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3.4 LINGUAGEM MUSICAL

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CAPÍTULO III – NATUREZA DAS MÍDIAS

3.4 LINGUAGEM MUSICAL

De acordo com Robert Jourdain, autor de Música, Cérebro e Êxtase: como a música captura nossa imaginação (1998), foi no século XIX que a música começou a fazer parte da experiência dos cientistas. A música acústica – que significa ciência do som em si – foi a primeira; a psicoacústica – estudo de como a mente percebe o som – a segunda; a psicoacústica musical, a terceira – uma disciplina ampla que examina todos os aspectos da percepção e do desempenho musicais . Nesta mesma época, embora lentamente, a ciência do cérebro foi avançando, “com relutância, um nó de bilhões de células nervosas foi revelando alguns dos seus segredos. Hoje, os cientistas podem observar como um ouvido dança em compasso com uma valsa e a maneira como partes do córtex cerebral ‘acendem-se’, quando Mozart circula em torno.” (JOURDAIN, 1998 p. 13).

Considerando que hoje os cientistas podem observar como um ouvido dança, que relevância tem um breve estudo a música no contexto desta pesquisa? Toda relevância quando fazemos um paralelo entre música e linguagem, pois embora as mentes se comuniquem de diversas formas, através de símbolos, gestos e etc, apenas a linguagens da música – independentemente de suas diferenças – “operam em larga escala e com grande detalhe. E, embora formas menores de comunicação sejam encontradas em todo o reino animal, só os seres humanos são capazes de produzir e compreender a música e linguagem.” (idem, p.348).

A associação entre música e linguagem é antiga. “Quando Santo Agostinho escreveu seu De música, no século V, tratou principalmente de poesia. Não é de admirar. Tanto a música quanto a linguagem têm a ver com longas torrentes de som, altamente organizadas.” Jourdain (idem p, 349) apresenta uma interessante comparação entre as linguagens verbal e musical, inclusive quanto à nossa capacidade inata para compreender a ambas:

Não há nenhuma entidade sônica equivalente na experiência humana, ou no mundo natural (nem mesmo as canções das baleias, de horas de duração, mas cuja complexidade se revelou menor que a do canto dos pássaros). Aprendemos a entender tanto a música quanto a linguagem apenas através do contato, e a produzir frases e melodias sem qualquer treinamento formal em suas regras subjacentes. Ambas parecem características ‘naturais’, parte integrante dos nossos sistemas nervosos. O fraseado talvez seja o paralelo mais próximo entre música e linguagem. [...] o fraseado divide longas torrentes de sons em bocados compreensíveis. Trabalho de laboratório confirma que nossos cérebros tratam as frases musicais e as frases faladas de forma parecida, suspendendo a compreensão ao chegar uma frase e, depois, fazendo uma pausa para engolir a coisa toda. Um estudo mostrou que os ouvintes têm muito mais problemas para descobrir uma

seqüência de duas notas quando ela abarca duas frases; a mente, simplesmente, não quer ouvir as duas notas juntas. Resultados parecidos resultam de uma técnica avançada para a pesquisa lingüística, chamada migração do estalo. Pede-se a pacientes que lembrem a silaba, de determinada frase, na qual se deu um ‘estalo’ ou compreensão repentina. Freqüentemente, eles descrevem um estalo que ocorreu no meio da frase como se tivesse ocorrido no fim, ponto em que o cérebro decide firmemente qual será o significado da frase. Descobriu-se que, de modo similar, os estalos migram para os finais das frases musicais . (idem, p.350).

Embora para muitas pessoas a relação entre música e linguagem seja frágil, alguns pesquisadores como Jourdain (idem, p.352) continuam a afirmar que a música é um elemento fundamental para o desenvolvimento da linguagem e vice-versa. “O motivo é que música e linguagem baseiam-se ambas em hierarquias generativas. Essas hierarquias começam com uma estrutura de superfície, e esta consiste em padrões de notas ou de palavras que compõem melodias ou frases.”

Desde o final da década de 50, as gramáticas generativas propostas por Noam Chomsky passaram a dominar a teoria lingüística. Chomsky descreveu muitas regras que usamos, ao representarmos um entendimento em termos de uma seqüência de palavras. Poderíamos dizer ‘Jack tocou a guitarra’, ou ‘A guitarra foi tocada por Jack’, usando diferentes regras para gerar diferentes representações de superfície da mesma estrutura profunda. A escolha de regras é específica da língua que você fala, seja inglês ou suaíli, e segundo Chomsky, essas regras se inspiram numa gramática universal, da qual nascem todas as línguas, e para além da qual nenhuma língua pode ir. Embora essa gramática universal tenha, até agora, resistido a uma descrição completa, Chomsky acredita que esteja gravada em nossos cérebros, supostamente como resultado de centenas de milhares de anos de evolução. (JOURDAIN, idem, p. 352).

A análise lingüística é importante mas por si só não pode dar conta de explicar o elo existente entre música e linguagem. Análises sobre a relação música e linguagem, para serem completas, devem considerar os pressupostos da neuropsicologia, pois muitos aspectos da linguagem estão localizados no cérebro humano. Jourdain (idem, p.354) esclarece esta afirmação: “Quando ocorrem danos em áreas da linguagem, e esta falha, podemos tentar verificar se a música falha também. Inversamente, quando as habilidades musicais desaparecem, por causa de acidentes neurológicos, podemos observar as bem mapeadas áreas de linguagem e descobrir se estão intactas.”

A afirmação do autor de que é possível observar as áreas de linguagem, torna esta análise um tanto complexa em decorrência da ambigüidade da lateralização – distribuição das funções entre hemisférios – que se estende a certas estruturas do cérebro e que determina o domínio de certas atividades em cada lado do cérebro, que são, como já vimos, características

básicas das redes neurais.

Fundamental na idéia de lateralização é a noção de que cada lado do cérebro domina certas atividades. Mas dominância não significa controle absoluto. Nenhum dos dois lados do cérebro tem preponderância absoluta em qualquer função. O cérebro esquerdo tem contagens mais altas que o direito em várias tarefas referentes ao processamento da linguagem. É 90 por cento melhor no reconhecimento de palavras e cerca de 70 por cento melhor na identificação de silabas sem sentido, ou discurso invertido. Inversamente, o cérebro direito tem vantagens mais altas em certas tarefas musicais, embora a disparidade de habilidades dos dois hemisférios seja menos pronunciada do que ocorre com a linguagem. O cérebro direito é cerca de 20 por cento melhor na identificação de padrões melódicos e meramente 10 por cento melhor no reconhecimento de sons que não são do discurso, como gargalhadas, ou gritos de animais. Embora a linguagem, quase sempre, seja significativamente lateralizada, muitos pacientes não mostram lateralização alguma no caso da música. Então, é inteiramente errado conceber a música como se fosse canalizada de forma exclusiva para o cérebro direito, e a linguagem para o esquerdo. Ambos os lados ficam ocupados, em qualquer tipo de tarefa. Talvez a generalização mais útil sobre os papeis do dois lados do cérebro seja a de que o cérebro esquerdo volta-se particularmente para a modelagem de relações entre acontecimentos através do tempo, enquanto o cérebro direito favorece relações entre acontecimentos que ocorrem simultaneamente. [...] essa dicotomia é clara nas preferências esquerda-direita pelo processamento musical. [...] as harmonias tendem a ser reconhecidas mais efetivamente pelo hemisfério direito e o ritmo é favorecido pelo esquerdo. Ambas as habilidades são centralizadas mais ou menos nas mesmas áreas do córtex temporal, embora a harmonia tenha uma localização muito mais precisa que o ritmo. (JOURDAIN, idem, p.355-356).

Embora as habilidades para o processamento musical estejam centralizadas mais ou menos nas mesmas áreas do córtex temporal, o interessante é que o processamento da melodia, por exemplo, é feito pelo lado direito, que pode comparar as notas de uma tal melodia. Porém quando uma melodia aparece como um logo desenvolvimento temático, demorando vários minutos, é o lado esquerdo quem a processa.

Todas as explicações apresentadas por Jourdain nasceram da realização de pesquisa, e quase todas com o objetivo de mapear o comportamento musical do cérebro. Entretanto, estas pesquisas foram realizadas com pacientes ocidentais, “em geral bem-educados, e empregando exemplos musicais do chamado período da prática comum da música ocidental (séculos XVIII e XIX). Ninguém sabe quão diferentemente poderiam funcionar os cérebros de um indonésio ou nigeriano médio, ouvindo a sua própria música. Isto que dizer que ninguém sabe até que ponto a lateralização da música é condicionada pela experiência. Como os cérebros são tão idiossincráticos em seu comportamento, estudos efetivos exigem grandes amostras de dados, obtidos de muitos pacientes.” (JOURDAIN, idem, p.357-358).

Em resumo, neste capítulo discorremos acerca das formas como a máquina biológica processa informações que recebe do ambiente e é capaz de formular respostas utilizando-se de várias linguagens. Defendemos que as linguagens com grau de recursividade inferior são inatas e estão diretamente relacionadas aos órgãos dos sentidos humanos. No próximo capítulo veremos como procede a máquina artificial, o computador para realizar operações análogas.

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