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LITERATURA COMPARADA: PRINCÍPIOS ELEMENTARES

A literatura estabelece-se nas relações com a realidade, tanto com a realidade distante no tempo e no espaço como com o mundo que a cerca. Assim, a teoria da intertextualidade dá conta das relações existentes entre as literaturas, e a literatura comparada (LC) permeia este caminho.

Wellek (1959), em seu texto “A crise da literatura comparada”, mostra que a LC se restringe ao estudo das interrelações entre duas literaturas, porém não dimensiona os movimentos e estilos. Quem faz isto é a literatura geral. Ele persevera na concepção de literatura comparada como uma atividade crítica, chegando mesmo a usá-la como sinônimo de crítica literária e acaba por opor-se àqueles que estabeleciam limitações entre as duas. Para ele, é fundamental o papel da crítica literária no estudo das literaturas.

Henry H. H. Remak (1961, p. 180) também discorre sobre este conceito afirmando que ela é o estudo para além das fronteiras de um país. Para ele existe um consenso sobre a função da literatura comparada, é o “dar aos estudiosos, aos professores e estudantes, e, last but not the least, aos leitores, uma compreensão melhor e mais completa da literatura como um todo, em vez de um seguimento departamental ou vários seguimentos departamentais de literatura isolados”. Desse modo, ela se constitui como ferramenta de compreensão da literatura propriamente dita.

Remak (1961), em seu texto “Literatura comparada: definição e função”, busca sistematizar as diferenças existentes entre a literatura comparada e a literatura mundial. Estabelece que a comparada envolve o elemento espaço, por lidar com a relação entre dois países, entre dois autores, muitas vezes de nacionalidades diferentes, ao passo que a literatura mundial implica o reconhecimento de todo o mundo. A literatura mundial trabalha com obras que tiveram qualidade duradoura, “que obtiveram prestígio ao longo do tempo e em todo o mundo (por exemplo, a Divina comédia, Dom Quixote, Paraíso perdido, Cândido, Werther)” (REMAK, 1961, p. 183). A literatura comparada, no entanto, não se demarca na mesma proporção. Seu estudo não tem que ser comparativo em cada página ou em cada capítulo, mas sim na verificação do propósito, da ênfase e da execução.

Ao estabelecerem suas reflexões sobre a literatura comparada, Wellek e Warren (1955) afirmam, a partir das fontes francesas, que este tipo de literatura está confinado ao estudo das relações existentes entre duas ou mais literaturas e sua função é estudar as inter- relações entre elas.

Em 1986, Sandra Nitrini escreveu Em torno da literatura comparada, no qual ela estabelece toda a história dessa literatura, remontando-a às literaturas grega e romana. Em seguida, perpassa pelo século XX, cujo cenário europeu se firmou em torno dos vultos de Baldensperger, Paul Azard, Thieghen e Jean Marie Carré e chegou aos Estados Unidos com os anos de 1930. Nesse período, os estudiosos amadureceram os estudos comparativistas e começaram a questionar os velhos hábitos positivistas dos franceses. No entanto, foi no 2º Congresso as Associação Internacional de Literatura Comparada, realizado em dezembro de

1958, que as discussões se acirraram e “o tom das discussões foi marcado por um interesse centrado em categorias literárias [que] transcendiam o conceito de nacionalidade: gêneros, formas, temas, estilos e movimentos” (NITRINI, 1986, p.40).

Para ela, foi com Wellek que os caminhos foram abertos e surgiram novos questionamentos até mesmo para uma estética comparada, visto que “se tornou legítimo comparar paralelismos de forma e de pensamento na literatura universal independentemente de toda influência histórica discernível” (NITRINI, 1986, p. 40). E a autora acaba por ressaltar o papel das teorias da intertextualidade “segundo as quais todo texto absorve e transforma outros textos, como um elemento inovador para o estudo das fontes e influências, problemática medular da literatura comparada” (NITRINI, 1986, p. 41).

No Brasil, a Literatura Comparada foi introduzida na universidade na década de 1940 e, de lá para cá, o interesse pelos estudos comparatistas têm sempre se desenvolvido para institucionalizar este tipo de literatura.

Em 2000, Sandra Nitrini retomou os estudos da LC e publicou Literatura Comparada, no qual ela trata dos conceitos fundamentais da mesma. Nesta obra, afirma que existem muitas discussões sobre a LC, no entanto, todas elas convergem para o conceito de influência: “Seja para firmá-la, seja para negá-la, seja para transformá-la, seja para substituí-la por um novo conceito, como o da „intertextualidade‟, seja para renová-la dentro do contexto da teoria da estética da recepção” (NITRINI, 2000, p. 126). Assim, ela tratou especificamente da influência, imitação e originalidade.

No que se refere à influência, Nitrini (2000) aponta que há duas acepções diferentes. A primeira indica a soma das relações de contato e a segunda trata exatamente do resultado artístico dessa soma, ou seja, até certo ponto a influência pode ser confundida com a imitação; nesse caso, o que uma difere da outra é que a imitação refere-se “a episódios, a procedimentos ou tropos bem determinados, enquanto a influência denuncia a presença de uma transmissão menos material, mais difícil de apontar” (NITRINI, 2000, p. 127).

Cionarescu, retomado por Nitrini (2000), atribui quatro sentidos para a imitação. O primeiro refere-se à mimesis e trata da imitação como seleção e transposição. O segundo sentido trata da retomada do Renascimento, que aconselhou a imitação dos autores antigos e clássicos europeus. O terceiro sentido, segundo o autor, “liga-se ao processo de adaptação renascentista que apresentava como resultado um produto literário, uma obra escrita, cujo título remete sempre ao de seu modelo” (CIONARESCU, 1964 apud NITRINI, 2000, p.129), O quarto seria a verificação entre a imitação e a influência.

Aldridge (1963) apud Nitrini (2000, p. 130) define a influência como “algo que existe na obra de um autor que não poderia ter existido se ele não tivesse lido a obra de um autor que o precedeu”, pois, para ele, compreender uma fonte mostra como se pode produzir uma obra literária e motiva o autor no seu processo de produção.

Ao tratar da originalidade, a autora cita Valéry, que também fez reflexões sobre ela. Mostrou que a célebre frase “Nada mais original, nada mais próprio do que nutrir-se dos outros. Mas é preciso digeri-los. O leão é feito de carneiro assimilado” (VALÉRY, 1960, apud NITRINI, 2000, p. 134) denotou o conceito de originalidade voltado para a assimilação, pois o tipo de assimilação de digestão que é feito de uma obra vai caracterizar o caráter da outra. A autora utilizou-se também dos conceitos de Ana Balakian, para discutir o conceito de originalidade, mostrando que, quando esta é dotada de espírito crítico, o autor que assimila sabe desenvolver, ampliar aquilo que foi descoberto por outro. Vale ressaltar, segundo ela, que a novidade não assegura a originalidade de uma obra. É possível ser original dialogando com outra obra.

Tânia Franco Carvalhal, em 2003, também se debruçou sobre os estudos de Literatura Comparada e publicou O próprio e o alheio – ensaios de literatura comparada. Nesta obra ela discorreu sobre algumas teorias que valem a pena ser ressaltadas. Para ela, a intertextualidade é a peça chave para a leitura e o diálogo entre os textos, favorecendo-lhes a compreensão e o processo de apropriação criativa, bem como o conhecimento das peculiaridades dos textos. Deste modo, ela afirma:

Graças à reflexão teórica sobre o conceito de intertextualidade, a noção de influência aos moldes tradicionais se tornou inoperante como também a tese da dependência dela decorrente. Ao investigar as „fontes‟ na forma convencional, sem atentar para sua funcionalidade na obra que as incorpora ou na literatura a que esta pertence, o comparativismo tradicional deixava de considerar o mais importante, ou seja, como e em que medida a apropriação de uma fonte contribuía para a configuração pessoal daquela obra e para sua inserção no conjunto maior do literário, ao aderir a um tópico que integra a linguagem convencional, a temática ou os procedimentos técnicos comuns aos escritores (CARVALHAL, 2003, p. 10).

A comparação, compreendida como prática crítica e campo de investigação teórica, busca articular a reflexão sobre o que é universal com o que é particular ou, mais precisamente, com o que é local, nacional ou até mesmo familiar.

A literatura comparada, como requer Carvalhal (2006, p. 7), “não pode ser entendida apenas como sinônimo de comparação”, no entanto, o estudo comparado de textos

deve ser utilizado como um meio e não um fim. Historicamente, esse termo teve sua gênese no pensamento cosmopolita do século XIX, bem como sua expansão. Na França, na Alemanha e na Inglaterra, depois na Itália e em Portugal, a LC teve seus estudos pioneiros e avançados no que se refere à questão metodológica. No entanto, tanto a literatura geral quanto a LC foram favorecidas pelo espírito de cosmopolitismo literário predominante no século XIX.

Ao traçar suas reflexões sobre a LC, Carvalhal (2006) apresentou as visões de alguns países, para conseguir sedimentar o seu pensamento. Na visão francesa, apegou-se ao conceito de Paul Van Tieghen (apud Carvalhal, 2006), que definiu “o objeto da literatura comparada como o estudo das diversas literaturas em suas relações recíprocas”. Para ele, a LC se estabeleceu como análise preparatória aos trabalhos de literatura geral. Ele pretendia, em verdade, elaborar uma História Literária Internacional, que estaria organizada em três partes: a história das literaturas nacionais, a LC e a literatura geral, que sintetizaria os dados recolhidos anteriormente; a LC trataria da investigação das ideias afins. Desse modo, seriam pesquisadas nas obras literárias as influências, as identidades ou diferenças, constituindo, assim, “famílias literárias”.

Carvalhal (2006) mostrou que, no Brasil, Tasso de Oliveira, na fonte de Van Tieghem, afirmou que a comparação deverá ser estabelecida com caráter particular e com finalidade construtiva, absorvendo os conceitos franceses. Para ele, o comparatista deve possuir um saber enciclopédico para poder estabelecer relações políticas, sociais, religiosas, filosóficas, científicas, artísticas e literárias entre as obras comparadas, já que a função específica de um crítico é a de estabelecer filiações entre as obras e autores de um país com os de outros países.

Carvalhal (2006) remeteu aos conceitos de Bakhtin e Kristeva ao afirmar que todo texto se produz a partir de outro texto e que entre eles existe uma relação de interdependência, caracterizando uma perspectiva de análise dos procedimentos de suas relações. No entanto,

Essa é uma atitude de crítica textual que passa a ser incorporada pelo comparativista, fazendo com que não estacione na simples identificação de relações, mas que as analise em profundidade, chegando às interpretações dos motivos que geraram essas relações. Dito de outro modo, o comparativista não se ocuparia a constatar que um texto resgata outro texto anterior, apropriando-se dele de alguma forma (passiva ou corrosivamente, prolongando-o ou destruindo-o), mas examinaria essas formas, caracterizando os procedimentos efetuados. Vai ainda mais além, ao perguntar por que determinado texto (ou vários) são resgatados em dado momento por outra obra. Quais as razões que levaram o autor do texto mais recente a reler textos anteriores? Se o autor decidiu reescrevê-lo, copiá-los,

enfim, relançá-los no seu tempo, que novo sentido lhes atribui com esse deslocamento? (CARVALHAL, 2006, p. 52).

Ainda que a autora tenha exposto diferentes funções ao comparativista, ela recai nos conceitos de intertextualidade e de suas formas de análise, porque a literatura comparada tem na intertextualidade a sua efetivação. Enfim, a LC se aprimorou e buscou novas formas de entendimento de um texto. Não basta apenas realizar a comparação, é preciso relativizar o que está exposto no texto e suas informações. Em alguns casos, o texto atual se estabelece com mais força, submete o texto anterior e atua com mais evidência e forma. Na realização da análise comparativa/intertextual de uma obra, não há que se prender apenas nos fatos explícitos, distintos, mas buscar retirar dos textos os fatores essenciais para realizar uma leitura que busque apresentar os intertextos presentes e, principalmente, o porquê de eles estarem lá.