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PARTE 1 – ECONOMIA EMPRESARIAL E GESTÃO ESTRATÉGICA DE BALANÇO

3.1 D A TEORIA DA PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ À TEORIA DA PRECIFICAÇÃO DE ATIVOS 49 

3.1.1 Liquidez e flexibilidade 56 

Em contextos de alta incerteza e/ou de aumentos esperados da taxa de juros os atores econômicos tendem a aumentar o grau de preferência pela liquidez – motivos precaução e especulação de demanda por moeda, respectivamente. E isso porque o dinheiro se mostra capaz de transportar a riqueza ao longo do tempo histórico, oferecendo não apenas segurança ao seu detentor, mas também, e não menos importante, a capacidade de reação frente a oportunidades lucrativas de negócios. Tem-se, pois, que a liquidez propicia flexibilidade de escolhas alternativas (HICKS, 1974). Conforme assinala Hicks (1974, p.47): “A função social da liquidez está no fato

de ela nos dar tempo para pensar.”, ainda que sua busca exasperada revele sua função anti-

social, posto que capaz de gerar crises de insuficiência de demanda efetiva, como mostrou Keynes (1936).

Essa flexibilidade propiciada pela liquidez constitui condição fundamental para as decisões de balanço dos bancos e das empresas numa economia empresarial, sendo mais privilegiada quanto maior for a percepção de incerteza desses atores num dado momento. Diferentes necessidades de flexibilidade impõem distintos graus de preferência pela liquidez. Em ambientes de alta instabilidade macroeconômica, por exemplo, a opção por uma carteira de ativos com grau mais elevado de liquidez propicia a possibilidade de ajustamentos patrimoniais quase instantâneos, necessários tanto para proteger a riqueza em termos monetários, como para dilatar o leque de oportunidades para ampliá-la, posto que a estruturação de posições com alto grau de liquidez aumenta a capacidade de reação dos bancos e das empresas às oportunidades de ganhos proporcionadas pelas oscilações abruptas e repentinas das taxas de juros, de câmbio, de inflação, etc.

Em tais contextos, a abdicação da flexibilidade propiciada pela liquidez tem o custo de impedir o trânsito quase instantâneo da riqueza entre ativos alternativos. Essa inflexibilidade de

balanço pode, inclusive, comprometer a sobrevivência das empresas em ambientes de forte instabilidade. Como mais uma vez nos ensina Hicks (1974, p.38): “[...] ao ficar com ativo de

liquidez imperfeita, o proprietário estreita a faixa de oportunidades que se pode estar aberta. [...] Como se diz no jargão do mercado, ele ‘se trancou’.”

Portanto, a opção por maior flexibilidade enseja um aumento do grau de preferência pela liquidez por parte dos agentes. Como consequência lógica, a busca por maior flexibilidade de escolha entre formas alternativas de alocação da riqueza enseja o aumento do grau de preferência pela liquidez. Ou seja, a opção por maior flexibilidade se traduz em termos de preferência por ativos com graus mais elevados de liquidez, cumprindo uma função estratégica no que diz respeito à gestão de balanço em contextos marcados por alta incerteza. Em tais ambientes, o custo ocasionado pela maior flexibilidade tende a ser inferior aos ganhos que podem ser obtidos a partir dela.

A maior flexibilidade obtida mediante o aumento do grau de preferência pela liquidez não necessariamente significa a assunção de uma postura defensiva por parte dos atores econômicos, posto que passível de estar relacionada a movimentos especulativos em relação às variações esperadas da taxa de juros (motivo especulação de demanda por moeda), bem como a oportunidades imprevistas de ganhos com os diversos ativos disponíveis no mercado em dado momento (motivo precaução de demanda por moeda). A flexibilidade propiciada pela liquidez, no plano da gestão de balanço permite a troca de posições quase instantâneas entre os mais diferentes ativos, condição que oferece aos bancos uma alta capacidade de adaptação e/ou reação às diferentes conjunturas. Por isso, o maior grau de liquidez desejado pelos bancos em ambientes de maior incerteza não se articula simplesmente com a ideia de uma postura defensiva, considerando se tratar de uma estratégia que visa ampliar a riqueza em contexto de instabilidade. Ao discorrer sobre o motivo precaução de demanda por moeda, afirma Keynes, (1936, p.140):

[...] Entre outros motivos para conservar recursos líquidos, destacam-se o de atender às contingências inesperadas e às oportunidades imprevistas de realizar compras vantajosas e os de conservar um ativo de valor fixo em termos monetários para honrar uma obrigação estipulada em dinheiro. [grifo nosso]

Tem-se, pois, que a busca pela flexibilidade e, por extensão, pela liquidez, não necessariamente constitui um fim em si mesmo. Ao conformarem uma carteira de ativos pouco sujeita a perdas e com prazos curtos, os agentes atribuem maleabilidade no âmbito da gestão de

seus balanços, deixam de ficar “trancados” e, assim, expostos aos riscos provocados pelas oscilações dos preços fundamentais do sistema.

Em determinados ambientes, contudo, pode ocorrer de o “custo relativo da retenção de recursos líquidos” ao qual se refere Keynes (1936, p.140) ser negativo, ante a possibilidade de existência de ativos capazes de oferecer altos graus de liquidez e rentabilidade. Nesses casos, a opção pela assunção de posturas mais líquidas e, portanto, flexíveis do lado esquerdo do balanço tende a ser privilegiada pelos bancos. Num contexto dessa natureza, o desejo por flexibilidade e, ao cabo, por maior grau de liquidez, tende a ditar o compasso do padrão de atuação dessas instituições numa economia empresarial.

Isso quer dizer que a flexibilidade oferecida pela retenção de moeda ou de ativos altamente líquidos pode ser privilegiada não apenas em função da incerteza em relação ao futuro da taxa de juros, mas da incerteza em relação a todos os fatores que condicionam a tomada de decisão de balanço dos bancos. A opção pela assunção de um maior grau de liquidez em um dado momento não necessariamente se associa com a expectativa de aumento da taxa de juros adiante, conforme indicou o próprio Keynes (1936, p.140) quando da apresentação do motivo precaução de demanda por moeda. Esse aumento de flexibilidade viabilizado a partir da elevação do grau de preferência pela liquidez pode decorrer da ânsia dessas instituições de possuir “poder de reação” frente a movimentos esperados ou inesperados dos preços dos ativos ou a mudanças abruptas da conjuntura. A liquidez oferece, pois, liberdade e flexibilidade para responder às diferentes oportunidades de negócios. Como explica Davidson (1988, p.335), também à luz de Hicks (1974):

In an economy that organises its production and purchase operation via money contracts, the possession of money and/or liquid assets (i.e. assets readily resalable for money in well-organised, orderly spot markets – cf. Hicks, 1974, p.42) permits the individual to take advantage of currently unforeseeable, future opportunities, while simultaneously self-insuring the holder against untoward events. If an individual holds only illiquid (non-marketable) assets and no money, then the person has ‘locked’ himself in to a non-flexible course of action no matter what the future may bring. An intermediate position of holding only imperfectly liquid assets (potentially saleable but not in well- organised markets) and no money will limit both the individual’s opportunities and his self-insurance against misfortune (cf. Hicks, 1974, ch.2). […]

Logo, a opção pela assunção de posições de balanço mais líquidas tende a ser cada vez mais privilegiada quanto maior for a incerteza percebida pelos agentes, de um lado, e menor for o “custo relativo da retenção de recursos líquidos”, de outro. A alocação da riqueza em ativos mais

ou menos líquidos afeta o prêmio pela renúncia à liquidez, mas o grau de preferência pela liquidez assumido pelos agentes em dado momento não depende somente das expectativas em relação ao comportamento vindouro da taxa de juros.

Portanto, em contextos de instabilidade, a assunção de posições mais líquidas implica maior flexibilidade de gestão de balanço, ante a maior capacidade de alternar as posições ativas ao sabor das necessidades de cada momento. Baseando-se em Hicks (1974), Fanelli e Frenkel (1995, p.32) afirmam que: “[...] en una economía de alta incertidumbre macroeconómica donde

es más fácil equivocarse, la flexibilidad para cambiar decisiones del pasado tine un premio económico.”. Em tais ambientes, condutas conservadoras sob o ponto de vista da liquidez podem

ser as mais lucrativas, posto que garantem maior flexibilidade. Trata-se, pois, de uma forma de ajustamento dos atores econômicos ao contexto de alta incerteza (FANELLI e FRENKEL, 1995, p.33). Uma queda do estado de confiança tende a reduzir o desejo por posições menos flexíveis, como a aquisição de novos bens de capital, e aumentar as posições mais flexíveis, como a compra de ativos financeiros altamente líquidos. Os atores econômicos buscam com isso não apenas proteger a sua riqueza em termos monetários, mas também resguardar sua capacidade de optar entre diferentes alternativas de aplicação de recursos (JONES e OSTROY, 1984, p.14). O aumento da demanda por liquidez reflete o maior desejo por flexibilidade, um prêmio não trivial em tempos de alta incerteza (RUNDE, 1994, p.136-137)69.

Portanto, tem-se a seguinte relação causal: o aumento da incerteza eleva o desejo por flexibilidade dos atores econômicos, o que incita o aumento da razão entre ativos mais e menos líquidos no lado esquerdo do balanço, ou seja, do grau de preferência pela liquidez70. Enseja, ainda, a redução dos prazos de maturação dos ativos, de modo a diminuir o grau de exposição a perdas (diretas e indiretas) provocadas por alterações bruscas dos preços fundamentais do sistema. Como as decisões que envolvem a aquisição de ativos instrumentais são irreversíveis no curto prazo, o aumento do desejo por flexibilidade, objetivado sob a forma de aumento do grau de preferência por liquidez, tende a reduzir o investimento agregado, com efeitos deletérios sobre

69 Como bem observa Runde (1994, p.137) ao se referir aos trabalhos de Davidson (1988) e Makowski (1990), a

despeito das divergências: “Both adopt Hicks’s (1974, p.39) interpretation of Keynesian liquidity preference as a

instance of a more general demand for flexibility that arises with a view to ‘things which are unknown now, but which will become known in time’. […]”

70 O aumento da participação de ativos mais líquidos no ativo total dos bancos, contudo, pode decorrer de outros

fatores que não apenas o aumento da incerteza. A exigência de capital mínimo ponderado pelo risco, por exemplo, pode estimular o aumento da referida participação.

o emprego e a renda, ainda que temporários (JONES e OSTROY, 1984; MAKOWSKI, 1990; KEYNES, 1936).

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