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Esquema 1 – Síntese dos sentidos atribuídos a dramatização, linguagem teatral e teatro

3.3 LINGUAGEM TEATRAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ao longo da história, o teatro foi um importante instrumento formador. Desde a Antiguidade Clássica podemos encontrar escritos de filósofos gregos e romanos nos quais foram produzidas considerações sobre o teatro e a educação. No entanto, somente a partir da segunda metade do século XIX o teatro começou a ter participação importante na educação escolar (COURTNEY, 2003), passando a ter mais destaque a partir da difusão de ideias

inspiradas em Jean-Jacques Rousseau, que coloca a criança como centro nos processos educativos.

No Brasil, a partir do século XX, com o movimento da Escola Nova, inspirado nas ideias de John Dewey, o teatro encontrou terreno fértil, junto com a reflexão do papel do jogo e da atividade da criança (JAPIASSU, 2009).

[...] A incorporação do modelo da Escola Nova trouxe para o primeiro plano a expressividade da criança e levou a uma compreensão e a um respeito pelo seu processo de desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo em que ela abriu a possibilidade para a inclusão das áreas artísticas no currículo escolar, verificamos que objetivos educacionais amplos se transformam em justificativa para o ensino do teatro. (KOUDELA, 2013, p. 19)

Atualmente, as escolas em geral são uma importante mediação entre a criança pequena e o teatro (embora não a única) e, como uma das referências, deve refletir sobre tempo, espaços e organização dedicados a esta mediação. Percebemos também que o teatro na escola aparece como forma de alcançar objetivos atitudinais muito amplos e não há um detalhamento específico do que se quer alcançar ao promover tais experiências.

Entretanto, estudos acadêmicos ao longo do tempo têm-se diversificado em abordagens que podem transitar como meios para atingir objetivos escolares muito específicos ou como meio de desenvolver a “criatividade”, como um objetivo muito mais amplo.

A introdução do teatro e das outras formas de expressão artística na educação escolar contemporânea ocidental trouxe consigo a discussão do sentido das artes para a formação das novas gerações. O debate, longe de se exaurir, permanece aberto, alimentado por diferentes argumentos, que buscam justificar seu valor educativo e sua inclusão no ensino formal. (JAPIASSU, 2009, p. 29)

Como dito anteriormente, o principal documento que subsidia a ação do professor de educação infantil no município de São Paulo são as Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para educação infantil (2007). Este documento apresenta expectativas quanto ao trabalho com o teatro como uma linguagem integrada a outras experiências da criança, como a leitura de histórias. Além disso, relaciona diretamente a dramatização com o brincar infantil. No primeiro capítulo, expusemos o brincar como uma das atividades que constituem a infância e como esta ação assume centralidade na conduta infantil. Então, se o documento do município de São Paulo apresenta essa relação entre o brincar e a linguagem teatral, partiremos disto para levantar possibilidades de intervenção do professor de educação infantil quanto a essa linguagem específica.

A dramatização está ligada ao jogo, onde reside a raiz de toda criação infantil. Muito cedo, as crianças começam a brincar de serem coisas diferentes, destacando ou modificando sua própria aparência. A experiência de interagir com diferentes parceiros as levam a imitar significativamente seus gestos, movimentos e expressões. (SÃO PAULO, 2007, p. 125)

É necessário diferenciar a dramatização espontânea da criança, que chamamos de faz de conta, e a representação teatral. Na brincadeira de faz de conta, a criança imita ações exteriores espontaneamente e a partir de seus interesses. Embora o faça com uma verdade invejada por muitos atores, estes, por sua vez, compreendem os limites entre a vida e o personagem: “[...] o ator quer metamorfosear-se, transformar seu corpo e emprestar suas emoções ao personagem para poder tornar verdadeira sua representação, tentando afetar o espectador pela ilusão criada no palco” (SOUZA, 2012, p. 163). A criança pequena não se interessa por afetar outras pessoas a sua volta com sua brincadeira: brinca de ser outro pelo prazer envolvido nesta ação.

Quando brinca de faz de conta, a criança assume diferentes papéis e ações que representam diversos ambientes, e os qualificam. Esta imitação introduz a criança em uma herança cultural e é possível pensá-la como uma atividade sócio-historicamente construída, em que a criança descentra-se da realidade concreta para uma realidade imaginária. Podemos considerá-la como uma “atividade cultural portadora de significações sociais, contribuindo para a inserção da criança no compartilhar dos signos e possibilidades sociais” (ALVES; DIAS; SOBRAL, 2007, p. 328).

Com uma intervenção planejada por parte do professor, para que a representação teatral possa ocorrer, as crianças deverão perceber que não estão isoladas no mundo e que uns afetam aos outros, tanto de maneira positiva quanto negativa. Por isso, apresentamos os jogos dramáticos e teatrais como uma maneira de se colocar no lugar do outro por intermédio da brincadeira. Além de possibilitar o vislumbre dos outros ao seu redor, permite a comunicação de ideias a partir do gesto empregado, mas de forma compartilhada, na qual todos podem ser plateia e atores. Crianças e adultos dialogam e constroem significados a partir da dramatização.

Porém, temos de tomar cuidado para que o teatro em seu aspecto formal não apareça simplesmente por acidente. Apesar de possuir um valor no repertório cultural das crianças, brincar dramaticamente não é um treinamento para o palco e não pode tornar-se um objetivo genérico. Pouco a pouco, a criança poderá ser levada a compreender alguns elementos que fazem parte de um espetáculo, sem que isto se apresente como uma dicotomia à sua manifestação espontânea, ou seja, não devemos apresentar uma proposta sem clareza e é preciso entender que improvisação não é sinônimo de deixar livre, sem intenção.

A ideia principal é avançar desta brincadeira da criança para uma situação organizada na qual a representação teatral possa acontecer, considerando a aptidão natural das crianças e sem perder de vista que esse espontaneísmo é necessário e pode ser qualificado e lapidado para uma atuação mais intencional por parte da criança.

Na Educação Infantil, podemos aproveitar essa aptidão da criança pela dramatização espontânea para provocar seu interesse pelo jogo dramático que, acreditamos, pode ajudá-la a construir sua linguagem, pela exposição a diversas narrativas fantasiosas que podem ser dramatizadas. (SOUZA, 2012, p. 165) As experiências propostas diferenciam-se do faz de conta infantil devido à existência de regras organizacionais pré-estabelecidas negociadas com as crianças, da delimitação de espaço e de uma preparação antecipada. Apesar de haver a improvisação por parte do grupo que encena, as regras e combinados são anteriores à ação. Destacamos a participação do adulto como parceiro/organizador deste jogo, mas toda a organização pode ser realizada em conjunto, com o grupo de crianças.

Essa “educação dramática” (COURTNEY, 2003) não é um treinamento para o palco, como já falamos anteriormente, mas sim a criança jogando e brincando. Ser outro faz parte do processo de viver: “A imagem mais comum para esse processo é a ‘máscara e a face’: nosso verdadeiro ‘eu’ está escondido por muitas ‘máscaras’ que assumimos durante o decorrer de cada dia” (COURTNEY, 2003, p. 3).