• Nenhum resultado encontrado

signos, se é levado a deduzir que o que se produz é um objeto lingüístico, e, conseqüentemente que, o vídeo, assim como o cinema, é uma linguagem audiovisual em que a tecnologia compreende o conjunto de todos os meios necessários à sua produção. E, ainda, que há, também, um conjunto de demandas, internas e externas, que coagem esta modalidade de linguagem de modo a torná-la distinta de outras possíveis; que produzem um recorte, que de certa forma, determina uma espécie de gênero.

A linguagem do vídeo é audiovisual e abrange e se compõe de elementos de diversas outras manifestações lingüísticas, entre os quais se incluem a escrita gráfica, a imagem, o som, e, notadamente, o movimento. Pode-se ser tentado a dizer que o vídeo carece de características próprias que possam defini-lo como uma linguagem específica; e que ele (o vídeo) é um intermediário, algo entre o cinema e a televisão. Entretanto, no dizer de Machado, A.:

Ao herdar da televisão o seu aparato tecnológico, o vídeo acabou por herdar também uma certa postura parasitária em relação aos outros meios, um certa facilidade em se deixar reduzir à simples veículo de outros processos de significação. Ainda hoje, o vídeo é largamente utilizado, no mercado de massa, como mero veículo do cinema. Nesse sentido, a vídeo-arte foi pioneira em denunciar e negar essa tendência passiva do vídeo, ao mesmo tempo em que logrou definir para ele estratégias e perspectivas próprias. Mais recentemente, com a generalização da procura de uma linguagem específica, o vídeo deixa de ser concebido e praticado apenas como uma forma de registro ou de documentação, (...), para ser encarado como um sistema de expressão pelo qual é possível forjar discursos sobre o real (e sobre o irreal). Em outras palavras, o caráter textual, o caráter de escritura do vídeo, sobrepõe-se lentamente à sua função mais elementar de registro. (1997, p.188).

A intenção deste trabalho não é discutir a especificidade de uma linguagem do

vídeo, como o faz Machado, A. (1997), mas, suas palavras são importantes para justificar que o vídeo, ainda que seja visto como um veículo para o cinema ou como um produtor de objetos televisivos, deve ser reconhecido, necessariamente, como uma linguagem, mesmo a serviço de outros meios. O próprio Machado, A. (1997) questiona essa distinção que se faz entre as linguagens do cinema, da televisão e do vídeo, preferindo o termo linguagem audiovisual como uma forma híbrida; distinção ainda menos evidente com o desenvolvimento das mídias digitais.

Assim, ao se falar em vídeo, neste trabalho, busca-se identificar uma forma alternativa de cinema, isto é, define-se vídeo, justamente, como uma forma de fazer

cinema utilizando-se uma tecnologia que podemos denominar “videográfica”, apesar da dificuldade de, atualmente, se delimitar fronteiras ou diferenças notáveis entre as tecnologias utilizadas para se fazer cinema, televisão ou vídeo, como bem o asseverou Machado, A.:

A situação atual da indústria do audiovisual está marcada pelo hibridismo das alternativas. O cinema lentamente se torna eletrônico, mas, ao mesmo tempo, o vídeo e a televisão também se deixam contaminar pela tradição de qualidade que o cinema traz consigo ao ser absorvido. Muitos filmes que hoje podem ser vistos nas salas de cinema, inclusive, aqueles totalmente realizados com meios cinematográficos habituais, foram, na realidade, pensados e produzidos em virtude de sua funcionalidade na tela pequena da televisão. A razão é simples: um filme já não se paga apenas com a renda das salas de exibição; ele também depende financeiramente do rendimento derivado de sua distribuição nos canais de televisão e no mercado de fitas de videocassete. (1997, p. 215).

As palavras de Machado, A. (1997), na atualidade poderiam ser tidas como previsões que foram em muito superadas pela entrada da mídia digital em todos os níveis do audiovisual, e cujo hibridismo ultrapassou os limites da interpenetração das

linguagens e atingiu o paroxismo ao tornar-se o meio de produção, por excelência, tanto do cinema, quanto do vídeo e da televisão; o uso de películas fotográficas ou de fitas eletro-magnéticas é visto como “saudosismo”. As projeções de filmes em salas de cinema são, salvo raríssimas exceções, completamente digitalizadas, e a televisão digital de alta definição é uma realidade doméstica.

Em alguns momentos desta dissertação, utilizou-se o termo filme, sem, contudo, querer com isso referir-se apenas a uma “obra de ficção de longa- metragem” (AUMONT e MARIE, 2003, p. 128), mas, da mesma forma, à linguagem e ao objeto audiovisual designado como vídeo, seja ele do gênero ficcional ou documentário, de longa, média ou curta metragem, ou ainda, pertencente à esfera experimental ou institucional, de que se falará a seguir nas seções 3.5 e 3.7.

De modo geral, pode-se conceber a linguagem como sendo, por definição, todo e qualquer sistema estruturado de signos de que se utiliza como meio de comunicação de pensamentos, idéias, sentimentos ou sensações, sejam sob a forma de gestos, sons, símbolos gráficos etc. É percebida pelos órgãos dos sentidos, distinguindo-se, a partir deste fato, em visual, auditiva, tátil, gustativa, olfativa, ou, em suas complexas combinações de significado.

Vygotsky, ao estudar a construção do pensamento e da linguagem associa-os como processos inter-relacionados, concomitantes e propõe o significado como uma unidade de análise em que se encontram tanto um quanto o outro.

Tudo leva a crer que a distinção qualitativa entre a sensação e o

pensamento seja a presença, nesse ultimo, de um reflexo generalizado da realidade, que é também a essência do significado da palavra; e,

conseqüentemente, que o significado é um ato de pensamento, no sentido pleno do termo. Mas, ao mesmo tempo, o significado é parte inalienável da palavra como tal, e dessa forma pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio, que não mais faz parte da fala humana. (2000, p. 10).

Vygotsky destaca o papel que a linguagem exerce no desenvolvimento do que ele designa como “funções psicológicas superiores”, ou seja, da percepção, da memória e do pensamento humano. Para ele,

O homem domina seu comportamento e subordina a um determinado plano através da linguagem e com sua ajuda. A atividade prática do homem, portanto, se faz duplamente mediada: por um lado, está mediada pelas ferramentas no sentido literal da palavra e, por outro, mediada pelas ferramentas em sentido figurado, pelas ferramentas do pensamento, pelos meios, com a ajuda das quais se realiza a operação intelectual, ou seja, mediada com a ajuda das palavras. (1996, apud TEIXEIRA, 2006, p. 50).

Concordando que a atividade humana se constitui numa prática social material, pode-se inferir que a linguagem não é apenas um meio, mas um elemento constitutivo dessa prática. Ou, como nas palavras de Williams, que

a linguagem não é um meio puro, através do qual a realidade de uma vida ou a realidade de um evento ou de uma experiência, ou a realidade de uma sociedade, pode “fluir”. É uma atividade socialmente partilhada e recíproca, já incorporada nas relações ativas, dentro das quais todo movimento é uma ativação do que já é partilhado e recíproco, ou pode vir a sê-lo. Assim, fazer uma explicação a outrem é, explícita ou potencialmente, como qualquer ato de expressão, evocar ou propor uma relação. É também, através disso, evocar ou pressupor uma reação ativa com a experiência que está sendo expressa, quer essa condição de relação seja vista como a verdade de um acontecimento real, quer como a significação de um acontecimento

imaginado, a realidade de uma situação social ou a significação da resposta a ela, a realidade de uma experiência privada, ou a significação de sua projeção imaginativa, ou a realidade de alguma parte do mundo físico, ou significação de algum elemento de percepção ou resposta a ele. (1979, p. 166-167).

Esta concepção de linguagem a torna essencialmente relacional, dialógica, sustentada pelo uso e produção de símbolos. “A função da linguagem é comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação social, de

enunciação e compreensão”. (VYGOTSKY, 2000, p. 11). A linguagem é assim vista como ato inerentemente cultural, simbólico, que produz significados utilizando-se de signos que arbitrados sob formas sistêmicas constituem sistemas de códigos que permitem, por convenção, estabelecer relações comunicativas entre falantes.

Portanto, sendo o vídeo uma linguagem, constitui-se de um sistema estruturado de símbolos e códigos próprios que funciona como um mediador cultural em que os falantes podem ser representados pelos fazedores e receptores, não necessariamente diferenciados. Ao mesmo tempo, como linguagem, o vídeo pode ser categorizado por produzir uma determinada enunciação, em que se identificam conjuntos de características estilísticas que podem definir um gênero discursivo.