estão interligados às normas de saúde, higiene e, principalmente, segurança do trabalho como dispõe a Constituição Federal quanto ao tempo da jornada de trabalho.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte.

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

[...]. (BRASIL, 1988).

Barros (2007, p. 3) pontua que:

[...] no momento em que se opera a admissão do trabalhador este leva consigo uma série de bens jurídicos (vida, saúde, capacidade de trabalho) os quais deverão ser objeto de proteção pelo tomador de serviços por intermédio da adoção de medidas de higiene e segurança destinadas á prevenção de doenças profissionais e acidentes no trabalho.

Os direitos fundamentais trabalhistas estão ligados ao direito social, fundamental, e ao lazer, como disposto nos art. 6º, caput da CF/88 e os direitos à intimidade e à vida privada, expostos no art. 5º V e X da CF. Sobre o limite do tempo que o trabalhador deve cumprir exercendo sua atividade no local de trabalho é claro – e a Constituição Federal de 1988 e deveria abranger todos os trabalhadores brasileiros. No entanto, esse direito, muitas vezes, não é cumprido principalmente pelo empregador que influencia o empregado a não aderir ou deixar de lado o seu direito. Não apenas no “direito negociado”, mas até mesmo na própria Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em inúmeros dispositivos, ao tratar de jornada de trabalho, desafiam-se as ordens instituídas pela Constituição Federal.

Sobre a jornada de trabalho, não se está relatando que a força de trabalho é em troca de remuneração, mas sim, da entrega da própria vida do empregado ao empregador. O ditado popular de que “o trabalho dignifica o homem” é, nos tempos atuais, visto com certa cautela, uma vez que o trabalho em jornadas excessivas retira do homem a própria dignidade que supostamente seria inerente ao labor despendido. A limitação da jornada de trabalho no direito brasileiro é expressa (oito horas diárias e 44 horas semanais), e essa é uma norma de aplicabilidade plena, ou seja, não depende de um regramento infraconstitucional para ser obrigatória. O art. 7º, XIII, da Constituição, fixa a jornada máxima diária e semanal, e estipula a possibilidade de existir a compensação de horários e a redução da jornada.

A par de tudo o que foi pesquisado, percebe-se que o direito à desconexão do trabalho tem o intuito maior de preservar o direito adquirido pelo trabalhador ao seu bem-estar e ao seu descanso, depois de ter cumprindo seus deveres e a jornada de trabalho diária. No entanto, muitas vezes, o limite do trabalho não se restringe à empresa e um certo abuso começa quando diariamente o empregado precisa usar de seu tempo “extrajornada” para cumprir ou finalizar tarefas laborais. A imposição da equiparação legislativa, para fins de subordinação jurídica, do controle e supervisão do trabalho alheio por meios telemáticos aos presenciais, impondo a repercussão jurídica destes mecanismos no contrato de trabalho, desde que respeitadas as condições mínimas de saúde e segurança do trabalho e de medidas destinadas ao lazer pode ser positiva. Isto, além de abarcar o direito à desconexão do trabalho, consagra a concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da busca pelo pleno emprego. Na prática, obviamente, podem ser questionadas que não funcionam como deveriam.

Isso vai ao encontro do que já foi dito no capítulo inicial da pesquisa – com todo esse avanço da tecnologia, a interligação entre empregado & empregador se intensificou e os limites entre casa e trabalho para muitos trabalhadores diminuiu. Esse avanço representa uma luta para a preservação da saúde mental e física da coletividade - desconectar do trabalho, não é, portanto, um mero direito individual do trabalhador. Nas palavras de Sako (2014, p. 191), na era da informação e do conhecimento, da realidade laboral virtual desigual, todo esforço deve ser conjugado

[...] no sentido de assegurar direitos e garantias aos trabalhadores que navegam como „nômades‟ nas redes de comunicação, sem vínculos com ninguém e com nada, convivendo com o mais baixo padrão social e econômicos que lhes são oferecidos.

Após esse capítulo especificamente tratado sobre a diferenciação entre relações de trabalho “lato sensu” e relações de emprego, na qual a relação de emprego apresenta-se de forma mais detalhada como uma espécie das demais, e da descrição em torno da utilização das redes sociais e demais mecanismos abertos pela rede mundial 0de computadores nos ambientes de trabalho, com supostos “limites” a essa utilização durante a relação de emprego, o trabalho toma o rumo final.

O capítulo último visa apresentar as questões jurídicas da utilização da internet, suas consequências para ambos os polos da relação de emprego, apresentando inclusive atual pesquisa jurisprudencial acerca do tema, especialmente com o olhar da suprema corte em matéria trabalhista no país, qual seja, o Superior Tribunal do Trabalho (TST).

3 AS CONSEQUÊNCIAS JURIDICAS DA UTILIZAÇÃO DA INTERNET NAS

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