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4 EMERGE O CAMPO: ENTREVISTAS

4.6 UMA REFLEXÃO SOBRE AS ENTREVISTAS

4.6.2 Muitas definições para a linguagem teatral

Ao longo das entrevistas, notamos que as professoras associaram o desenvolvimento da linguagem teatral a outras atividades realizadas em suas escolas, como, por exemplo, a brincadeira no parque, brincadeiras de imitação em roda, contação de histórias etc. Algumas apresentaram claramente um intercâmbio entre o brincar e o fazer teatral ou entre a literatura e o teatro, demonstrando as múltiplas linguagens que compõem a linguagem teatral.

No terceiro capítulo, tivemos a preocupação em construir sentidos para a linguagem teatral. Essa construção diferenciou os termos “linguagem teatral”, “dramatização” e “teatro”. Apesar de possuírem interligações, optamos por diferenciá-los, pois os três possuem características que lhes são próprias.

Para continuarmos essa discussão, temos de revisitar os sentidos atribuídos à dramatização e à linguagem teatral construídos ao longo do item 3.2. Dramatizar é inerente à cultura humana, à sua capacidade de representação simbólica. Muito do que as professoras entrevistadas realizam com seus alunos está atrelado à dramatização. A linguagem teatral é um emaranhado de signos com o intuito de comunicar algo a alguém a partir de aspectos físicos e espaciais específicos do teatro.

Mas, durante as entrevistas as professoras associam o desenvolvimento da linguagem teatral a qualquer proposta dramática que a criança realiza. Assim, qualquer atividade de dramatização, dirigida ou não, já estaria desenvolvendo a linguagem teatral? Na fala das entrevistadas não aparece diferenciação entre a dramatização espontânea vivida durante as brincadeiras e a representação teatral. Ambas as ações são colocadas dentro de um mesmo parâmetro.

A imitação e o faz de conta são os pontos de partida, porém é necessário prover o desenvolvimento da linguagem e do teatro como forma de arte que se constituiu ao longo do tempo. Somente a imitação e o não desenvolvimento dos vários elementos que compreendem uma encenação como linguagem não fará com que as crianças avancem em suas aprendizagens

sobre o teatro. Ainda não sabemos como esse momento é qualificado e se permite aos alunos constituírem relações que desenvolvam a sensibilidade.

Já falamos anteriormente que a dramatização espontânea pode ser aproveitada para desenvolver a linguagem teatral e poderá ajudar a criança a descobrir sua expressividade. Mas não podemos presumir que, apenas ao considerar essa manifestação da criança por meio do brincar, estaríamos desenvolvendo a linguagem teatral.

A seguir, elencamos alguns trechos das entrevistas em que as professoras apresentam uma série de intenções e definições para a linguagem teatral.

Quadro 14 – Definições e intenções para a linguagem teatral

Definições e intenções Trechos das entrevistas

Socialização, conduta

“Para mim a intenção não é que a criança vá lá e assista à peça, entre no ônibus e volte para a escola, mas que aprenda a se comportar no ambiente, conhecer outros espaços, conviver com outros tipos diferentes de pessoas.” (Ana)

Fantasia, imaginação

“[...] a fantasia livre eles fazem em muitos momentos.” (Bruna)

“Tem os momentos livres, mas eu interfiro também para motivar a imaginação deles.” (Carla)

Brincadeiras, faz de conta

“A gente até brinca disso, nos momentos de roda, ‘o chefinho mandou’, ‘imitar uma bruxa’, que já acho que é uma iniciação ao teatro.” (Bruna)

“Desde pequenino a gente nasce um ator, a começar com o faz de conta [...].” (Carla)

“Nos momentos de faz de conta tá muito presente, nas cantigas de roda, nas brincadeiras, na hora deles vivenciarem o papel do outro.” (Carla)

Imitação

“[...] dirigido quando a gente imita os bichos, como eles são menores, a minha sala eles têm 4 anos, eu comecei mais por imitação de bichos, de personagens, de fada, de bruxa (não uma história inteira ainda, porque eles são

muito pequenos), mas essa imitação, esse jeito de agir, de andar, eles já fazem já.” (Bruna)

Leitura de histórias

“Pego um livro, a gente vai fazendo uma leitura, a gente vai conversando no decorrer da leitura; ou é uma história que a gente não tem o livro, vai pegando os próprios alunos como personagens [...].” (Ester)

Jogos de regras

“Nossa, eles transformam tudo em teatro, tudo. A rotina deles em sala de aula é jogo de amarelinha. Eles colocam um teatro junto, entendeu?” (Débora)

Música

“Tudo o que eu faço é voltado para isso, as minhas músicas (que eu canto) [...], como se já fosse em forma de teatro também.” (Débora)

Fonte: a autora, com base em dados da pesquisa.

Como já declaramos, a linguagem teatral se utiliza de outras linguagens e a compreendemos como uma arte transdisciplinar, ao reunir aspectos de diferentes áreas. A literatura, a pintura, a música, a dança etc. compõem facilmente um espetáculo teatral. Ao trabalharmos com a linguagem teatral na educação infantil, podemos ao mesmo tempo estar desenvolvendo outras manifestações artísticas.

Mas, tudo o que nos foi dito é linguagem teatral? Para as entrevistadas, socialização é linguagem teatral, brincadeira é linguagem teatral, leitura é linguagem teatral! E como ficam as especificidades desta linguagem? Como assinalamos na “Introdução” deste trabalho, o próprio documento da SME-SP Orientações curriculares e expectativas de aprendizagem: educação infantil (SÃO PAULO, 2007) aponta para a integração da linguagem teatral com outras linguagens, mas traz a necessidade de se trabalhar com elementos específicos desta arte, reconhecendo que ela possui características próprias que podem ser levadas às crianças. Para que a linguagem teatral aconteça, é necessária uma intencionalidade gestual cada vez maior da criança para empreender uma comunicação com os seus espectadores. Não conseguimos visualizar esta intenção por parte das professoras. Elas descrevem muitas outras, porém esse elemento fica de fora.

A única diferença entre nós e eles consiste em que os atores são conscientes de estar usando essa linguagem, tornando-se, com isso, mais aptos a utilizá- la. Os não-atores, ao contrário, ignoram estar fazendo teatro, falando teatro, isto é, usando a linguagem teatral.

Os depoimentos, em geral, igualam a dramatização espontânea da criança e a linguagem teatral. Essa equiparação demonstra uma falta de consciência sobre a utilização dessa linguagem. Mas somente quem se formou ator está apto a utilizá-la e entendê-la? A própria pesquisadora neste estudo não possui formação em Artes Cênicas. O que nos impulsiona à compreensão sobre a linguagem teatral é acreditar no princípio de Spolin (2005, p. 3), de que “todas as pessoas são capazes de atuar no palco”. As motivações e intenções das professoras entrevistadas são diversas e muitas vezes não têm relação direta com a linguagem teatral. Essa multiplicidade de intenções dificulta uma ação mais específica da linguagem, ampliando um fazer aleatório e abrangente.