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3.2 Análise do Discurso francesa

3.2.1 Linguística Social

A partir das propostas de Jean Dubois para uma análise do discurso, quem deu sequência a este trabalho foram, especialmente, dois pesquisadores: Marcellesi e Gardin. Eles propuseram uma AD que deveria ser consoante com a Linguística Social (ou sociolinguística). As pesquisas produzidas por seu grupo procuravam relacionar as estruturas linguísticas às estruturas sociais, como mostra Narzetti (2012).

Como já foi abordado anteriormente, a tendência teórico-metodológica vigente até boa parte de 1960 era a do Estruturalismo, posteriormente, a do Gerativismo também. Essas tendências foram criticadas pelo grupo de Marcellesi e Gardin por

não considerarem em suas pesquisas, de fato, o social. Elas não se baseavam em uma teoria cientificamente sociológica como a de Marx. Aqui, Narzetti elucida em que consistia essa teoria:

O marxismo, ao nosso ver, aparece realmente como predecessor privilegiado do grupo de Marcellesi/Gardin, em dois “níveis”. É nos quadros da teoria marxista que se inscreve a concepção de sociedade e de sua história, pensada em termos de contradição, classes e grupos sociais, lutas de classe, ideologia, etc. própria do referido grupo. Mas é também nos quadros da reflexão marxista sobre linguagem em relação com a sociedade assim concebida que se inscreve a Linguística Social. (NARZETTI, 2012, p. 63)

Esta concepção de sociedade, história e linguagem determinou os pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Social. Para esta, os fatos e estruturas existentes nas sociedades produziriam efeitos na língua e na história, isto é, as mudanças/rupturas linguísticas e históricas davam-se em decorrência das relações sociais. Em razão dessa concepção, o estudo da mudança e da variação se tornou eixo central das pesquisas realizadas por esse grupo.

Baseados na teoria marxista de que a sociedade é composta por grupos sociais, deste modo sendo heterogênea, a língua também foi compreendida desta maneira por estes analistas. Ela foi concebida em sua heterogeneidade; seria formada por normas linguísticas distintas, próprias de cada grupo da sociedade (NARZETTI, 2012). Para eles, os grupos sociais estavam no intermédio entre sociedade global e indivíduos particulares.

A perspectiva da Linguística Social de Marcellesi e Gardin constituiu-se em contraponto à perspectiva do Estruturalismo. Este sofreu diversas críticas daquela. Apontemos as mais relevantes, conforme podemos observar em Narzetti (2012). A primeira delas foi quanto à noção de mudança linguística. Na análise desses autores, a teoria saussuriana via isso como fato negativo uma vez que não

promoveria a homogeneização, a unidade e a coesão da língua. Gardin apud

Narzetti (2012) entendia que Saussure não se interessou em explicar o caráter de mudança da língua devido a abordagem imanente que fazia da mesma. As mudanças linguísticas seriam compreendidas como efeitos de fatores externos à língua e, portanto, não seriam contempladas nessa abordagem.

Ver a mudança como algo negativo implicava evitar estas transformações linguísticas, ou seja, recalcá-las, silenciá-las. Significava também, na concepção

destes teóricos, manter ideologias conservadoras por meio da manutenção da língua, por meio de usos linguísticos antigos.

Além disso, anuncia/denuncia as consequências políticas em torno da questão: na medida que as questões sociais se expressam em formas linguísticas novas, elas podem chegar à consciência dos sujeitos; mas as transformações linguísticas são freadas, e as mudanças sociais precisam se expressar em formas linguísticas antigas, o efeito contrário se dá, e as ideologias (conservadoras) se mantêm. (NARZETTI, 2012, p. 62)

De acordo com a autora citada anteriormente, a Linguística social de Marcellesi e Guardin concebia as transformações existentes na língua em sua relação com a história e com a sociedade. Para eles, a luta de classes seria não só o motor da história, mas também da língua, uma vez que promoveria as mudanças linguísticas, as “normas linguísticas” de cada grupo social. Logo, a finalidade de comunicação, normalmente tida como pressuposto teórico pela Linguística estrutural na explicação dos fenômenos linguísticos, não seria suficiente para explicar essa relação entre linguagem, história e sociedade, portanto, ela não seria uma linguística, de fato, social. “Ela supõe a ausência de luta e de contradição” (idem). Em consonância com Kristeva apud Narzetti (2012), não pressupõe os sujeitos-falantes na condição de produtores e de antagonistas, cuja condição determina o discurso e as mudanças na língua.

Desta maneira, podemos observar algumas oposições entre a Linguística Social de Marcellesi e Gardin e o estruturalismo saussuriano. Em relação aos seus objetos, temos o estudo das variações linguísticas (entenda-se como o estudo das variações existentes nas estruturas linguísticas que ocorrem de maneira sistemática), conforme BRIGHT apud NARZETTI (2012). Já a abordagem estrutural tem como objeto a língua (uma língua, uma unidade, um sistema linguístico) e não normas linguísticas (variações). As variações linguísticas são de ordem social e não de fatores imanentes a língua. A abordagem da sociolinguística se baseia no entendimento de uma continuidade entre os níveis da língua, enquanto o estruturalismo faz abordagens do ponto de vista da sincronia. Essa abordagem seria falha porque ao analisar os estados da língua, não se considerava seu caráter social. Isto é, analisava-se extratos linguístico como algumas frases, mas nessa análise, não consideram a historicidade dessas superfícies linguísticas. Não se

considerava suas condições de produção (MARCELLESI e GARDIN apud NARZETTI (2012)). As variações apontavam a mudança nas relações sociais (NARZETTI, 2012). Conforme a autora citada anteriormente, Marcellesi e Gardin compreendiam o estudo dessas variações como um objeto novo para Linguística.

Outro ponto de distinção entre essas duas linhas teóricas é o modo como concebem os falantes. Estes não são vistos nem enquanto indivíduos isolados ou universais, como eram vistos pela inscrição estruturalista, mas particulares, pertencentes a grupos sociais (NARZETTI, 2012). Os grupos sociais eram formados por locutores parciais uma vez que possuíam “uma série de atitudes, uma obra comum a realizar, ou seja, uma unidade de atitudes, obras e condutas” (NARZETTI, 2012, p. 60). Estes grupos possuiriam normas linguísticas e discursos diferentes entre si.

Narzetti (2012) aponta algumas críticas feitas pelo grupo de Marcellesi e Gardin a Saussure. Para eles, a definição da língua enquanto instituição social e dos signos que a constituem como arbitrário fez com que a metodologia do estruturalismo fosse uma abordagem imanente da língua, desconsiderando sua realidade social, sua natureza social. Na visão desses sociolinguistas, Saussure embasou a dicotomia língua/fala na dicotomia sociológica de Durkheim e Tarde de sociedade/indivíduo. O efeito disso é a concepção da língua como o elemento pertencente ao nível social e de caráter universal, e a fala como pertencente ao nível individual. Nesta abordagem não está presente a concepção de Marx sobre sociedade, sobre os grupos sociais que a compõem e que a constituem, segundo aqueles sociolinguistas, o nível intermediário entre sociedade e indivíduo. Ao não levar em conta os grupos sociais e as diferentes normas existentes, o que o estruturalismo fez foi a abordagem sobre a uma norma apenas. O conceito de língua apaga a existência do conceito de normas linguísticas e da existência de uma variedade de normas. E, além disso, o que sustenta o conceito saussuriano de língua é a ideologia burguesa da universalidade. Assim, a Linguística derivada de Saussure é uma Linguística que tem por objeto exclusivo a norma (definida como

língua) do grupo dominante.